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sábado, 13 de julho de 2013

UM CONTO DE REIS

 Maria Gladys no filme inacabado a "Última Odalisca" com a banda do Ion Muniz, Edisom Machado, joão Donato, Noveli, entre uns e outros...
ÚNICO TELEPÁTICO CINTILANTE
 Fábio Carvalho

Aquele momento. O avesso do tropeço, como disse o poeta Gilberto de Abreu. Reluzem no escuro do corredor em curvas suas pernas brancas enquanto caminhavam na minha frente, guiando como faróis a me iluminar. Uma mulher a cantar. Uma cidade a cantar, a sorrir, a viver, lá dentro a crisálida virou uma colorida borboleta embaixo da saia aurora boreal, vi como pela primeira vez. O olfato denuncia imediatamente o achado lugar passado e não uma emoção relacionada a este novo lugar desfigurado, sem identidade e com uma áurea de descoberta. Chique – Choque. Após long time sem esse prazer, sorvi ostras frescas no Pecatore, oferecidas pelo meu amigo ator cineasta, prestes ao nosso filme defronte a linha do trem na Rua Sapucaí. De novo a mesma sensação perdida. Muito bom. Minha voz voltou. A gata branca se aquietou exatamente debaixo do criado mudo como um bibelô, ouvindo o trompete que do laptop tocava num som aveludado, graças à minha trabalhosa equalização. Sem falar do piano. Rumo ao Marrocos, era a manchete do jornal que embrulhou o presente que o Rogério Mancha me levou naquele modorrento fim de tarde de domingo. À hora da Ave Maria, quando o céu azul anil se perdeu no lusco fusco infalível, aumentando o friozinho gelado que nos fazia acreditar que tudo poderia melhorar esquecendo a tragédia que o conhecimento traduz. Calor dos trópicos. É tempo de se pensar. A partir de amanhã, amanhã é Segunda Feira então a verdade que ninguém vê pode estar visível. Duvido acreditando na dúvida. De novo a esperança é cega. Tão redonda a lua. Também ouvindo essa música. 
O Anjo Exterminador. Agora vinte e duas e quarenta completei o ciclo dos Amantes Passageiros driblei todos os comichões que detestam os bons filmes ruins sem enfrentar o medo das próprias mazelas, que não foram criadas pelos documentários e sim pela ficção. Vamos aceitar a ficção. O que seria do cinema apesar de tudo. Nem sei se exatamente é uma pergunta. Por onde anda a interrogação? Belíssima aquela atriz que vem de bicicleta e depois chega ao aeroporto, quem seria ela? Para onde ela foi após aquela cena? Saio a procurar descobrir. Hoje só volto amanhã. Finalmente uma afirmação. Aí fui até a sala e vi na televisão, em alto e bom som num plano mal enquadrado, aquela fala que parecia brincadeira. Só para ajudar o ritmo. Foi uma confusão de acasos que acarretou em mais um indevido cigarro queimado. Nossa época é sem favor algum a pior das épocas, o Aranha disse. Gostei dessas palavras. Um filme não é nunca relatório sobre a vida. Um filme é um sonho. Um sonho pode ser vulgar, trivial e informe; é talvez um pesadelo. Mas um sonho não é nunca uma mentira. Afirmou mais uma vez Orson Welles, com sua extraordinária voz de trovão. Nem me lembro quando foi à última vez que me mantive enredado nas montanhas por tanto tempo, ainda não sei se tem sido bom ou não, mas compreendo que vem sendo necessário e casual. A qualquer momento tudo pode mudar, ademais tenho que trabalhar, seduzir o sistema para bancar as contas, ir ao mercado com minha sacola virtual de inutilidades. Pois bem, essa é apenas uma das missões. As que me interessam são outras, bem mais complexas. Tenho que começar tudo de novo, me mudar para dentro da maneira que sempre fui. Cambiar. Encontrar a dialética. Quando trabalhei com o grande cineasta Walter Lima Junior, tive o privilégio de seus ensinamentos que muito me acrescentaram e me alimentaram a desenvolver uma visão particular. Ouvi dele várias vezes que o experimentalismo deve ser parte de um processo e desaguar em trabalhos mais claros e maduros, não ser eternamente experimental, como acontecia com os trabalhos de muitos realizadores à nossa volta. Até o meu próprio. De certa forma ele renegava o que para mim é seu melhor filme: “A Lira do Delírio”. É certo que várias questões pessoais envolvidas com a difícil finalização desse filme, lhe causam desconforto ao analisar sua obra. Mas ainda segundo ele, conseguindo um distanciamento de análise, só a partir de “Inocência”, é que começou a chegar perto do cinema de linguagem clássica que almejava. Os títulos são indicativos. Não acredita na experimentação como forma de cinema. Ao contrário de muitos que