Um Conto de Cinema
A ÚLTIMA CENA
TERCEIRA
Pompeu observa uma luz difusa andando em sua direção. Anita vestida
de aventureira, de chapéu, com uma mochila nas costas, se aproxima dele sentado
na areia à beira do mar. A expressão
do rosto molhado de Pompeu vai ficando mais suave. Chega até esboçar um sorriso
quando ela (a luz) se aproxima. Ele
levanta a sua mão em direção à contraluz. Anita tenta pegar em sua mão para ajudá-lo a
se levantar da areia. Mas, depois de
contemplá-la, absorto, Pompeu continua sentado. Abruptamente, meio lunático, ele levanta-se com gestos lentos,
falando sozinho. Tudo é feito com muita dramaticidade, quase oriental. Pompeu: - Essa imagem da vida engarrafada não
me sai da cabeça... (olhando na contraluz a silueta de uma mulher) - Foi também
com uma imagem erótica engarrafada que eu vendi milhões de cervejas para um
cliente de Miami... Fiquei rico?... Não! Aquele filho da puta me roubou tudo!
(voltando a refletir e olhando para o mar) – O canalha fugiu com o meu
dinheiro... (voltando-se para a mulher) – O que eu podia fazer? Os dois ficam
em silêncio. Anita bebendo mais uma
taça de vinho no restaurante: - Pelo dinheiro ele fez com a sua vida tudo o que
não queria ter feito. Queria fazer cinema de ficção, contar as histórias de
grandes homens, grandes produções de arte, ter uma família, mas não
conseguiu... Logo descobriu que precisava de muito dinheiro para viver e assim
colocou o seu talento para revender aos tolos o que todos eles não sabiam, por
isso desejavam, queriam ter, a qualquer preço as moreninhas do Brasil. Pompeu,
com dor, rola na areia e depois vai se lavar com dificuldade nas águas do mar: -
Sonhos Eróticos! Masturbação! Orgias! Era tudo que eles queriam de mim... Era
tudo o que eu podia fazer. Tudo pelo dinheiro! Anita bebendo vinho no
restaurante: - Foi ele quem criou, quando começou a fazer cinema, o “Besteirol
Orgiástico” - experimentos cinematográficos retratando mulheres famosas, mas
tudo feito de uma maneira despudorada. Fez algum sucesso, mas não ganhou muito
dinheiro e, com o passar do tempo, sem novos projetos, foi ficando deprimido,
cheio de dívidas, até aparecer Jimi, o americano de Miami, cheio de dólares
para gastar com as mulheres e o erotismo brasileiro... Um Taxi com Jimi passeia
pela cidade. Jimi desce do taxi vê a secretária e lhe dá um demorado abraço e
aos poucos vai compondo poses, beijos e carinhos escondidos com a mulher de
Pompeu. Jimi e ela entram em um prédio antigo. Anita comendo no restaurante: -
Com esse empresário americano, depois de um começo espetacular de sucesso
financeiro, de entendimento e trabalho, veio à dúvida e a decadência... Os
enredos e as mulheres se repetiam, algumas das suas melhores meninas
desapareceram ou viajaram para América e nunca mais voltaram. Seus filmes sem
graça, com mulheres mais velhas e cenas repetidas, não agradava aos empresários
de Miami. Assim ele gastou todo o seu dinheiro na sua nova e definitiva
produção... Foi levada para América e desapareceu na mão do americano. Pompeu
estava vivendo em grande dificuldade quando ele retornou. Sentado a mesa Pompeu
abre uma gaveta onde fica um revólver. Ele fecha a gaveta e levanta-se falando
em direção da sombra que logo sai de cena. Pompeu irritado: - Em muito pouco
tempo realizei tudo que me foi proposto. Mas agora você quer o inimaginável, o
inenarrável, o que não pode ser feito. Não posso aceitar essa sua nova proposta
por principio... Assim preciso do meu
dinheiro e você tem poucos dias para levantar e pagar o que me deve. Agora, ponha-se
daqui para fora! Pompeu volta a sentar-se na sua macia poltrona de couro e
coloca a sua cabeça sobre as suas mãos. Anita continua bebendo no restaurante: -
Mas ele estava sem dinheiro e com o passar dos dias imaginava-se enlouquecendo,
ficou deprimido rapidamente... Chorou copiosamente em sua mesa de trabalho. Foi
assim até acontecer o inesperado... Um dia, quando acordou, havia se tornando
um animal feroz e selvagem.
QUARTA
O homem sombra prepara as luzes e dirige a cena tentando
fazer, aos poucos e com muito cuidado, que a menina fique mais sensual. A
menina, sentada em uma poltrona vermelha, fica um pouco inibida... A luz dos
holofotes rompe a escuridão da cena
O sol e suas sombras refletidas. No mar agitado as
ondulações da luz. O rosto de Pompeu, com seu olhar lânguido, está sereno e
seco. Pompeu: - Por querer o dinheiro acima de todas as coisas eu perdi tudo que
tinha. Nunca mais fiz um filme. Nunca mais vi a minha filha... Mas havia nesta
loucura uma razão: eu achava que estava no fim e o tempo foi passando... Anita: - É isso que eu estou entendendo? Um americano vem de fora para te
roubar e você não faz nada? Pompeu: - Fiz, sim! Procurei imediatamente o meu
psiquiatra, pois passei a somatizar os meus desejos de vingança em todas as
garrafas... – Você precisa sair de férias, disse-me ele, parar de beber,
descansar e andar, sem pensar em nada, totalmente zen, pela praia deserta... Pompeu, agora mais tranquilo, mais
realista, olha para Anita e pergunta: -
Mas afinal quem é você? Anita,
olhando para ele com o rosto sério, mostra indecisão no que vai falar: - Eu vinha andando pensativa pela
praia..., é claro!... Aí te vi saindo cansado do mar... Fiquei preocupada... Olha! Só me aproximei para oferecer ajuda!
Mas agora que eu vejo que o senhor está em bom estado, devo-lhe dizer uma coisa...
Pompeu: - Não! Eu não estou nada
bem... Mas sou-lhe grato por isso. Vamos andar um pouco? Pompeu esta saindo à
rua pela porta de um hospital. Os
carros passam ligeiros – buzinas e freadas.
Ele que está cabisbaixo e preocupado, ascende um charuto, olha ao seu redor
e atravessa a rua movimentada sem muita atenção. Imagens com som de freadas e
buzinas. Andando ele chega a uma
praça onde brincam algumas crianças. Uma das crianças se aproxima dele. Ele
passa a mão em sua cabeça. A criança
corre. Ele continua o seu caminho.Pompeu,
anda com dificuldade na areia. Caminha rente a água que vai lavando os seus pés
descalços. As nuvens se acumulam na linha do horizonte. Pompeu, desconfiado,
fala com certa dificuldade para Anita: - Você sabe me informar se estamos muito
longe da pousada? Perdi o senso de orientação porque me afastei sem me
preocupar em voltar... Anita:- Um pouco longe, vai dar uma boa caminhada para
chegar lá antes do anoitecer... Mas eu vou te acompanhar e no longo caminho
paramos quando o senhor estiver cansado... Pompeu: - Obrigado, se você fizer
esse sacrifício, eu ficarei feliz... Mas não me chame mais de senhor. Eu sou
Pompeu e você?- Anita... Pompeu:
- Anita! Você tem o nome da minha filha... É muito bonita.
Já nos conhecemos?... Anita, constrangida, nega conhecê-lo balançando a cabeça.
Pompeu: - Engraçado, mas tenho certeza que te conheço... Anita: - Não me conhece! O que você pensa
conhecer não passa de um simples déjà-vu. Os dois sorriem.
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