ABAIXO TEXTOS - CRÍTICAS - ENSAIOS - CONTOS - ROTEIROS CURTOS - REFLEXÕES - FOTOS - DESENHOS - PINTURAS - NOTÍCIAS

Translate

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

VIROSE

Fiquei neste início de agosto no estaleiro por 10 dias com uma virose que foi a mais estranha que o meu corpo já hospedou nesses seus 63 anos de existência. Fiquei muito abalado, intranqüilo, mazelado com essa doença. Assim vou tentar descrevê-la, com seus sintomas venenosos e o seu alexetério depurador, para que os meus leitores possam me desculpar à falta de assunto deste blogueiro nesses últimos dias passados.
Tudo começou com várias descargas de correntes elétricas que percorriam partes diferentes do meu corpo em fração de segundos, como se surgisse, de súbito, aleatoriamente, em um venífluo de gélidas águas, o aviso sinistro emitido do meu sistema imunitário.
Estava em Cabo Frio e não dei muita atenção ao fato, pois me pareceu uma disfunção psicológica por saber que minha mãe de 93 anos tinha adoecido e consequentemente sido internada em uma UTI de uma casa de saúde na cidade do Rio de Janeiro.
Os acontecimentos que seguem a via-crúcis médica vivida nos dias de hoje é qualquer coisa de macabro e acompanhou o desenrolar desse languento sentir carregado de inacreditáveis histórias.
Entre um calafrio e outro saio de casa e vou para o Rio com o coração apertado. Os dois primeiros dias foram repletos de fatos que me deixaram lânguido. No final do primeiro dia um enorme herpes apareceu no meu lábio inferior enquanto procurava saber o que estava acontecendo com a velha e forte senhora. O melhor plano de saúde e o melhor médico não eram suficiente para aplacar minhas dúvidas. No começo sabíamos que era uma infecção e algumas pedras na vesícula que precisavam ser retiradas. A velha senhora foi então levada às pressas da casa de saúde para outro hospital em uma ambulância com a sirene ligada em alta velocidade pelas ruas congestionadas e esburacadas de Botafogo em busca de uma poderosa máquina que pudesse enxergar em detalhas as misteriosas pedras... E lá foi ela, lúcida, febril, agitada e nervosa, deitada em uma maca, acompanhada do neto querido. O demorado e desgastante exame, onde a pessoa não pode respirar para não mexer o corpo e assim desfocar a fotografia, mostrou ao seu médico que na sua vesícula não havia nenhuma pedra. Assim a infecção passou da vesícula para o pâncreas. Ficou mais grave. Mas havia no ar a alegria de que a velha senhora não precisaria passar pelo “procedimento” da operação chupa-pedra. Que alívio! Mas de volta do hospital até a casa de saúde, na mesma ambulância de sirene a todo vapor, ela retornou para a UTI mais abatida e mais cansada. Oxigênio na máscara e muito antibiótico na veia dessecada do pescoço. Da máscara de oxigênio ao “entubamento” respiratório foi um passo. Que visão dantesca: um cano na boca, outro no nariz e uma agulha no pescoço. As máquinas apitavam o batimento cardíaco no silêncio do hospital. Esta noite comecei a espirrar e a tossir. Mal conseguia dormir. No dia seguinte não pude ir mais a casa de saúde ver a minha velha senhora. Estava também doente. Voltei para Cabo Frio. A ininterrupta tosse maltratava bastante o meu já combalido pulmão de tabagista. Parei de fumar e comecei a tomar um xarope de própolis e mel que não fazia efeito. Comecei a suar e a molhar toda a roupa do corpo. Uma dor aguda percorria o meu sangue. Uma hora doía o pé, em outra hora era a garganta do lado direito, depois o lado esquerdo, dor na cabeça, nos dentes, independente da minha vontade ela seguia o seu caminho... Nada conseguia fazer entre um telefonema e outro para saber notícias do Rio de Janeiro. Minha pobre mãe estava piorando, tiveram que furar o seu pescoço para passar o tubo respiratório, pois sua garganta estava em frangalhos. As minhas amídalas explodiam de dor. Amídalas essas que haviam sido extirpadas na minha infância quando padecia de febres altíssimas provocadas por suas infecções.
Quinze dias se passaram. Estou ainda em Cabo Frio. Os ventos mudaram e eu estou melhor. A velha senhora melhorou milagrosamente no Rio de tal maneira que amanhã mesmo sai da UTI para um quarto com acompanhante. Salve a medicina ocidental para quem pode pagar. Enquanto minha mãe estava sendo internada e eu fumava o meu segundo maço de cigarros na frente da casa de saúde, pude ver e ouvir o desespero de uma família agitada a ponto de um ataque de nervos com seus telefones celulares buscando desolado um hospital onde houvesse uma UTI para internar a sua velha senhora... Nesta hora eu vi a importância de se ter um medalhão e dei graças ao meu pai que deixou para a sua velha companheira uma aposentadoria substanciosa que lhe permitia pagar a mais cara consulta e o melhor plano de saúde do Rio.
Eu, como um eterno artista independente, não possuo uma aposentadoria e nem um plano de saúde que possa me trazer algum conforto se por desventura chegar a uma idade avançada sem nenhuma proteção do estado ou de minha pobre família.
Assim, me desculpando, espero já ter regularizada essa publicação em mais alguns dias de suaves ventos trazendo boas e novas notícias.

Um comentário:

Isabel disse...

Meu querido amigo, tirando a parte trágica, me diverti com seus sintomas. Aninha me deu notícias de sua mãe há cerca de uma semana. E você, melhorou dos choques? Os sensíveis são assim mesmo, - e o tempo seco colabora para nos fazer de fio terra - choque a todo momento. Ontem tentei ir ao evento da Memória Gráfica e não consegui estacionar, hás de crer? Centro Cultural na Praça da Estação revitalizada pra ninguém ir. Você escreve muito bem. Fábio tem escrito muito também. Quem sabe fazemos uma publicacão de escritos de cineastas publicado pela Memória Gráfica? Projetos... Grande beijo da sua admiradora.