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sábado, 10 de maio de 2014

GUERREIROS


A espiral de McLuhan    
Estou vivendo uma experiência especialmente estimulante: assessorando a cineasta Alice de Andrade na criação do webdoc 80 Destinos, história não linear e interativa de 40 casais cubanos filmados 20 anos atrás, quando começavam suas vidas a dois. A intenção de Alice é estimular essas pessoas, seus filhos, parentes, amigos a participarem na construção de um relato fragmentado, múltiplo, com distintos pontos de vista, sobre o que aconteceu e está acontecendo com aqueles jovens amantes. Um relato coletivo e colaborativo que admite a participação de pessoas não relacionadas com os personagens, de qualquer pessoa que queira participar, opinar. Experiência estimulante porque expõe um velho contador de histórias como eu, que estudou screenwriting e técnicas de roteiro na senda aberta por Aristóteles, ao universo desregrado do ciberespaço. 
O webdoc, que só pode ser realizado na internet, é um sistema modular que vai se formando a partir de uma Interface Inicial que determina o tema (no caso de 80 Destinos, o material gravado por Alice há duas décadas), à qual se vão agregando informações, sugestões, opiniões, concordâncias, discordâncias, etc. Uma operação que pode ser restrita a um grupo de pessoas ou aberta na infinitude da internet. Que pode conter apenas fotos e narração off (como a maioria que encontramos hoje na web) ou uma gama de informações expressada em vídeos, animação, textos, músicas e pequenos games ou demos jogáveis. Enfim, um documentário expandido, como se mil câmeras, mil visões personalizadas e diferenciadas, focassem o mesmo objeto.
A interação plena é a grande meta das novas tecnologias da comunicação, sua Pedra Filosofal. O marco inicial da era da comunicação, no sentido prático, foram os jogos eletrônicos. A primeira manifestação de um cinema interativo foi o Tennis for Two, simulação de jogo de tênis para computadores, criado em 1958 nos EUA. Era só um ponto branco cruzando a tela de um lado para o outro, controlado através de joysticks primitivos. Hoje temos o sensor Kinect, que dispensa aparelhos, é comandado pelos movimentos do corpo do jogador, e está em desenvolvimento o controle mental (sensores leem os impulsos do cérebro e os transmitem ao computador). 
À medida em que os games avançavam tecnologicamente, também avançou a crítica sobre a “desumanização” dos jogos, que a virtualidade é um fator excludente da sociabilidade, é cada um por si, cada pessoa é uma ilha em um arquipélago de egos. Pois, o acontecimento cibernético mais importante neste momento são as experiências voltadas para a integração da virtualidade com o real, como a Realidade Alternativa (Alternate Reality Games), que permite a coexistência de “universos paralelos” com a vida de verdade, como acontece com a complementaridade da vida material e do imaginário. Também a mencionar os Pervasive Games, nos quais o jogador está envolvido durante o tempo todo, onde estiver, em um jogo específico que tenha a ver com suas atividades. A menção a esse progresso na conexão inteligência natural/inteligência artificial, ou emoção/bytes, nos remete tanto à interatividade “realista” do webdoc como à possibilidade da imersão absoluta e sensorial da Realidade Virtual, ainda em estágio primário com suas luvas e capacetes digitais.
E também ao entendimento dos significados e significantes da interação homem/máquina e suas consequências no comportamento humano, na relação do ser humano com o real e o simulacro, com a verdade e a mentira, com si mesmo e com os outros, com o amor, na nossa relação com a vida e a morte, unidade binária da filosofia. A tecnologia está causando impactos de grande profundidade na ciência, educação, economia em um ritmo alucinante para os parâmetros de velocidade da História e o pensamento crítico é sempre mais lento do que a evolução do seu objeto de estudo. Mas tratando-se do aspecto comunicacional dessa revolução, a sua interface mais importante devido à penetração psicológica de suas linguagens e ao fato de estar na base dos outros avanços, tivemos a sorte de contar com Marshall McLuhan, um filósofo-profeta. Nos anos 1960 ele projetou cenários futuros da Revolução na comunicação, título de um de seus livros. Outros títulos seus explicitam a perspicácia de sua análise: O meio é a mensagemGuerra e paz na Aldeia Global. "Quanto mais sabem a seu respeito, menos você existe", disse.
Meio século depois uma nova qualidade de entendimento se faz necessária diante dos rumos que as tecnologias estão tomando. O canadense Derrick de Kerckhove está desenvolvendo ideias contaminantes, como a Psicotecnologia (“cada vez que muda o suporte para a linguagem, muda a sensibilidade do usuário e da cultura”). Ele afirma que a predominância do hemisfério esquerdo do cérebro sobre a atuação humana, que resultou no processamento autônomo da informação por cada um de nós, sofreu um abalo terminal com a eclosão das mídias eletrônicas: “sua personalidade digital é cada vez menos uma propriedade sua e mais uma propriedade do conjunto”. Essas reflexões estão inspirando a Tecnofilosofia. Também a mencionar novos conceitos analíticos como a Narratologia (potencial expressivo da interatividade) e Ludologia (potencial lúdico e simbólico da interatividade), que se propõem como disciplinas universitárias, como ferramentas indispensáveis para que os estudantes de comunicação se situem adequadamente em seu (nosso) tempo.
Por Orlando Senna

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