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terça-feira, 17 de abril de 2012

CRÔNICA

Um novo dia
CABO FRIO - HOJE

Acordo às 10 horas da manhã e tomo um copo de água mineral, mineira, gasosa, ao natural.

Aí tomo um banho prolongado, um dia sim e outro não, com a água um grau mais quente que a temperatura do meu corpo.

Só depois de enxugar a pele e os poucos cabelos que me restam, com uma toalha felpuda, passo um creme hidratante nas partes íntimas do corpo.

Em seguida, num gesto rápido, lambuzo o meu sovaco com um antiácido famoso e finalmente visto a minha roupa limpa e cheirosa. Só faço a barba quando me sinto velho e acabado e não gosto de perfumes.

Sentado na poltrona da sala, lavo os meus olhos vermelhos, cansados de ver, com o colírio da tolerância.

Tomo um pouco de café com leite e ascendo o meu primeiro cigarro.

Desço as escadas e vou para minha caverna mergulhar em todos os meus sonhos. Um dia dá certo, em outro não.

Outras vezes desço à cidade para encontrar pessoas e falar da política local. Nada é mais saboroso que as disputas provincianas do poder. Todo dia tem um assunto novo, um deboche, uma ironia, um mal dizer. Ninguém pode resolver nada e todos querem resolver tudo.

Candidatos entram e saem pelas fumaças dos saborosos cafezinhos expressos servidos durante todo o belíssimo cenário da tarde do balneário de onde se descortina, sentado a beira do Canal Itajuru, um magnífico por do sol.

Não tenho costume de almoçar, prefiro a cafeína e as guloseimas da rua que como quando o estômago dói pela quantidade de tabaco ingerido entre as xícaras quentes do precioso líquido que já foi o principal item da exportação brasileira.

Gosto mesmo é de charuto, mas não tenho caixa para sustentar alguns dos meus mais diletos desejos. Só fumo quando ganho de algum comunista amigo que foi a Cuba uma caixa de Monte Cristo n.4.

Gosto também do cigarro feito com fumo negro, natural, do cigarro francês, mas fumo mesmo o tabaco lavado da Virginia – o popular cigarro americano. Que merda!

Existe outro lugar na cidade que gosto de freqüentar quando quero falar sobre cinema, tecnologia digital, roteiros, fotografia, etc. Ali se come bem e bebe-se melhor ainda – as melhores cervejas da cidade e os melhores sanduíches. Mas eu preciso estar ao lado de uma grande companhia para poder degustar essas maravilhas que só um gourmand de posse pode nos oferecer.

Em matéria de guloseimas aqui na cidade existe um bolo de nozes de fazer inveja as mais experientes doceiras portuguesas. Outra especiaria que me encanta é uma espécie de pão denominado “sola” de sabor oriental, indígena, de um gosto jamais por mim experimentado. Este manjar dos deuses é encontrado na feira popular de domingo ou como presente de apresentação, dado por um caiçara amigo.

Um passeio pelas belíssimas praias invadidas pelo mau gosto suburbano de engenheiros e construtores mineiros, especuladores do dinheiro público, me coloco utópico, infantil, revoltado, da mesma maneira que fico ao passar pela lagoa de Araruama, deprimido, instável, com vontade de voltar para as montanhas... Mas é como me disse um amigo: - depois da morte de Tancredo Neves, Minas não há mais... E como dói!

À tardinha volto com a minha mulher para casa. Na varando vejo um pedacinho do mar. Minha morena pega o violão e começa a tocar. O meu estômago rosna de fome. Na cozinha preparo o arroz integral feito na panela de pedra mineira de Ouro Preto. Não uso óleo, só o sal marinho.É fácil! Esquento a panela com o arroz lavado e mexo até secar. Coloco água fervendo e deixo cozinhar até a água secar. Cozinho, ao mesmo tempo, cenoura e .outro legume orgânico e para finalizar asso no forninho um peixe com banana. Depois preparo com esses ingredientes um belíssimo prato colorido. Não arrumo a mesa, pois prefiro comer de pé. Sei que é errado, mas o que eu posso fazer com as minhas preferências?

Ao anoitecer retorno a minha caverna, tomo uma dose de energia cósmica e discuto invariavelmente, todas as noites, com Platão. A cada tecla que eu pressiono no meu computador, surge na minha vista interior o pensamento empírico de que “nada pode ser e não ser simultaneamente” e parto dessa premissa indemonstrável para construir, nos símbolos da escrita, todo um universo particular de criação artística que devo exercitar em tudo que ainda me resta tempo de fazer.

Quando o marcador do tempo finaliza as 24 horas do dia, eu entro nas ondas da internet e navego por mares bravios e por tediosas calmarias.

Nas primeiras horas da madrugada, já cansado, subo para o segundo andar e vou até a cozinha esquentar o meu tradicional café com leite e pão com manteiga. Como e aprecio esta delícia, que aprendi vendo o meu avô, assistindo um final de filme na tevê.

Já me arrastando vou mijar sentado e fumar o último cigarro a meia luz do corredor. Escovo os dentes, apago as luzes, ligo o ventilador do teto e desmaio por cima de uma cama cheirosa feita por minha mulher com vários edredons da índia envolvidos por ervas de cheiro. Uma especiaria da casa grande mineira muito pouco conhecida que me faz sonhar novamente que um novo dia chegará amanhã.

Um comentário:

Isabel disse...

Querido Zé, estou encantada com esse seu dia e mais ainda com como você vê seu dia. A beleza tão presente! Quando começa a filmar aquele roteiro do casal? Me lembrei dele... Saudades (você e Fábio estão agora no fone, reclamando mas rindo, é o que vale!) Grande beijo para você e Raquel da sua amiga montanhesa, Isabel