Um Conto de Cinema
A ÚLTIMA CENA
QUINTA
Jimi se aproxima de Pompeu e lhe mostra um cheque.
Pompeu:
- Você está de brincadeira Jimi? Eu não trabalho com cheque!
Você nunca me pagou com cheque! Só dinheiro vivo e em dólares, se esqueceu?
Jimi:
- Pompeu agora o negócio é outro... Você só tem que entregar
o filme combinado e o nosso distribuidor de Miami lhe pagará adiantado todo o
seu serviço...
Pompeu:
- Que combinado é esse? Só quero o dinheiro do meu trabalho
que você levou e não me deu mais notícia... Como vocês de Miami são
canalhas!... Jimi! Não vejo dinheiro nenhum adiantado na minha mesa. Cadê a
mala? Vocês não podem me exigir nada!... Sempre te falei que esse negócio é
muito arriscado e é também imoral e o dinheiro que a matriz paga não compensa o
que ainda me resta de dignidade humana.
Jimi:
- Digno e imoral! Só pode estar de brincadeira... Tudo e
todos neste mundo têm um preço! Quando te conheci você estava falido... Tirei
você e sua mulher da sarjeta... Qual o preço de sua gratidão?
Pompeu:
- Já paguei a você toda a minha gratidão com juros e
correção. E este último negócio sujo que fiz me enojou... Quero o pagamento do
meu dinheiro sujo e estou fora! Volto as minhas velhas histórias...
Jimi:
- Não seja ingrato com seu parceiro, um último trabalho e
pronto, você pode fazer o que quiser... Help! Eu estou precisando de você, não
me deixe sozinho!
Pompeu:
- Você fala de coisas que nunca conheceu... Você não sabe de
nada! Acha que o dinheiro pode tudo... Vem até aqui, compra pessoas, escraviza,
corrompe e ainda quer ser tratado por mim com confiança nesta cara de bonzinho?
Você engana a quem não te conhece.
Jimi:
- Você fala isto porque não viu ainda os valores dos três
cheques.
Pompeu:
- Não trabalho com cheques, muito menos pré-datados. Traz a
mala, salda a sua dívida, que talvez possamos conversar... Tenho outra ideia
que quando você ouvir vai se assustar...
No horizonte azul algumas nuvens precipitam-se. Pompeu está
andando com auxilio de Anita.
Pompeu:
- Anita você gosta de poesia?
Anita:
- Gosto muito, já li alguns poemas...
Pompeu:
- Quais poetas você mais admira?
Anita:
- Os poetas da minha época! Mas eu já li a Divina Comédia de
Dante Alighieri...
Pompeu:
- Em verso ou em prosa?
Anita:
- Em prosa.
Pompeu:
- Então você sabe o que disse Caronte antes de atravessar
Virgílio e Dante pelo rio? ... Não? ... Ele disse que ali parado só podia
contar como ali chegou, mas depois de atravessá-los na barca, já andando pelo
novo mundo, poderia descrever os seus destinos...
Anita:
- Isto está do livro?
Pompeu:
- Não, eu inventei agora!
Os dois trocam um sorriso...
Anita:
- Então vamos Pompeu! Vamos andar. Temos muito caminho a
seguir!
Pompeu não a segue e fica parado olhando para o horizonte já
coberto por algumas nuvens carregadas.
No estúdio de gravação a menina está acuada e quanto mais o
homem sombra insiste, mas acuada ela fica começando a chorar até quando solta
um grito agudo e forte de horror. Surge uma mão tentando tapar a sua boca.
A praia deserta de areia branca. Os dois caminham com
lentidão. Pompeu gesticula enquanto fala. Anda mais devagar. Mostra cansaço.
Pompeu segura o braço de Anita...
Pompeu:
- Essa região é ainda uma das poucas preservadas... Aqui se
toma banho de mar sem sair envenenado pelas águas pestilentas de óleo e detritos
que banham grande parte da costa sul brasileira...
Anita:
- Eu sei!... Luto contra isso... Esse é o meu lugar
predileto. Uma pequena mostra do que era o paraíso. Só aqui me sinto bem...
Preciso lhe perguntar uma coisa...
Pompeu:
- Vamos! Pergunte...
Anita:
- Onde está sua mulher e sua filha?
Pompeu para de andar e passa a contemplar o mar.
Pompeu:
- Ora, mas que bom acontecimento! Um anjo da natureza para
me fazer companhia. Estou encantado Anita!... Nós temos muito que conversar...
A verdade é que quando sai da cidade para morar aqui na praia, deixei-as com o
meu sócio e não as vi mais...
Anita:
- Vai completar dez anos...
Pompeu:
- Para quem não tinha um ano de vida, é muito tempo...
Anita:
- Sim, eu sei!... Mas agora vamos andar um pouco mais, estamos
longe e não quero deixar a noite chegar.
cont...
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