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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Depoimento Sincero de Quem Sabe

Niemeyer, Vinícius de Moraes, sendo filmado por Jose Sette com Carlos Figueredo observando na Estrada das Canoas onde fica a bela casa projetada pelo arquiteto famoso.                                        

SOBRE NIEMEYER
  por Paulo Laender

Numa manhã ensolarada de verão o “Nash Coupé conversível modelo 1953”, com sua capota arriada, corria pela av. Antonio Carlos.
Ao volante meu tio, o saudoso jornalista Wilson Frade, nos conduzia em direção à Pampulha, ao “Yatch Tenis Club”.
Sentado no banco de couro cinza eu, entre 7 e 8 anos de idade, viajava maravilhado em tanta novidade.

Uma vez no clube, entre a piscina e o ancoradouro, belas mulheres em seus maiôs Catalina, chapéus e óculos Dior, transitavam entre senhores com camisas listadas, lenços no pescoço, bonés de comodoro e óculos “Ray-Ban”.
Ao fundo, sobre o espelho da lagoa, deslizavam lanchas e esquiadores num balé complementado pelos DC3 da Panair em procedimento de pouso no aeroporto mais à frente.
Era o auge dos chamados “anos dourados”e, naquele momento, na minha fantasia infantil , eu me achava em “Hollywood”.

Foi então que percebi que este território mágico era um espaço delimitado por quatro edificações implantadas na orla do traçado sinuoso da lagoa.
Este conjunto , com seu desenho arrojado, suas curvas e formas amebóides a mim completamente novos, eram  diferentes, fascinantes, futuristas.
O “Yatch Club”, o antigo Cassino, a Igrejinha , a Casa do Baile e o contorno da lagoa da Pampulha foram, nesse dia, meu primeiro e marcante encontro com a obra de Oscar Niemeyer.

Passaram-se mais ou menos quinze anos desde aquele sábado de verão e, agora, eu me encontrava entre os cinquenta jovens sonhadores que iniciavam o curso de arquitetura na
faculdade federal à rua Paraiba.
Uma constante unia estes futuros arquitetos: a certeza de que alí chegávamos, cada um à sua maneira, influenciados e contaminados pela obra de Niemeyer.
Dentro de cada calouro, e dos outros veteranos que já cursavam a escola, existia o sonho, o desejo de alcançar a genialidade do mestre.
Niemeyer foi, indiscutivelmente, a influência maior e a grande inspiração daquela geração de arquitetos.

Mas os anos 60 já eram outros tempos e, em meio a tanto “chumbo”, muitos sonhos se turvaram e a herança do modernismo brasileiro, expressão até hoje, máxima e autêntica do nosso “design”, pensamento, arte e cultura, foi combatido e delegado a um esquecimento compulsório e , finalmente substituido por esta banal brutalidade progressiva, cuja impos(i)tura nos assola e nos escurece .

Independente disso Niemeyer continuou a produzir e a criar obras pungentes.
Agora com uma reputação e projetos internacionais.
Passaram-se mais anos, a ditadura esvaiu-se, substituida pelo  governos subsequentes: uns desencontrados, outros mais ainda.

O país vem construindo seu “progresso e identidade” aos trancos e barrancos , como dizia Darcy Ribeiro.
Niemeyer se tornou um mito, um símbolo, ainda que, muitas vezes utilizado de maneira oportunista por governantes à busca de uma identidade Juscelinista a camuflar de progressismo e futurismo gestões medíocres, conservadoras e oligárquicas.

Frequente motivo de críticas e discussões entre vários arquitetos de minha geração, Niemeyer, cujo pensamento nem sempre correspondeu ao resultado de sua criatividade, continuou a produzir projetos,  senão marcantes mas, com sua assinatura indiscutível.

Queiram ou não, alguns, mas ele foi o  mestre.
O nosso Arquiteto Maior.
Devemos a ele o fascínio pela profissão e o renome da arquitetura moderna brasileira.
Talvez o problema com Niemeyer tenha sido sua longevidade que o manteve há mais de sete décadas no topo, e ainda criando, fato que se tornou um incômodo à sucessão.
Mas o indiscutível na balança avaliadora de sua obra é que, entre acertos e desacertos, prevalecem aqueles, em números arrasadores.

Hoje Niemeyer se foi.

A história, como sempre,  nos mostra que o permanecente é a obra, não tanto as particularidades do autor.
E, dentre o pensamento do homem de esquerda que buscou, pela igualdade entre  todos, esta falácia ilusória que a falência das experiências Marxistas vem desmanchando com o tempo, sua obra emerge contraditoriamente exuberante a revelar a curvatura, expressão inequívoca do nosso lado emocional/visceral, cuja performance nos libertou possibilitando um campo criativo imensurável dentro da nossa natureza barroca.

Com toda a gratidão pelas revelações a nós repassadas
Adeus Mestre

Paulo Laender (Arquiteto,Escultor,Designer)

dezembro de 2012

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