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sábado, 29 de agosto de 2009

Rio em Festa segundo dia

O Eterno Retorno A Erva do Rato.
Finalmente assisti ao novo filme do Julio Bressane.
Fiquei contente em rever o amigo. Já fazia algum tempo que não o via. Não tinha visto os seus últimos filmes... Não consegui ver Cleópatra! Disse a ele exaltando a má distribuição que fazem do cinema de arte no Brasil. Mas na terça-feira a amiga e geniosa atriz Maria Gladys telefonou-me convidando para essa sessão de gala. Vamos ver o filme do Julinho, disse-me ela maternalmente. Meu filho nos levou no seu carro. Depois de furarmos o transito em fúria, entre um sinal e outro, nós aqui chegamos. Antes de entrarmos passou ao meu lado, com passos lentos, um cineasta da antiga com o olhar perdido de pároco de província. Entrava sozinho, cabisbaixo, no novo e luxuoso cinema. O ambiente é alegre com os amigos se reencontrando. Eu encontrei com o Walter Carvalho, que sempre me lembra da beleza do plano atlântico do Filme 100% Brazileiro, como se fosse possível fazer um filme de um único plano. Além dos conhecidos habituais, ali estavam outros espectadores divididos entre o barzinho, a livraria e tudo mais. Acho que são seis salas conjugadas! O filme será exibido na sala seis! Julio fala algumas poucas palavras de agradecimento aos presentes e outras tantas de como reconstruiu, costurou e retirou às duas pequenas histórias do escritor Machado de Assis do texto para o contexto cinematográfico. Confessou-nos como um personagem de Vieira, as suas incríveis citações, acuradas observações, perigosas descobertas e associações ideográficas dos significados e dos significantes, das imagens e dos sons, do seu mergulho profundo e suas visões artísticas e plásticas nas composições dos seus personagens. As luzes se apagam. Sente-se o cheiro da erva e o medo do rato. Inicia-se o filme. Tudo aqui é possível de acontecer! Pensei alto... Vi o filme como se lesse um livro, de um fôlego só. Ele me surpreendeu pela composição harmônica dos seus planos e sequências; pelas citações acadêmicas, quase clichês, nos enquadramentos e nos movimentos precisos da câmera; pelo entrelaçar dramático do seu misterioso enredo; pela fotografia ocre, romana, quente, fechada nas sombras e nos detalhes, nos cortes e no ritmo formando imagens, quadros, de um preciosismo chinês. Além da genial mise-en-scène criada pelo autor e diretor, magistralmente realçada pela excelente composição sonora da trilha musical, com climas naturais que ultrapassam o real e desconstrói o romântico, criando um caminho de pedras, doloroso, preenchido por ruídos que vão do som ambiente ao delírio infernal de todas as obsessões. A trilha do Guilherme Vaz, um grande artista, perpassa gloriosa e tensa por todo o espaço fílmico sem interferir na urdidura das suas densas personagens, no entanto, presenteia as imagens com a textura acústica de uma sonoridade só encontrada nos filmes mudos do cinema falado. Antes de ir embora com o jovem professor Ericson Pires, um amigo, para o bairro de Santa Teresa encontrar com meu filho Emiliano, disse ao Júlio: - Esse filme exclama, exalta, até com ironia, o pudor e a tara exógena do insano homem antropófago latino americano. O filme é uma grande homenagem ao cinema italiano, ao neo-realismo de Marcos Bellocio a Mário Monicelli, de Rossellini a Pasolini, de Feline a Antonioni, de Glauber aos seus escolhidos do Cinema Novo, até revolver com A Erva do Rato o seu primeiro filme Cara a Cara. O circulo se fecha depois de uma grande elipse. Seu próximo filme pode ser com certeza O Anjo Nasceu! Quem viver verá!

Era meia-noite quando cheguei à casa do meu filho Emiliano em Santa Teresa com o Ericson Pires e o filho do meu amigo Wally Salomão, Omar Salomão. É uma casa grande de três quartos onde moram três amigos. Lembra-me uma república de estudantes em final de curso. Tudo em desalinho. Bebia-se cerveja no quarto do Daniel Castanheira, a quem eu chamo, pelo seu jeito de ser, de o carioca, é músico, filósofo, entre outras atividades artísticas, participa com Emiliano e a Ava Rocha do grupo musical AVA. A música minimalista saia baixinho nas caixas de som. Daniel estava sentado de frente as suas poderosas máquinas eletrônicas de edição e exaltava para outro jovem, Miguel Jost, que se esticava todo em uma cadeira de balanço, as maravilhas do meu primeiro filme “Bandalheira Infernal”. O personagem profético do Sandro lhe impressionou pela figura, mas foi o texto dito por ele para o perseguido Carlos Pontual, a esquerda atormentada do filme, que ele repetia em tom de júbilo essa descoberta, que mais lhe tocou o fundo d’alma – “No futuro tudo não passará de uma história real...”. Conversamos um pouco sobre tudo, de Getúlio a Lula, de Júlio Bressane ao tal cinema marginal. Adentrou no quarto, me abraçando com admiração pelo filme sete vezes visto, o Nilson Primitivo, que também faz cinema em 16mm e que revela todos os seu filme no banheiro da casa, resultando disso uma película com manchas aleatórias que se movimentam como desenhos abstratos em todos os 24 fotogramas por segundo, criando uma espécie de teia ótica que misturada a alguns acontecimentos, as filmagens de Zé do Caixão por exemplo, registra em movimento anárquicos personagens que proporcionam ao espectador atento imagens aleatórias em um verdadeiro carnaval de cores e formas.

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