Um Conto de Cinema
A ÚLTIMA CENA
PRIMEIRA
Fundo infinito – Câmera lenta – O dia amanhece
artificialmente (jogo de luzes)
Mulheres de todos os tipos e de todas as épocas vestidas
conforme os seus personagens.
Outras mulheres, com os corpos desnudos, passam correndo por
entre o quadro fixo da imagem. Detalhe do movimento dos corpos, em ângulos
diferentes, tantos quantos forem necessários. Um jovial e alegre Pompeu dirige
esta cena. O fundo do cenário é o azul do céu que gradualmente vai escurecendo.
Algumas nuvens passam ligeira, como passam apressadas as mulheres nuas na cena.
No final, projetando o fundo, o céu de estrelas e então as nuvens tornam-se
negras. Escurece todo o estúdio. Relampejo, trovoadas na trilha e chuva
artificial.
Ruídos de chuva.
Em uma mesa estão sentados um homem e uma mulher. Um garçom
serve um cálice de vinho para a mulher e outro para o homem. A mulher chama-se
Anita e depois de beber o vinho, olha para seu acompanhante e diz com a sua voz
suave: - Para começar, devo dizer que Pompeu fez todos os seus primeiros curtos
filmes sobre mulheres despudoradas, todas retiradas dos clássicos da literatura
brasileira (A Moreninha, Capitu, Gabriela, Iracema, Emília, Diadorim, Ceci,
Carolina, Macabéa, etc.), adaptando-as a suas ideias orgiásticas. Seus filmes premiados,
apreciados pela crítica, foram vendidos no mercado exterior. Ele possuía
invejável conhecimento cinematográfico e literário. Poderia ter sido um homem
rico, respeitado, se tivesse vivido na Europa, mas foi roubado e traído por Jimi...
O dia amanhece. Nuvens passam ligeiras no céu azul. A praia
grande se perde na névoa distante. O mar se quebra em ondas espumosas.
Agitam-se as águas revoltas que cobrem o corpo de Pompeu. Ele submerge e emerge
enchendo o seu pulmão de ar. Várias ondas seguidas cobrem o seu corpo e ele
perde o fôlego, como se afogasse. A expressão de horror, estampado no seu rosto
marcado pela exaustão, anuncia-se pelo desespero de suas primeiras braçadas na
direção da praia.
No restaurante a beira mar De volta à mesa onde está Anita e
o outro homem ela continua narrando a sua história: - Ora meu Senhor! Ele que
sempre se achou alguém, reconhecido, querido e festejado por muitos, neste dia
soube, enfim, que era um Zé ninguém, um desconhecido, simples matéria do caos
universal... Um mortal como muitos. Nunca sentiríamos a sua falta! Olha! Disso
tudo que eu quero lhe contar, meu senhor, só sobraram às cinzas de um vulcão
que aos poucos foi se extinguindo...
Em um quarto todo branco, muito claro, acontece a cena de um
homem (sombra e contraluz), preparando e orientando, com gestos fortes, uma
menina que está sentada em uma poltrona. De outro lado, em uma praia deserta de
areias brancas com a luz, podíamos observar o rosto de Pompeu molhado,
refletindo o sol. Um rosto marcado, agitado e tenso mexendo-se nervoso nas
águas do mar bravio. Assustado, atordoado, olhando para o alto onde se vê o céu
azul. Pompeu, já bastante cansado, tenta nadar com ajuda dos seus braços
batendo na água para não se afogar e, no desespero da salvação, coloca a cabeça
para fora da água para respirar... Anita, conta a sua história para o seu
desconhecido acompanhante: - Ele já não sofria a angústia dos abnegados, dos
conformados. Já não precisava mais do aplauso dos contentes desconhecidos e dos
amigos descontentes. Para quem sempre alimentou sua alma de artista com sonhos
utópicos... O dia chegou ao seu limite e ele se descontrolou... Nada mais
podíamos fazer. Mas ele, ainda descontrolado, continuava batendo as mãos nas ondas,
a ponto de se afundar pelo cansaço, e só quando a maré se afastava ele podia
colocar o seu pé no fundo, na areia. e achando o chão firme ele pode caminhar
com as ondas batendo nas suas costas o empurrando em direção à praia. Ele se
esforça na luta contra as águas agitadas. Anita narrando o acontecido na mesa
do restaurante: - Só naquele dia, estando inteiramente só, ele pode perceber
isso... Mas era tarde. Só assim ele confessa-se ao diabo esperando a sua
salvação: - Faltou-me coragem!... Ainda não me preparei para o último e solitário
ritual... Não estou só! Sei o que é a
solidão. Trabalhei dia e noite sem descanso para chegar aonde cheguei. Sou um
fraco obcecado pelo sucesso... Com o meu fracasso de artista popular, pela
incompreensão da minha arte, resolvi ganhar dinheiro e aí fiz qualquer coisa...
