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domingo, 17 de maio de 2015

UM CONTO DE REIS


BOM DIA SESTROSA
Fábio Carvalho (cineasta)

 Mimosa rosti e Bonita com feijão no mar aberto. Através da janela observei no fundo seu hálito de Tilápia, amor oblativo, ajudou a desanuviar minha vista cansada obnubilada pela realidade tosca. O computador engoliu o texto. Sem te ver, te sonho sentindo. Observei também o diálogo mais que improvável de meus amigos, ao redor do balcão a caminho do mictório do bar temático do velho sírio, eram eles: o dinossauro do rock inglês, o polonês filho de judia e o negão grego da ilha de Mikonos. Não posso repetir este colóquio, por falta de condições instrumentais, bem posso dizer, sua audição equacionou o problema matemático do roteiro que ainda teimo em escrever.  Frequência cardíaca alterada. O estrabismo da bela violoncelista lendo a partitura na estante do meu ponto de visão em contre-plongée deixou-me siderado. A acústica da nova sala de concertos era perfeita. A salada do almoço é igual à fruta do café da manhã, se não for comida primeiro, ela sobra.  Agora vou mudar minha conduta, vou pra luta, porque eu quero me aprumar. A vida não é algo que se têm, não se têm a vida pela frente, nem para trás, a vida passa. Não temos a vida é ela quem passa por nós. Simone de Beauvoir. A vida rola como avelã, Flor olha pra mim, dadivosa, há anos luz não roía as unhas, mais uma vez se fez necessário este ato de uma violência pouco usual, era ela novamente me perturbando. Imovision. Quando pela primeira vez mirei seus olhos em close-up, atravessei um campo magnético com som de virtuoso violoncelo, depois do portal da lua tonta, uma voz encantava a todos, sinuosa almoçando-me na hora do jantar. O tempo precisou passar. Não sou eu quem me navega quem me navega é o mar. Apoplexia, disse o Peter Lorre: não jogue as coisas no chão, please! Nem me mate atrás da porta. Eva hesitante, Adão flutuante, achei um talismã pra dormir com a colaboração do paralelepípedo de recepção indescritível. Um grande enigma. E se os ontens fossem devorar nossos belos amanhãs? Algo mais que o total. Revi na noite passada, na telinha Fany e Alexander, depois de um hiato de mais de trinta anos entre a primeira visão no extinto Cine Pathé. Novamente não gostei, sei que gostar ou não gostar não interessa, digo que morri mais uma vez durante essa revisão. Hoje renasci mais cedo: as cinco e trinta da manhã, como tenho que afixar quadros na parede, resolvi utilizar-me da furadeira Black&Deker e de uns parafusos de aço, que comprei há tempos na loja do ator chamada “A Porca e o Parafuso”, exatamente para este fim. Troquei de canal sobre a verdade e a mentira. O inexplicável entorpece o homem pelo caminho tortuoso do conhecimento inatingível. A lamparina acesa na mesinha de cabeceira caiu sobre a cama. Podemos nos divertir sem remorsos, tudo é possível e provável, o tempo e o espaço não existem. Só no cinema. Finjo que estou muito preocupado, mas na verdade não estou nem um pouco preocupado, somente bastante concentrado para entrar em campo daqui a pouco e entortar aquele becão que tenta me acertar a todo custo, de boa. Na pequena claridade incidente do lado escuro da lua, a cena era ela parada no meio do trafego com todo tipo de automotivos esperando a bela nefelibata levantar um voo mais alto e dar a passagem para suas rodas de borracha interruptoras. Acordei de um sobressalto, quando transformadores explodiam em meio ao temporal de raios e trovões, num impulso liguei para ela, que não atendeu, não insisti, não sabia ao certo nem pra quê ligava, nem o que dizer. Há um tempão ronda por aqui um trovão, por aqui um trovão ronda há um tempão, ronda por aqui há um tempão um trovão. Podemos ser eletrocutados. O que move o azul do céu é a vagabundagem. Io sono nati cosi. Cinema é o caráter da pessoa, a persona. Fora isso é preciso o exercício da vontade. Não lembro mais onde li, imagino ter sido no livro que a Roberta organizou com textos do Rogério. Sonhei tua boca sem batom tomando sorvete com chantily na tarde quente de outono, enquanto atravessávamos a ponte em direção ao quadro sinóptico. Não sabíamos se aquele desenho nos bastava para aquele momento e para os outros que viriam na sequência, as noites ainda seriam mais precisas em indefinições das necessidades por descobrir e conquistar. O encontro só não basta, é necessária a premeditação. Mesmo sem dormir, tenho sonhado muito. São Paulo! O que digo é fruto do pensamento, mas o pensamento também erra. Depois que teus pés rosa-chiclets esfregaram-se no meu peito, a luminosidade ambiente ficou mais ambígua, mais expressiva, mais poesia. Lá onde as palavras se refrescavam no jardim orvalhado por gotas transparentes brilhantes antes do amanhecer sortido. O Big mordia a bateria, o Pierre Verger dizia que certamente tinha aprendido o que não queria e com isso sua existência adquiriu uma certa forma. Durante a manhã cor prata, caminhando pelas ruas da cidade sem rumo definido, ao meu redor o ar era o perfume cálido de teu corpo, sensação de um calor úmido e macio, levando-me de volta ao paraíso encantado, de onde não devia ter saído junto com a humanidade. Beijo tua nuca cheirosa. Teus movimentos eram sutis e elegantes. O santo sou eu e as sereias sem dúvida alguma existem. Para guardar o mistério de nossa profissão, deixamos os copiões e os contatos, trancados em uma gaveta, que só abriremos como uma coisa íntima, revelada ao psiquiatra ou a seletos alunos para desmembrar o processo de edição dessa atividade sagrada, ensinava aos quatro cantos o velho fotógrafo. Carrossel de emoções. Enquanto te espero, sei que o relógio bate um minuto a menos, sei também, que este tempo ocidental não existe, é ilusório, no natural estamos rindo juntos internamente. A verdade inconfessável é que ela existe única em sua origem telúrica concebida no turvo pensamento da densidade do drama. Na concepção idealística das ninfas brincantes. Bonita para ela era pouco diante de tamanho esplendor, sob todos os ângulos possíveis de analise. Sua angulação fez temporariamente esquecer meu teatro, embora sua trilha sonora eu não tenha esquecido. Entre nós ressoa. Vejo a manhã, sonhando acordado na esquina do desejo, te penetro, teu brilho reflete a luz por dentro, bem dentro de teus olhos castanhos com textura jabuticaba. Alguém disse que o baiano se tiver uma morte súbita, demora no mínimo vinte dias para cair em si. Ando meio abaianado. Por hora te esqueci, lembrando. Depois de um esforçado périplo pelas escadarias e corredores do pronto atendimento, consegui entrar por último num elevador enorme lotado de médicas e enfermeiras de branco conversando animadamente, parecendo uma festa no compartimento lascivo do céu. Durante o trajeto, quando encontrei uma breve pausa entre elas, não resisti e mandei a seguinte brincadeirinha: que beleza, finalmente a salvo! A de olhos mais doces, que como todas estava de frente para mim, perguntou num tom definitivo: salvo ou lascado? Todas se riram discretamente e eu também, recolhendo-me a uma atuação reflexiva, até as portas se abrirem. Na vida não existe a intenção, não existe a outra vez, este é o drama o irretocável. Sejam revolucionários! Conclama o Papa Francisco no sinal a cabo global. Treze e treze marca o mostrador do celular. Na esquina das três portas, a personagem Deus na forma e voz do Doutor Kacowicz, informa aos outros fiéis da tripulação que está processando uma erva embora ela não tenha cometido delito algum. Finalmente consegui assistir os filmes do Aloísio Raolino, a visão destes três filmes, me levou a ver o cinema de novo na forma ação. O pensamento, o fotógrafo, a câmera e ela a imagem, já que a câmera filma o pensamento. Ninguém se conhece, nem assim a distingue. Ao pôr do sol dessa Sexta-Feira, encontro o Zinho comendo um quarto de uma melancia bem vermelha na travessia da Rua dos Guajajaras com a Avenida Augusto da Lima, em frente ao Mercado Central. Como estas ruas são paralelas, a esquina entre elas não existe. Vou continuar escrevendo este testículo, já que mais ou menos passou da sua horinha. Continuo com o mesmo sem vontade que rasguei o ventre de minha mãe, off do Dom José Maria Lara citando o poeta José Régio, no filme Esperança Cega que fiz na pré-história da cerimônia de purificação. Hoje o Unicórnio entrou pela janela e vomitou arco-íris no tapete. O que faço custa um bilhão de centavos por unidade, exige milhares de metros de celuloide e mobiliza, à volta de um ato de expressão individual, os meios necessários a uma indústria: este é o problema do cinema, apontou o mestre Roberto Rossellini, no tesouro resgatado do fundo do mar de caixas. Observem o que se passou do lado sombrio: quero dizer a nossa parte instintiva, ávida, animal; esta noite assustadora que temos em nós e que nos leva a querer dominar, pois a condição humana é feita da impossibilidade do homem de viver passivamente seu estado natural. Em se plantando tudo dá, foi a resposta original que dei para a loura falsa que muito me aborrecia com questões jurídicas e burrocráticas, exatamente questões que para delas continuar escapando, construí um bunker nas alturas onde me abrigo até finalizar o horário comercial. Foi só agir pelo coração, aqui estou duro de novo, disse Gilberto de Abreu. Aterrei no planalto central e de frente para o céu de Juscelino, Athos Bulcão, Niemayer e Lúcio Costa, no décimo terceiro andar do flat St. Moritz da Asa Norte, caí de cama. Segundo a santa rebelde La Bauer uma limpeza interna se fazia necessária. Renasci na graciosa colonial Pirenópolis somente dois dias depois. Noite alta, caminhava pelas ruas de paralelepípedos verticais em traveling com as fachadas das casinhas baixinhas da velha cidade de garimpo, quando do nada surgiu uma cavaleira de longos cabelos encaracolados amarrados como um rabo, montada num alazão garboso acinzentado indo em direção ao coreto da praça. Iluminada pela luz tremula da cor alaranjada dos lampiões históricos preservados pelos homens de boa vontade, ela dominava seu animal com altivez, depois que passou por mim notei que seus cabelos pra trás por debaixo do chapéu balançavam para os lados concatenados aos movimentos do rabo branco do belo cavalo. Pela entrada de frente a fonte de luz no parapeito central do jardim das orquídeas em pendão, descobri escondido algo que já tinha descoberto e esquecido na escadaria do portal das delícias. Ainda bem, rascunho sem picote. Consegui com muito esforço chegar até a queda d’agua fortíssima da cachoeira Usina Velha, aquelas flechadas líquidas nas costas, dava a impressão de adolescência física e mental, um tipo de estase do meu caminho passado se reanimou por entre pedras lisas cobertas de musgo e lodo. A nitidez tomou conta da visão, um cheiro esverdeado umidificado transformou a respiração em música naturalista, ritmada na perfeição da tonalidade feminina andante. De súbito despencou um temporal, enquanto eu balançava na ponte de cordas e ripas. A jovem bailarina Flor tomou a direção de seu carrinho com perícia garbosa e improvável, vencendo a estradinha de terra, agora uma corredeira de aguas barrentas e ameaçadoras, sem se alterar, falando sobre Fadas e Gnomos. Impoluta, entre reduções e acelerações passou lépida por aquele rio caudaloso. Ao passo que eu do banco de trás, sofria e imaginava um fim trágico para nossa travessia inconclusa. Graças sua habilidosa expressão corporal, almoçamos uma moqueca com tempero delicado. Após a noite chegar, uma procissão de lampiões levou-me a porta lateral da Igreja do Rosário, com ruínas aparentes da queimada que lá aconteceu, as cigarras cantavam em uníssono initerruptamente. Geisa Maria arte incomum estava fechada naquele fim de Domingo lindo leve e solto. Um cálice de Beija-Flor no Encontro Marcado da passarela mais bem frequentada, de novo pelo Rio das Almas, para o lado lúgubre e pior da localidade onde no passado correu muito sangue. Saí pela Rua do Fuzil direto no Bar dos Turistas em frente ao Kunsk Dance com lampião apagado. A ponte ficou demasiado estreita.  Um tipo boliviano de boné vermelho, queimando um fumo do puro goiano, aproxenetou-se numa cadeira da minha mesa, sem pedir licença nem oferecer-me um tapa. Não é fácil a vida em sociedade. Terminei minhas ocupações e caminhei no rumo de onde tinha vindo. Rascunho com picote e grampo. Ela disse com propriedade para todos os ouvintes que vive num paraíso particular, e isto é verdade. Inventa seu mundo ao seu gosto, vai por aí saltitante, que está só começando com uma taça de espumante rosa. Pupilas que dormem embaixo de pálpebras, assim continuou com voz sussurrante a borboleta poetiza.  Tudo é cinema. Nosso Senhor Luis Buñuel no seu último suspiro, conta: se me dissessem que morreria em dois anos; e me perguntassem o que quero das vinte quatro horas de cada um dos dias que ainda iria viver, responderia: dê-me duas horas de vida ativa e vinte duas horas de sonhos, contanto que possa lembrar-me destes, porque os sonhos só existem através da memória que os alimenta.

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