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sexta-feira, 19 de junho de 2015

UM NOVO FILME


O ESPÍRITO DAS ALTURAS

Fabio Carvalho

Mais ou menos quatro anos atrás, recebi um telefonema do amigo Antônio Leão, pesquisador de cinema em São Paulo, colocando à minha disposição um material em 16mm, que encontrara numa feira de antiguidades.  Ele me contou que se tratava de um registro raro do ex-presidente Juscelino Kubitschek durante seu exílio em Portugal, em uma lata sem identificações e que sua preocupação era que esse material estava avinagrando e poderia se perder. A princípio relutei em aceitar, primeiro porque não estava nem um pouco interessado naquele momento em trabalhar com imagens que não tivesse produzido; segundo, não tenho muitos contatos na área de conservação e preservação, por fim não queria pegar para mim mais uma questão para resolver. Estava com uma série de projetos engastalhados, não tinha disposição nenhuma em arrumar mais um problema para minha acidentada trajetória cinematográfica. Aos poucos fui convencido pelo Paulo Augusto Gomes e pela Isabel Lacerda a comprar a idéia e ver no que ia dar. Recebi pouco mais de duas horas de filme p&b revelado. A partir de então como mágica as coisas começaram a mudar. Há muito pensava em tirar minha produtora de cima da mesa da sala do apartamento em que moro, coisa que causava enormes transtornos e inadequações. Foi quando surgiu a oportunidade, através de um arquiteto, de alugar um apartamento chamado duplex nas alturas do edifício JK, bem no coração da cidade. O espaço era extraordinário, todo reformado, novinho em folha, perfeito para o estúdio que eu desejava ter, coisas de arquiteto. Aí veio o problema: muito caro para minhas parcas condições. No ato fiquei sabendo através da corretora, que tinha outro igual a esse, só que sem benfeitorias, bem mais barato. Perto do primeiro, era muito mais simples, mesmo assim me encantou de chofre. Não demonstrei entusiasmo e ofereci quase a metade do que a proprietária pedia, ela aceitou. Passados mais de três meses que agora o filme estragava na minha casa, já não disfarçava minhas preocupações. Numa roda de velhos conhecidos na mesa do botequim, comentei meu problema, nesse momento um deles, diretor financeiro de uma grande empresa, me perguntou do que eu precisava para tocar o projeto. Respondi que precisava urgentemente digitalizar tudo, antes que se perdesse para sempre. Falou então para eu ver quanto custava que ele iria bancar. Não duvidei. Três dias depois, no seu escritório, sem pechinchar ele pagou de uma tacada só. Perguntei como poderia colocar um agradecimento ou apoio com o nome dele e o da empresa no filme. Ele me recomendou veementemente a não colocar nenhuma menção nem a ele nem à empresa, senão todo mundo pediria patrocínio para ele, e que só tinha feito isto porque gostava de mim, ainda mais especialmente por causa do JK. Três dias antes do prazo combinado para entrega, o técnico encarregado da telecinagem ligou se dizendo entusiasmado com a excelência do trabalho me chamando para ir lá ver. Realmente, para surpresa geral, a qualidade técnica estava intacta em imagens de um preto&branco de altíssimo nível, notadamente feitas por um extraordinário fotógrafo, além de exímio câmera com movimentações e angulações surpreendentes e grande proximidade e cumplicidade com a personagem JK. Esta visão lavou meus olhos e minha alma. Assim fecundamos um filme.


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