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quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

AMÉRICA DO SUL


Impactos na Pátria Grande
Por Orlando Senna

A derrota do kirchnerismo na Argentina muda o cenário político da América do Sul e estimula dúvidas sobre como será o futuro do Mercosul. O bloco conformado em março de 1991 ganhou contornos nitidamente esquerdistas a partir de 2000 com a ascensão das lideranças de Lula no Brasil, Chávez na Venezuela, Néstor Kirchner na Argentina, José Mujica no Uruguai, Fernando Lugo no Paraguai, Rafael Correa no Equador, Michelle Bachelet no Chile, Evo Morales na Bolívia. Foram implementadas saudáveis políticas de inclusão social em todos esses países e a economia brasileira, eixo mais importante da região, alcançou um crescimento surpreendente. Até os analistas mais conservadores perceberam a força política, base dos projetos de inclusão social, do que denominaram “uma aliança entre governos progressistas e bolivaristas”, com o Brasil puxando os primeiros e a Venezuela os segundos. A partir de 2011 esse cenário começou a se deteriorar, as economias nacionais começaram a se desequilibrar, o mercado comum previsto pelo Mercosul não avançou, a inflação voltou a ser um problema e a corrupção grassou em vários países.
Seguiram-se outros acontecimentos como em uma onda de choque: em 2012 a deposição de Lugo; no mesmo ano um plano de desestabilização, que prossegue até o momento, do governo de Evo Morales com uma campanha da direita para dividir a Bolívia em duas; em 2013 a morte de Chávez, criador e comandante da proposta bolivarista (emancipar os países latino-americanos dos interesses econômicos, políticos e culturais da Europa e dos EUA), dita “socialismo do século XXI”; em 2014 a estressante campanha para a reeleição de Dilma Rousseff, que venceu por uma diferença de apenas 3,3%, ficando clara a grande cisão na população brasileira. E, claro, as manifestações de insatisfação popular na maior parte dos países da região, combustível da instabilidade psicossocial, emocional, que se manifesta agora, nas últimas luzes (ou sombras) de 2015.
Oposições
No Equador bolivarista, a Revolução Cidadã de Correa, que promoveu amplas reformas sociais e políticas, está causando enorme polêmica com uma emenda constitucional em tramitação que autoriza a reeleição ilimitada para a presidência da república. Correa anunciou que não será candidato a um terceiro mandato e confia que sua frente, a Alianza PAIS, vencerá as eleições de 2017. Ou seja, que fará seu sucessor. Mas está sempre advertindo que “a democracia corre perigo” e que há indícios de um golpe de estado em andamento. No Peru progressista, o presidente Ollanta Humala busca uma estabilidade a cada dia mais difícil, com forte oposição no Congresso. Em março, em uma demonstração de força, o Congresso destituiu a primeira-ministra Ana Jara, acusando-a de envolvimento em escândalo de espionagem, rastreamento de milhares de pessoas, incluindo opositores do governo. Em cem anos, é a terceira vez que o parlamento peruano destitui primeiros-ministros.
No Chile, a popularidade do governo de Michelle Bachelet caiu vertiginosamente. A reação antigoverno foi impulsionada por denúncias de corrupção de grandes empresários (desvio de dinheiro para campanhas, propinas) e de políticos de diferentes partidos, incluindo da base do governo, a frente de centro-esquerda Nueva Mayoría. Bachelet enfrentou a crise com uma reforma do governo (trocou seus 26 ministros de uma só vez, por exemplo) mas a turbulência não foi debelada, principalmente porque as denúncias apontaram para seu filho, Sebastián Dávalos, acusado de tráfico de influência para conseguir dez milhões de dólares para compra de terras. A Colombia, governada pelo neoliberal Juan Manuel Santos, afogada no narcotráfico e com bases dos EUA em seu território, atua agressivamente contra o governo da Bolívia, apoiando o movimento separatista que atormenta o presidente Evo. No Paraguai, o presidente Horacio Cartes, milionário envolvido em processos de corrupção, preso nos anos 1980 por evasão de divisas, continua a celebrar a deposição de Lugo e anunciar avanços macroeconômicos (crescimento do PIB, inflação baixa), embora a pobreza tenha crescido durante seus três anos de governo, alcançando 35% da população.
Gigante atordoado
Para não parecer pessimista e dizer que não falei de flores, o Uruguai está indo bem, com o exemplo luminoso de José Mujica orientando o governo de Tabaré Vázquez, eleito no ano passado com a maior votação da história do país nos últimos 70 anos e levando adiante o projeto da esquerdista Frente Ampla. É como uma ilha de equilíbrio político e consciência cívica em um subcontinente tenso e conflagrado. Adjetivos que nos remetem às grandes economias da região: Brasil, Argentina e Venezuela.
O Brasil vive sua maior crise política dos últimos 50 anos, agravada por um desgaste agudo de sua economia, pela interrupção e inversão do crescimento contínuo que vimos nos últimos anos. Neste momento o gigante sul-americano está caindo da posição de sétima maior economia global para a nona. O aspecto mais assustador é o impacto da corrupção colossal protagonizada por políticos, altos funcionários públicos e pela casta antes intocável dos grandes empresários. Já estão na cadeia políticos e parlamentares de todos os partidos e, na avalanche, ex-ministros do presidente Lula e congressistas do Partido dos Trabalhadores. Em consequência, a base política popular de Lula e do PT diminuiu consideravelmente e os festejados programas de inclusão social estão ameaçados.
Novo cenário
Na Argentina, Cristina Kirchner entrega o poder a Mauricio Macri, que se define como de centro-direita. No próximo 6 de dezembro haverá eleições parlamentares cruciais na Venezuela, mergulhada em uma crise econômica que atinge em cheio a população pela escassez de alimentos e produtos básicos e inflação galopante (fala-se em 200% em 2015), aumentando o poder da oposição. O suspense relacionado com essas eleições é a possibilidade do governo perder a maioria na nova Assembleia Nacional, como apontam as pesquisas eleitorais. Se isso acontecer e os princípios democráticos forem mantidos, o poder passará às mãos da MUD, a Mesa de la Unidad Democrática, que se apresenta como liberal.
As primeiras declarações de Macri, como presidente eleito argentino, foram sobre o fortalecimento das relações comerciais Brasil/Argentina e a expulsão da Venezuela do Mercosul, acusando Maduro de desrespeito aos direitos humanos. Dilma não concorda com a expulsão da Venezuela, mas pediu ”transparência” a Maduro. Ou seja, muitos choques estremecendo o sonho gerado em 2000 de uma América do Sul solidária e libertária, humanista e inclusiva. De quem a culpa? Das potências do Norte e do Leste? Da nossa incompetência? De ambos? Muitas interrogações pairando no ar. Marx: ”tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado”. 


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