Fiz um pacto com satanás e só depois de um último esforço supremo, consegui
chegar e assentar-me a beira mar. Exausto, perdido no tempo, sentado na areia,
falo comigo mesmo e observo do meu lado, na areia, um caranguejo grande e velho
correndo de lado em direção do mar: - De tudo só não consigo retirar da minha
cabeça a força da última cena... Só o tempo, este destruidor de sonhos, pode apagar
todos os meus pesadelos... Estou com sede! Seria bom se a deusa do
esquecimento, da boa vida, viesse engarrafada... E para desfrutar deste paraíso
era só abrir a garrafa e bebê-la. As deusas, neste dia tenebroso, ficaram
contra ele. Diz Anita na mesa do bar. Com o tempo seus pensamentos confusos se
repetem. Vê coisas que deixaram de existir. Embaralha-se entre o real e o sonho
e não pode resistir a uma crítica sincera...
SEGUNDA
Pompeu sentado atrás da mesa do seu escritório fala ao
telefone:
- Não!... Tomei um porre e desisti do que estava fazendo...
Aqueles filmes já não me davam mais nenhum prazer... A porta a sua frente se
abre e entra sua secretária anunciando a presença de Jimi. Quando ela cita o
nome do estrangeiro, ele vem, maroto, sorrateiro, seguindo os passos dela.
Pompeu olha para ele com certo desprezo:- Agora vou ter que desligar, pois
chegou aqui na minha frente uma pessoa desprezível... Pompeu falando para sua
secretária: - Quem permitiu a entrada deste verme aqui na minha produtora? Jimi,
sem sotaque: - Calma! Pompeu... Trouxe-lhe esse taco de beisebol da América
como prova da minha amizade... (Silêncio) - Nosso produtor quer um novo filme,
só precisamos agora é de uma nova estrela... (silêncio) - Ele viu a foto de
Anita e ficou impressionado com sua beleza... (Silêncio) - Sua mulher é que tem
que ser a protagonista dos seus filmes... (silêncio – Jimi olha para a
secretária) - Com esse corpo e esse gingado, é sucesso garantido na América e
nos mercados europeus...
Já vejo o título estampado nos cinemas: “A COMÉDIA DO
ESCRACHO”. Estrelando: Anita e Lolita
Rodrigues. Pompeu:- Não me venha com essa agora! Não coloque a minha mulher e
nem a minha filha nesta merda Jimi. Você andou sumido há mais de seis meses, me
deixou sem nenhuma notícia, se escondeu e me escondeu do que é meu. Não vou
esquecer que você me deve muito dinheiro.
Você vendeu a minha última grande produção para os seus produtores
tarados de Miami e depois de eu te mandar as fitas originais, sumiu com o meu
dinheiro... Não tem desculpa Jimi! Seis meses! Você acha que eu vivo como, seu
gringo de merda! Deveria matá-lo. Onde está à mala com as minhas verdinhas? Seu
prazo aqui na terra está acabando... Jimi:
- Trago aqui comigo muito mais dinheiro do que lhe devo, não fique nervoso...
Olha! Eu vou conversar com o distribuidor em Miami e te fazer uma última
proposta... Vou te tornar um homem rico! (Pompeu faz cara de nojo) Não faz essa
cara! Depois de tudo que nós passamos! Não me venha agora com esse falso
moralismo. Estou falando de muito dinheiro!... Pompeu! Estou falando de sua
liberdade financeira.
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