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domingo, 12 de agosto de 2012


O DOMÍNIO FINAL DO ATO
                                                                         
 Fábio Carvalho
O cinema começou assim: não se fazia roteiro,
não se escrevia... partia-se e filmava-se.
Leva-se muito mais tempo para saber manejar
uma câmera do que uma espingarda.
Jean Luc Godard


O retumbante é o que interessa. Viagem de palavras. A hora do lobo. Nosso romance não durou dois anos, restam boas e fugidias lembranças. Acho até que não passou de seis meses.
Um desejo de amor coletivo muito intenso formado num longo tempo curto. Ele fez nascer uma escrita de gestação aparentemente demorada, todavia o tempo foi justo. Se a antevisão existia, só agora depois, compreendendo o passado se difundiu e ampliou-se as bordas da visão. O conhecimento. Alegro andante. Quase todos os rostos são ainda claramente visíveis. Misteriosamente outros não. Abricó de macaco. É o curioso nome dado para a flor que nasce numa árvore muito comum no Rio, especialmente no velho bairro de Botafogo. São umas bolotas cor de rosa de onde explode uma flor fininha vermelha, deixando quatro pétalas abertas como páginas dobradas com as partes de dentro mais vermelhas ainda. Melhor dizendo, vermelhonas. O cheiro é horrível. Já a tinha visto algumas vezes, nunca me chamara tanto a atenção quanto no cruzamento Visconde de Caravelas com Capitão Salomão. O paraíso já ali instalado com bares em cada uma das quatro esquinas, irretocável na seleta diversificação. De dentro de um você pode observar os outros três. Avant la lettre, dizia o Guará. Era um fim de tarde. As bolotas tomavam a rua, tornando a ambiência nada realista. Abricó de macaco. Cuspi vários caroços de mexerica pela janela enquanto escrevia esta frase. Vou transformar o meu jardim em um jardim vergel. Enfim um pomar. Naturalmente desde criança sou fascinado pelos botequins. Quanto menor e mais discreto na fachada, mais me atrai. A que eu sei, não herdei esta peculiaridade de ninguém da família sanguínea, a não ser de uns tios tortos.  De volta a Belo Horizonte de novo nos ouvidos Moacir Santos. Uma benção. Esta é para o Toninho. Manhã grená as folhas caem no Jardim de Alá. Parei no sinal vermelho hoje na hora do almoço, dois pré-adolescentes se beijavam em frêmito com os rostos colados no vidro da janela do carro escolar parado ao lado. Não sei se estavam indo ou vindo da escola. De volta às esquinas de Botafogo, Aurora é o belo nome de um destes bares. Já meio decadente, lá estão os mesmos garçons que sempre lá estiveram. As mesmas cadeiras de madeira também. Se me perguntarem onde quero ir, respondo que vou lá. Na contra esquina tem um minúsculo copo sujo ou pé sujo, aonde você encontra todos os tipos de veneno, seja para fumar, beber, cheirar ou comer. Os boêmios terminais estão sempre por ali. Ao lado tem o Informal que freqüento mais porque meus amigos o preferem. Boemia saudável. Na última das esquinas, está o único que ainda não experimentei.Tive o privilégio de filmar dois cineastas-atores, Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, e o Cláudio Costa Val, fazendo o que vivi em um botequim. Esta seqüência eu nominei através de uma cartela “A METAFÍSICA DO BAR”. Filmamos em uma cachaçaria na cidade de Tiradentes. Este título eu roubei de um texto encantador escrito pelo Presidente Francisco de Almeida Salles, que o cineasta David Neves publicou como prefácio em seu livro “Cartas do meu bar”. Transcrevo aqui um pequeno trecho: “entramos no bar e a História se detém, não somos mais seres biográficos, com problemas e preocupações. O mundo Histórico morre às portas do bar.
Daí o seu fascínio, já que o tempo devora a vida, como disse Baudelaire. Le temps mange la vie.

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