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quinta-feira, 26 de abril de 2012

DEPOIMENTO

Abrem-se as portas do paraíso.


(Discurso feito por Geraldo Silva para alguns amigos em sua casa. Um militante sexagenário que hoje está desempregado e cultiva um pequeno sítio no Estado de Minas Gerais. Carta recebida de um amigo comum)

Tenho pensado muito no mundo de hoje.

Nos homens e mulheres que herdarão a terra.

Penso nos animais que continuam sendo caçados e maltratados.

Penso também na natureza, violentada e arrasada há séculos por todos nós.

Penso no que nós nos tornamos.

Vejo os homens cada vez mais idiotizados, mais automatizados, mais consumistas das coisas inúteis, mais enfeitados e enganados por miçangas culturais oferecidas, impingidas a sua consciência, fortemente danificada, a partir da explosão da bomba atômica no Japão, pela política midiática do sistema capitalista, que venceu a guerra, mas perdeu o sentimento da justiça e da equidade no julgamento das coisas novas, do moderno e do que ainda não foi visto.

Essa força financeira, estranha, internacional, dogmática, vem nestes setenta anos se aprimorando em desencaminhar o homem do prazer de se ter total liberdade, no seu ser e no seu saber, de escolher o seu destino histórico.

Para não ser condenado pela opinião dos poderosos e por manter a sua opinião, este triste homem pode até perder o emprego, ficar na miséria, ser apagado da história.

Esse pobre animal hoje precisa caminhar por terras secas onde todos querem ter mais quando precisam ter menos, matando todas as possibilidades na natureza deste espírito se rebelar.

Torna-se o homem moderno prisioneiros das cidades desordenadas, da violência do capital, dos bancos argentários, dos juros escorchantes e das garantias financeiras que lhes são oferecidas pela força cruel do mercado de trabalho do qual escravo ele só é a vítima.

A ganância foi instituída como princípio no caráter da sociedade ocidental.

Todos querem o luxo exclusivo, o mais caro do melhor carro, do melhor apartamento, das roupas de grife, das novidades digitais, da melhor droga disponível, de empregados a sua disposição a festas infindáveis com putas universitárias que precisam também do luxo que é vendido pelos programas de entretenimento.

A música alta e execrável conduz a cena do caos em todas as artes.

Ninguém se sustenta com o que é realmente necessário ver.

Na cultura do inútil tudo hoje é orientado para a competitividade entre os segmentos sociais.

É necessário que um queira e tenha mais que o outro para se destacar no emprego, na empresa, na política, nos papos de negócios e futebol e nos encontros casuais das rodas sociais da alta sociedade onde eles podem se cumprimentar e no máximo tocar, estender as mãos, a elite emplumada.

Poucos, por meios inconfessáveis, conseguem atingir o ápice dos grandes salários, o auge do poder, a ascensão máxima na sua escalada social e todos sempre chegam aos seus objetivos, nem que para isso eles precisem cometer o ilícito ou matar o irmão.

O resto, a grande maioria de homens honestos e sonhadores, que ficam batendo cabeça por novas idéias transformadoras, libertárias, anarcosocialistas e mesmo democráticas, são líderes natos que querem contribuir para um mundo mais feliz e melhor, mas estão impedidos de se manifestarem, são censurados na obscuridade do seu trabalho.

Um trabalhador que por um motivo correto de opinião divergente do patrão atrapalha as metas financeiras proposta pela empresa, vê suas oportunidades de realização escoar-se pelo ralo e passam a ser marginalizados pelo sistema gestor e sem a proteção dos sindicatos e associações de defesa estão desempregados.

O funcionário público, que tem estabilidade no emprego em sua grande maioria, passa a sua vida há contar os anos, os meses, as semanas, os dias, as horas e minutos que faltam para sua aposentadoria, pois sabem que a burocracia é autofágica e nada se pode fazer.

Os poderosos burocratas do sistema não fazem nada, estão sempre de saco-cheio, vivem como em um conto do sobrenatural de Almeida.

Os mais sábios descobrem, com profunda tristeza, que nada mais são do que os muitos degraus que proporcionam a ascensão na escalada social dos poucos privilegiados que conseguiram conquistar a confiança deste monstruoso sistema.

Para se ascender ao grupo dos poderosos, nesta escalada funcional, por mais de confiança que se torne o esforçado janota, o seu sucesso vai depender do seu berço (origem), da sua família e das suas propriedades.

É preciso por fim a essa idiossincrasia, rasgar a chita e fazer uma revolução individual transformadora no mundo através da natureza, trazendo o homem que nos habita novamente de volta ao paraíso.

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