
Caboclo Sete Lira
Uma história real
Outro dia estava entrando na galeria do café, vindo na contraluz da história, quando percebi, caminhando em minha direção, a figura simpática, alegre e carioca, de um ícone da cidade, tratado ainda hoje, aos 63 anos de idade, carinhosamente, pelos amigos, pelo diminutivo do seu nome.
Conheci-o, este sujeito simpático e inteligente, cheio de idéias criativas e apreciador das boas coisas da vida, sendo-me apresentado por um amigo comum. Pouco tempo depois, em uma reunião na casa do mesmo amigo, conheci o outro personagem desta minha história: era, a primeira vista, um jornalista simpático, bem informado, jocoso, irônico, inteligente e bem humorado, de quem me tornei amigo.
Nosso primeiro personagem estava com a sua fisionomia cansada quando o encontrei em frente daquela insuportável televisão. Sentamos a mesa e ele, depois de algumas conversas, me mostrou seu olho direito avermelhado, bastante irritado. Disse-me então que aquilo, uma forte infecção nas vias respiratórias, muito lhe incomodava. Já havia sido operado, pingava remédio todos os dias, etc. e tal, mas nada adiantava.
Sendo eu filho de um médico e por não cuidar bem dos meus dentes, sou um fumante inveterado, tive que descobrir remédios alternativos que me ajudassem a manter em dia a minha higiene bucal. De todos os líquidos, químicos e naturais, que eu experimentei - um só, somente um, de fórmula antiga, famoso lá no interior das Minas, feito a base de álcool e ervas fina, foi que resolveu os meus problemas. Faço uso dele quase todos os dias. Há mais de vinte anos. Nunca mais tive infecção e nem dores de dente. O que de melhor eu podia indicar ao meu amigo, para o seu sofrimento, do que esse santo remédio?
Levantamos das cadeiras e fomos à farmácia comprar o milagroso produto. Expliquei a maneira que eu usava o elixir: primeiro passe o fio dental, com força, nos dentes e lave. Segundo, escovar os dentes normalmente e só depois de bem lavado é que chega a hora de jogar puro, entre os dentes, o líquido vermelho e denso na boca... Encontramos em seguida com o jornalista que bebia um mate com limão e deixei os dois velhos amigos conversando.
Passa todo um dia. Estou em casa escrevendo. O celular toca. Já é noite. Atendo. Do outro lado da linha ouço o famoso chamado do jornalista, quando me telefona: - Alô! 1,2,3,4,5,6,7, meu caro caboclo, disse ele, você quase matou o nosso amigo comum... Eu respondo: - O que aconteceu? ... - Sette, eu vou lhe passar o consulente e ele vai lhe dizer... - Alô Sette! Sou eu, meu querido... – O que aconteceu? Perguntei assustado. – Olha! Joguei metade do vidro daquele líquido vermelho na minha boca e segurei com valentia a queimação infernal que eu passei imediatamente a sentir. Queimava-me a boca, os olhos, o nariz e a garganta, como que se eu estivesse ali tentando engolir uma brasa acesa. Lembrava-me da sua orientação de não cuspir, de maneira nenhuma, o elixir, não antes da queimação passar. Cerrava os dentes e queria gritar de dor. Resistia, e, para aliviar o sofrimento, pulava de um lado para o outro e, em seguida, abaixava e subia a cabeça, num frenesi de assustar os menos avisados. Enquanto eu me contorcia, o amigo palhaço que me acompanhava, que estava a minha frente, observando-me com os seus olhinhos miúdos, arregalou os olhos, esticou os lábios e passou a fazer passos e passos de macumba, como se recebesse um santo, dizendo com voz de preto velho: - Óxente! Caboclo Seu Sete da Lira baixou, sarava! Ele esta cuspindo fogo! Ó caboclo malvado, deixa esse Omi em paz!... Não resisti ao personagem representado pelo nobre amigo e cuspi longe todo o líquido que estava na minha boca. Que alívio me deu, não sei se consigo fazer toda essa experiência novamente... Disse-me ele rindo.
Corte cinematográfico. A bateria do telefone celular acaba. Silêncio. Voltei, chateado com essa minha mania de dar conselhos médicos, a trabalhar no texto do meu novo filme... “Herói Marginal”. Foi quando imaginei a cena dos dois zombeteiros, fazendo pilhéria, dançando no terreiro... Parei de escrever e não consegui mais parar de rir de mim mesmo.
Elixir do Pagé

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