pensam que você faz o mesmo filme sempre, como Fellini dizia, Walter defende que o cineasta tem que se impor sempre um novo desafio, galgar novos graus de trabalho dentro da estrutura compartimentada da industria cinematográfica tão deformadora e inalcançável para a produção nacional. Hoje, acredito que esta posição, acarreta também uma espécie de condenação muito própria e útil ao falso mercado que nos domina. Evidente que todo mundo deseja crescer naquilo que faz, e não simplesmente ficar nadando contra a maré, mas acho que por vezes a rebeldia como forma de produção pode impulsionar outras possibilidades de crescimento com mais liberdade. Como sabemos “A Lira do Delírio” é um grande clássico do cinema brasileiro, e experimental, como outros grandes filmes desse cineasta com trajetória tão marcante. Quero crer que todo cinema brasileiro é de alguma maneira experimental, apesar do desgaste da palavra. Palavras existem para serem desgastadas. Júlio Bressane termina seu texto “O experimental no cinema nacional” com a seguinte frase: Noto que nosso cinema ou é experimental ou não é coisa alguma! De minha parte, a realização do novo longa metragem que agora começo a montar, de maneira completamente atonal, me fez sentir voejando. Vamos a time-line. Nem no meu começo nessa matéria, fiz um filme tão desprendido de qualquer aparato técnico, humano e financeiro. A coisa fluiu com tanta facilidade e prazer que me descobri em êxtase. Já tinha experimentado esta sensação em alguns momentos durante a feitura de outros filmes, mas nunca durante o filme todo, como nesse. Posso dizer também que isto não significa nada além do mistério que desejo perscrutar. Uma conversa com meu umbigo. Cinema Nunca Mais é o nome do filme longo que acabei de terminar, feito também bastante livremente, mas mesmo assim ainda escrevi um roteiro, tive alguns apoios financeiros e participação efetiva de várias pessoas de uma maneira mais ou menos profissional que garantiram um formato próximo do já decodificado, naturalmente manjado no universo cinema. Nada contra, pois é meu metier, também meu ofício, meu ganha pão e sem contestações onde trabalho bem, aqui noutro aspecto, penso exatamente no meio como expressão. Vamos lá, “Limite” o filme insuperável. O tempo é uma coisa ilusória, não existe, diz Mário Peixoto. O Aranha responde: o obstáculo passa a ser também um incentivo a arte, a criação. Então fiz “Jimi Hendrix e a Fonoaudióloga” assim: sem roteiro, sem dinheiro, sem tema, sem luz artificial, sem assistentes, sem equipe, sem desenho de som, sem técnico de som, sem microfone, sem consultor, sem coletivo, sem produtor, sem constipação, sem permissão, sem automação, sem falsificação, sem lei, sem comichão, sem curadoria, sem certificado, sem aprovação, sem perseguição, sem autorização, sem organização, sem obediência, sem conjuração, sem maledicência, sem retenção, sem coadjuvantes, sem afetação, sem discriminação, sem ensaio, sem bajulação, sem enrolação, sem indisposição, sem insatisfação, sem colisão, sem vergonha, sem ingratidão, sem continuidade, sem razão social nem contrapartida. Esqueci outras palavras que queria colocar aqui, mas essas já bastam para esse joguinho da amarelinha. Jean-Luc Godard perguntou a Fritz Lang:
- Há algo que me espanta em um realizador mais velho como o senhor, no Abel Gance ou no Renoir, que conhecemos, é seu incrível sentido de juventude. Estar sempre interessado nas coisas, na altura que nascem, como se acontecessem pela primeira vez. Em novos problemas. O que acha?
- Ouça, acho que a nossa profissão, a arte do cinema, não existe apenas para este século. Acho que é uma arte para os jovens.

Sinto que fiz esse novo filme com a juventude que incide em mim, ela me deu o êxtase. Os enganos bem aquecidos. Fiz também com uma camerazinha Mini DV emprestada, com atores convidados ao acaso dos encontros, com simpatizantes, com situações inventadas na hora, com cenas que sobraram de outros filmes, com locações não definidas, incorporando os acontecimentos do momento, assim como: manifestações de rua por um Brasil melhor; um Ópera Galo na Copa Libertadores e tudo mais que podia desviar minha atenção. A mensagem é o filme, a sua projeção. Jéferson Airplane ao vivo em agosto e Takatanga aqui no lap-top. Bem, agora só me resta finalizar tudo que estou falando aos ventos sem morder a língua. Temos que pegar esse avião, enfim vamos à suspensão.

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