O OLHO EM ESTADO SELVAGEM
Fábio Carvalho
Na tonalidade deste Domingo improvável de Julho, sou
transportado de Ouro Preto direto para este meu velho camarada bureau, de onde
via skipe, que não sei bem o que é, vi e fui visto pelo Rio e por Paris, ouvi e
ainda falei. Que onda meu. Galo Doido Cinematográfica. Da janela lateral vi
também, um belo e desconhecido vento derrubando embaixo do sol a pino de
inverno, folhas e flores de uma das minhas árvores prediletas. Guignard
Imaginário é o nome do filme. Um amigo meu disse que em samba canta-se melhor
flor e mulher. A Serra do Curral nunca se iluminou como hoje, quando veio a
saudade do carinho seu, junto com o nascimento da lua cheia nunca vista no fim
da rua do último barraco da favela lá no alto, onde ninguém antes tinha
imaginado. Era Segunda Feira, gostei. Nevou em Curitiba, diz o noticiário e
aqui faz um calor danado.
Tenho que me encontrar com o Cinema no Centro, lá vou a
caminhar. Foi difícil, me desviei e não consegui esse encontro, todas as
inacreditáveis películas animadas vieram falar sobre animação. Como sou animado
e amo os atores, tentei o quanto pude desvencilhar-me deste nó. Em vão. Mas foi bom também.
Para usar os termos atuais. De dentro do meu esconderijo secreto um conhecido
me chamou, tive que atender, então por ali a girar estive durante aquele curto
espaço temporal, infelizmente com muita ansiedade. Detesto as ansiedades. As
traio constantemente desde cedo com as compulsivas. Pois bem, continuo esse dia
até chegar ao seu fim. Hoje já é amanhã. Começo a improvisação, assumi o jazz
que sou dentro de mim, chegado ao samba desde sempre e agora sem ter por onde
mais me esconder. Na Quarta Feira cedo de cinzas, tive a triste notícia da morte
do Dominguinhos. Quando chego a Banca que toda manhã compro jornal, tinha em
exposição um acordeão miniatura que comprei imediatamente. Para mim foi um
sinal. De que ainda não consegui saber, continuei meu trajeto. Pelo caminho
vieram as controvérsias a me confundir. Livrei-me com um belo drible pela outra
janela da esquerda e reencontrei a volúpia minha louca velha paixão, que me
levou para a esquina mais confortável. Após uma aconchegante namoradinha
esperta, com uma clave de coxas roliças e tudo mais, ela me acompanhou até a
minha próxima e mais complicadinha questão daquela tarde irremediavelmente
transgressora. Tive que penetra-la pela porta aberta sem dúvidas nem
hesitações. Consegui atingir com delicadeza e em perspectiva o ponto x, que já
merecia, diante da situação dominada com curvas. Tinha eu que continuar. Agora
era mais densa a proposta apresentada. Do sofá da tarde depois de ouvir este
piano, fui ver Sedução da Carne do Luchino Visconti. Afinal tinha que descansar
um pouquinho. Alida Valli. Vivo devaneando em profusão e tenho faltado a vários
compromissos obrigatórios, naturalmente como sempre fui. Está na hora de mudar.
A minha felicidade está sonhando com os olhos da minha namorada. Amar sem
mentir. Despertei renascido. Nada melhor que cinema de mestre para acalmar
turbulências internas. Ópera e melodrama. Ilustrado e embalado por Bruckner e
Verdi. De noitinha fui dar uma voltinha antes do fim do mundo para fugir da
controvérsia que estava me rondando. Depois do anunciado fim do mundo me encontrei
casualmente com a Antígona no Bar do Caçapa. Durante um longo papo demos um nó
nas tripas das frivolidades, a Antígona é antiguinha e decidida. O segredo era
só nosso. Voltei à hora do recreio, ao parque de diversões. Passeamos de mãos
dadas pela noite estrelada. Quando voltei, a ilusão tinha viajado de ônibus
elétrico, então fui sozinho ao bomBardeio tomar uma providência que se fazia
necessária. A tessitura veio me procurar e vagamos até o fim daquela noite pela
região do Leme. Pela manhã com a solidão a me acompanhar consegui finalmente me
encontrar com o Cinema no Centro da questão. Na seqüência, exato no finalzinho
da manhã, a pletora me pegou para almoçar no melhor restaurante Árabe vindo de
Portugal, logo ali no meio do quarteirão. Comi bem, tão redonda lua. Como
flutua e no silencio lento, cheio de estrelas. Um trovador vem navegando o azul
do firmamento. A visão desdramatizada supõe rompimento da relação dramática
câmera/personagem, consequentemente autonomia da câmera do ator e do microfone
assim como da música e do diálogo. Sua “função’ consiste em constatar os seres
e objetos, convertendo-se em personagem de Cinema: testemunha ocular.
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