URUGUAI
(patrialatina.com.br)
O livro novo de Eduardo Galeano: Os filhos dos dias
Na próxima terça-feira (3) o belo e tradicionalíssimo teatro Solis, em Montevideu, receberá o escritor Eduardo Galeano para uma leitura de alguns trechos do seu novo livro, “Los hijos de los dias” (Os filhos dos dias).
A sessão é aberta ao público e gratuita. As entradas começaram a ser distribuídas, no próprio teatro, no dia 20 de março.
No Brasil, a editora L&PM já anunciou que Eric Nepomuceno está traduzindo a obra, que deve ser lançada ainda neste semestre.
O livro traz 366 histórias, uma para cada dia do ano, contadas no conhecido “estilo Galeano”.
O diário argentino Página 12 divulgou dez textos e reproduzo aqui, com a ousadia de traduzir livremente quatro deles, com o perdão de Cervantes e do próprio Galeano.
22 de março - Dia da água
De água somos.
Da água brotou a vida. Os rios são o sangue que alimenta a terra, e são feitas de água as células que nos faz pensar, as lágrimas que nos faz chorar e a memória que nos faz recordar.
A memória nos conta que os desertos de hoje foram os bosques de ontem e que o mundo seco soube ser mundo úmido, naqueles remotos tempos em que a água e a terra eram de ninguém e eram de todos.
Quem ficou com a água? O macaco que tinha o porrete. O macaco desarmado morreu de um porretaço. Se não estou enganado, assim começava o filme “2001, uma odisseia no espaço”.
Algum tempo depois, no ano 2009, uma nave espacial descobriu que existe água na lua. A notícia apressou os planos de conquista.
22 de setembro - Dia sem carro
Os ecologistas e outros irresponsáveis propõem que por um dia, o dia de hoje, os automóveis desapareçam do mundo.
Um dia sem carros? E se esse exemplo se contagia e passa a ser todos os dias?
Deus não queira e o Diabo tampouco.
Os hospitais e cemitérios perderiam sua mais numerosa clientela.
As ruas se encheriam de ridículos ciclistas e patéticos pedestres.
Os pulmões já não poderiam respirar o mais saboroso dos venenos.
As pernas, que se esqueceram de caminhar, tropeçariam em qualquer pedrinha.
O silêncio aturdiria os ouvidos.
As rodovias seriam deprimentes desertos.
As rádios, as televisões, as revistas e os jornais perderiam os seus mais generosos anunciantes.
Os países petroleiros ficariam condenados à miséria.
O milho, a cana de açúcar, agora convertidos em comida de carros, regressariam ao humilde prato humano.
28 de setembro - Dia do direito à informação
Talvez seja oportuno lembrar que um mês e pouco depois das bombas atômicas que aniquilaram Hiroxima e Nagasaki, o jornal The New York Times desmentiu os rumores que estavam assustando o mundo.
A 12 de setembro de 1945. esse jornal publicou, em primeira página, um artigo assinado pelo seu diretor de temas científicos, William L. Laurence. O artigo saía de encontro às versões alarmistas e assegurava que não havia nenhuma radioatividade nestas cidades arrasadas e que a tal radioatividade não era mais do que uma mentira da propaganda japonesa.
Graças a esta revelação, Laurence ganhou o prêmio Pulitzer.
Tempos depois se soube que ele cobrava dois salários mensais: o The New York Times lhe pagava um e o outro vinha do orçamento militar dos Estados Unidos.
12 de outubro - Dia do descobrimento
Em 1492, os nativos descobriram que eram índios,
descobriram que viviam na América,
descobriram que estavam nus,
descobriram que existia o pecado,
descobriram que deviam obediência a um rei e a uma rainha
de outro mundo e a um deus de outro céu,
e que esse deus havia inventado a culpa e o vestido
e havia mandado que fosse queimado vivo quem adorasse
o sol e a lua e a terra e a chuva que a molha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário