VI VOCÊ SORRINDO COM OS OLHOS PARA MIM
Fábio Carvalho
O Abade T... Prova que os
prazeres dos prelúdios
amorosos são lícitos sob
todos os aspectos.
Anônimo do século XVIII autor
de
Teresa Filósofa
Ascendi um incenso de
alecrim, ontem ao chegar de Ouro Preto dia 24 do 6 do 13, dia de São João, dia
da visão da infância lembrada de Guignard: balões coloridos subindo ao céu da
noite de Nova Friburgo. Na caixa estava escrito seus predicados: protege de
magia, acalma e cura. São João, São João ascende fogueira no meu coração. E
amanhã as ruas de Belo Horizonte pegam fogo. Pensei e disse que não ia, mas
vou. Tenho que me desdizer. Voltei fotógrafo instantâneo de neblinas
congeladas. Acertei-me com a cameretazinha Sony que cabe na palma da mão. Ela
ali se alojou. Há algum tempo não fotografava e parava a imagem, só a contra
gosto quando pediam a mim em festividades e encontros, durante este hiato meu
prazer morava na imagem-movimento. Agora buscando viajar Guignard, na mecânica
do lápis duro, reencontrei a libido dessa experiência rigorosa. Sempre fui
assim, gosto do frio nas montanhas. Não passo de um observador constante e
fugaz. Para registrar tenho que vencer a madorna e encontrar o meio, por vezes
depois de encontrado já foi perdido o sentido da necessidade, como o som que se
foi. Temos o cinemão, o cineminha e o meio cinema. A ladeira de Santa Efigênia
conseguiu me reanimar, ainda atravessar a ponte Marília de Dirceu, e avistar em
baixo dela no Largo de Antônio Dias o belíssimo jardim da residência da amante
do pai do Aleijadinho, a Casa das Xícaras. Esta visão deixou-me alumbrado. A
camereta e eu, eu e a camereta. Exatamente em um dos passos do mestre, incluso
e agradecido aos dedicados estudiosos pelos encaminhamentos que me
direcionaram. O céu é tão lindo e a noite é tão boa. O Retrato de Doralinda,
como é linda a Doralinda de 1941 em diante, e eu não a conhecia. Ao fundo
serras verdes, céus azuis, nuvens brancas e uma flor vermelha nos cabelos
pretos no frontispício. Olho que ela me olha severa como minha filha. Como
escrever um quadro? Comecemos não descrevendo. Podemos nos postar em várias
posições em relação ao seu plano, aguçar a objetiva e achar como vê-lo.
Comovidos. Quem sabe ouvi-lo com os olhos. Guignard espetáculo pintando em tela
grande Imaginante, encomenda fértil para a Feira de Amostras de Belo Horizonte,
comigo assistindo no camarote da dissidência, melhor dizendo da cisão, em apoio
a todos discriminados de sempre como ele. À noite depois da manifestação vamos
ao Pecatore comer peixes e continuar pensando cinema, para nos livrarmos de
algumas questões e darmos chance para outras que bem merecem. Vino Véritas.
Tudo que nasce é rebento. O homem dos olhos doces. Continuo me rebelando não me
iludo mais, naquele universo humano-pictórico, um mito claramente
apresentou-se: expressão de o Suplício de Tântalo. Guignard. Quem é ela?
Amalita. Fiz lentes novas escuras em degrade no meu grau. A armação foi
recauchutada.
Enxergo assim melhor, ou
acho. Agora ascendi ao último palito de incenso de Alfazema, e encontrei alguns
discos dos filmes que procurava durante anos. Uma pilha de livros está
avançando sobre mim, tomando todo meu pequeno espaço. Caminhando por aquelas
ruelas friorentas, especialmente quando ia sozinho, vivi algumas aproximações
desconhecidas e ao mesmo tempo muito familiares, distantes e próximas. Vamos
divagando por estes passos. Estou aqui agora, mas ainda continuo por lá,
flanando. Fomos ao concerto do quarteto de cordas Radamés Gnatalli na
extraordinária Igreja do Pilar. Reza a lenda que Guignard deitava-se no chão
para desenhar observando o forro da nave com um conjunto de afrescos atribuídos
a João de Carvalhais. Vamos filmar da mesma posição.
Dionísio está lá representado
belo e grandioso do lado esquerdo do altar logo em baixo. Baco, aquele que faz
trovejar ou aquele que grita alto para os romanos. Amalita a música. Quando
Guignard viu pela primeira vez a poetiza Cecília Meireles, imediatamente se
apaixonou, saiu correndo e voltou com um quadro para ela, ainda com a tinta
fresca. Ela lhe escreveu um poema, bastante divulgado, impresso por todos os
lados, inclusive na parede da varanda do Grande Hotel. Fez-lhe também outro,
pouco conhecido, que só agora descobri e prefiro. Chamado Improviso para
Guignard, aí vai: Árvores de nuvens e flores do mar: - levai-me a esse mundo do
rei Guignard! Em barcos e flores iremos cantar às aves e aos peixes do rei
Guignard! As rochas de espuma as conchas de luar o sonho pousado em ramagens de
mar. -Levai-me a esse reino do rei Guignard!
Encantaram-me os cartões do
Guignard, que no meu despreparo também não conhecia. Quase descarados. 2 vidas
pelas artes. Musa Música Amalita. 1 vida para a música. Baile na estratosfera.
Nossa vida pela arte. Quem será? Sempre sonhamos na vida inteira. Dedico esta
pequena lembrança a minha toda bem querida amiga Amalita Fontenelle. Quantos
foram? Sim, sim, sim. Não, não, não. Como será o futuro? Feliz futuro.
Transcrevo só mais este, já que não tenho desenhado: nem só da arte vive o
homem Guignard desenhado. Vive de mágoas também. P´ra distrahir minhas magoas.
Namoro com ella e toco vitrola.
Meus amigos, meus
professores, meus alunos. Todos amam Guignard. O novo encordoamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário