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sábado, 28 de novembro de 2015

CINEMA

Wilson Grey "Um Filme 100% Brazileiro"

MODERNISMO E CINEMA
 Elizabeth Real


Um filme 100% brasileiro Segundo o diretor José Sette de Barros, em uma entrevista dada à época de lançamento do filme, Um filme 100% brasileiro pode ser considerado como uma síntese de todo o trabalho que havia realizado até aquele momento, quando já completava vinte anos de cinema: “nele está o melhor que eu fiz. Para mim, foi quando tive mais certeza das coisas que eu queria” (BARROS, 1988). De volta de uma temporada na Europa, onde conviveu intensamente com cineastas ligados ao cinema experimental brasileiro (ou Cinema Marginal, como ficou conhecido), entre os quais Júlio Bressane, Neville d’Almeida, Rogério Sganzerla, Eliseu Visconti e Silvio Lanna, o diretor inicia sua carreira em 1973, com o curta-metragem Inside. Em 1976, José Sette realizou seu primeiro longa-metragem, chamado Bandalheira infernal. Para fazer o roteiro de Um filme 100% brasileiro, o diretor baseou-se em uma seleção de textos e poemas escritos por Blaise sobre sua experiência no Brasil. O filme inicia com a vinda do poeta de navio e seu desembarque em pleno carnaval carioca. Segundo o diretor, ele pretendeu transpor para a tela o texto de Cendrars sem modificá- lo a fim de manter intacta sua visão poética sobre as coisas brasileiras. Na estrutura do filme, o diretor se concentra em três textos escritos por Cendrars na segunda parte do livro: sobre o lobisomem de Minas, sobre o “coronel Bento” e sobre Febrônio Índio do Brasil. O filme afasta-se do realismo: Blaise é vivido por mais de um ator e seu defeito físico é propositadamente ignorado (o poeta não possuía o braço direito, mutilado durante a Guerra). Utiliza-se do teatro de bonecos e enfatiza a artificialidade dos cenários pintados por três artistas plásticos que já haviam trabalhado com o diretor em um filme anterior: Fernando Tavares, Oswaldo Medeiros e Paulo Giordano, ligados à Oficina Goeldi, em Belo Horizonte. O diretor procurou trazer para o filme, visualmente, o forte vínculo de Cendrars com as artes plásticas: Em Um Filme 100% Brasileiro, onde eu precisava de novo de uma cenografia forte, não tinha porque não chamar esses mesmos artistas plásticos. Eles trabalharam em cima de todos os artistas que conviveram com Blaise Cendrars. Se você tiver uma visão geral, você vai ver que tem Di Cavalcanti, Anita Malfati, Tarsila do Amaral, lsmael Néri... Todos estão ali, essa miscigenação da arte brasileira nos cenários do filme - este foi o meu interesse fundamental ao colocar aquilo. E também uma homenagem ao cinema expressionista alemão. Em todo o cenário eu tive uma preocupação de criar aquela perspectiva do expressionismo. Então, a arte colocada nos cenários é uma visão expressionista das artes plásticas brasileiras da época em que Cendrars passou aqui (SETTE, 1988). Além do interesse de José Sette pelo Expressionismo alemão, podemos destacar que essa “visão expressionista” realçava uma atmosfera que perpassava o ambiente artístico da época. Anita Malfati, que estudara pintura na Alemanha e nos Estados Unidos, apresentava características expressionistas que causaram espanto durante a Exposição de Pintura Moderna, realizada em 1917. Também Osvaldo Goeldi, que ilustrou muitas obras modernistas, era influenciado pelo Expressionismo. O diretor utiliza-se, ainda, de outras referências que extrapolam o universo modernista. A fala do personagem do diabo, vivido por Wilson Grey, foi retirada de um conto de Machado de Assis, considerado por Sette como um precursor do Modernismo. Vemos, assim, que, da mesma forma que Joaquim Pedro, em O homem do pau brasil, José Sette, em Um filme 100% brasileiro, parte de diversas referências culturais e utiliza, de forma plena, as possibilidades que o cinema oferece como instrumento criativo: sintetiza ideias, manipula imagem e som, apoderando-se de recursos próprios de outras artes, seja o texto poético literário, seja a tradição iconográfica que marcou a visualidade brasileira na primeira metade do século XX. Ao escolher partir do olhar de um estrangeiro, vindo de Paris – centro cultural internacional tão almejado por nossos artistas –, José Sette de certa maneira inverte e ao mesmo tempo reforça a antropofagia que nos caracteriza, que nasce com o Modernismo e revive nos tempos da Tropicália. Conclusão Podemos entender que a retomada do Modernismo, a partir do final dos anos 1960, não foi realizada de forma absoluta, quer dizer, os artistas que buscaram inspiração nesse período da história cultural brasileira pinçaram autores, obras e idéias específicas. Oswald de Andrade surge como a referência principal, não apenas por suas obras, mas também por seu comportamento irreverente que o fez conhecido como o “rebelde” do grupo modernista. O conceito de antropofagia, reavivado pelos tropicalistas, predominou como ponto de interesse do cinema que buscou dialogar com o movimento modernista iniciado na década de 1920. Nos anos 1980, este diálogo dos cineastas passou a se dar a partir de uma dupla referência: não apenas com o movimento do início do século XX, mas com o período tropicalista, que se configurou como outro marco para a cultura brasileira. E isso acontece porque esses filmes discutem também a forma de fazer cinema, tendo como uma preocupação central a criação de novas formas de expressão cinematográfica, descompromissadas com a representação padronizada característica de um tipo de narrativa mais convencional. Como vimos, se no Modernismo não se configurou uma movimentação inovadora em torno do cinema, no Tropicalismo a situação era bem diferente:                                                  Com o tropicalismo, abriu-se um ciclo de experimentação na seara do cinema que se desdobrou em propostas de ruptura em setores distintos: na área do longa-metragem (em filmes ligados ao que se rotulou de “cinema marginal”: Luiz Rosemberg, Andrea Tonacci, Neville d’Almeida, Eliseu Visconti, entre outros); na área do curta-metragem, nas novas linguagens e questionamentos radicais do documentário convencional (XAVIER, 2006, p.8). Joaquim Pedro de Andrade era um cineasta egresso do Cinema Novo. José Sette de Barros tinha proximidade com o Cinema Marginal. Nos anos 1980, as fronteiras entre esses movimentos se esfumaçam. O que fica são os filmes, fontes vivas de referência para o cinema contemporâneo.

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