AMAXON
(Primeiro texto escrito quando acabava a edição do filme)
Depois de um tempo me dedicando a literatura e as artes plásticas, retornei
ao que mais gosto de fazer – cinema.
Estou em fase final de montagem,
refazendo, uma vez mais, o último corte
do meu novo longa metragem – Amaxon
– onde a solidão, o desprezo, o limite,
a farsa e o caos humano são os
protagonistas da história e da
transformação de Laura, uma escritora
visionária.
Eu acho que consegui, nesta composição
cinematográfica feita em vídeo,
depois de algumas experiências bem
sucedidas com o sistema digital,
conquistar, na gravação e na edição de
Amaxon, o máximo da tecnologia a mim
oferecida por uma produção a custo quase
zero.
Sou da época das moviolas, das trucas,
dos equipamentos pesados de filmagem.
Costumo afirmar aos amigos que por não
ter conseguido emplacar os meus
velhos projetos nos editais de cinema,
renovei, melhor, elevei os meus
conceitos sobre a arte de se registrar
em imagem digital, os textos, as
músicas e os ruídos encontrados no
silêncio cinematográfico dos meus
fantasmas.
Procurei com essas formidáveis
ferramentas de registro dar vazão as minhas
loucuras artísticas e cinematográficas
de uma maneira nova, sem prescindir
de todo o conhecimento adquirido, a duras
pena, em toda a jornada que é
fazer cinema no Brasil.
Longo é o caminho! Consegui não enlouquecer – lembrando Murilo Mendes "São
dois olhos pra fora e milhões de olhos
pra dentro" – combatendo as mil
vozes que falam sem cessar dentro de
mim.
Escrever um bom livro é muito mais
difícil que fazer um bom cinema. Mas
fazer cinema dá muito mais trabalho.
O livro que terminei de escrever conta
três histórias de um mesmo casal.
Eles vivem uma vida de aventura e de conflitos
irremediáveis – Eles se
chamam Laura e Lourenço e fazem parte de
um todo. Livro e cinema - Trilogia
da separação – Amaxon! Nada de novo. Mas
é no texto, construindo a imagem,
que surge a novidade para o leitor e o
espectador.
Amaxon é o quarto movimento deste livro.
Ele tinha sido esboçado para o que
seria o meu "O Quarteto de
Alexandria, de Lawrence Durrell. Não consegui
chegar a tanto. O texto foi guardado
para se tornar cinema. É nele que os
protagonistas da trilogia, já velhos
vivem o outro tempo, o outro mundo, o
outro lugar onde se desenrola o final de
todas as histórias.
Seria perfeito se pudéssemos produzir os
quatro filmes. Este seria sim um
bom e novo quarteto. O último está quase
pronto, faltam ainda três! - É
melhor esperar a edição do livro e
depois quem sabe, dependendo do sucesso,
com muito dinheiro e uma boa produção, vêm
os filmes, me disse um rico
empresário que trabalha no mercado
cultural de Minas Gerais.
Quando estava indo de Belo Horizonte ao
Rio, lá pelos idos de 85, editar com
Dominique Paris e meu amigo Amauri
"Um Filme 100% Brazileiro", dei uma
entrevista a um jovem videomaker chamado
Eder Santos sobre a diferença entre
se fazer um filme e um vídeo. Ele editou
a entrevista com as imagens feitas
por um turista que filmava de qualquer maneira,
a câmera em constante
movimento, uma superoito, as suas
viagens a Europa. Ficou engraçado o vídeo
editado. Não importa o meio, tem que
saber fazer.
Venho trabalhando com vídeo desde 1982.
Gravei a abertura política por que
passou o estado brasileiro que resultou
em um vídeo de longa metragem
intitulado Liberdade. Assim sei, pela
prática, que não se pode fazer um bom
vídeo com a mesma estética, a mesma
linguagem, que se faz um bom filme. São
matérias de impressões diferentes –
imprime-se um pelo calor e intensidade
da luz, o outro pela frieza dos circuitos
por onde os fotoelétrons em
códigos binários constroem a imagem. Uma
depende de muito dinheiro e a outro
de dinheiro nenhum.
O cinema vem do teatro e o vídeo vem do
rádio, da televisão.
Amaxon tem na sua composição imagens de
três tipos de fotografia digital. A
maior parte realizada, com maestria,
pelo jovem fotógrafo cabo-friense
Marcelo Pegado com sua câmera Cannon.
Nas imagens adicionais eu usei uma
Panasonic. As imagens de arquivos em Dvd. Tudo digitalizado e
editado por
mim em uma velha ilha Mac Final Cut 3.
Para o papel de Laura convidei a minha
amiga e atriz do Teatro Oficina Vera
Barreto Leite, que interpretou com arte
e talento um texto difícil, teatral
e nada coloquial. Para o papel de
Lourenço o ator do último filme do meu
saudoso amigo Rogério Sganzerla, o
impagável Otávio III. Acrescentei como
personagens quatro seqüências de dois
filmes que não foram finalizados,
ambos rodados em 16mm, p.b. no início
dos anos 70, INSIDE e MISTERIUS, com
os inesquecíveis Paulo Vilaça e Guaracy
Rodrigues, trazendo de brinde a
maravilhosa Ligia Duran fotografada por
Dirceu Weik.
Quando em Paris assisti na cinemateca
aos filmes de René Clair e de Jean
Cocteau, perguntei a mim mesmo o
porquê daqueles planos de todos correndo
atrás de um velório em disparada?
Essas imagens surreais sempre estão
presentes com suas vozes zunindo em meus
ouvidos e é hoje a minha metáfora
sobre a arte inusitada de se fazer cinema.
Amaxon é pura poesia quando penso em
cinema de arte, experimental,
revolucionário, em Falstaff, de Orson
Welles e outros filmes que existem
desconhecidos de todo o mundo, mas que
ainda nos deixam extasiados na magia
transcendental do oculto de novo
experimentado.
É como ouvir novamente Villa-Lobos, Guarnieri,
e muitos outros bons
compositores que enchem de arte de
primeira o sentimento de quem quer ouvir
o canto sempre novo de suas musicas
repletas de nossas melhores imagens.
Afinal vivo em um país que é de cinema
onde tenho dois filhos – um de sangue
e o outro de coração – que são músicos e
amantes do bom cinema. Os dois,
Emiliano Sette e José Luiz, são os
autores da trilha sonora de Amaxon. Posso
dizer que estou orgulhoso dos dois. A composição
- Infinito Azul, de
Emiliano - que abre as cortinas de
Amaxon, com sua poesia forte, pertinente,
cantada pela doce Ava Rocha, que também
narra toda a trama, é de uma
estranha beleza nas suas variações
melódicas dissonantes pontuando o mosaico
de imagens e propondo o enigma. José
Luiz fecha esse paradigma de cinema e
poesia, homenageando o mar e a lagoa no
encontro mágico do Muiraquitã e
depois nos apresenta com estremo bom gosto, a trilha final. O tema é frenético,
urbano,
como contraponto a todo paraíso conquistado na figura mitológica de uma
guerreira
pura e livre.
Como compreender tudo isso sem observar,
com muita atenção Amaxon, o
enigma proposto e depois decifrá-lo? No
mundo real a intuição dos gênios e a
beleza das artes são controladas pela
barbárie do dígito e pela desinformação do texto.
Em Amaxon cada pergunta busca uma
resposta da narradora que com sua voz
grave de trovão constrói com a
protagonista um diálogo poético de todas as
respostas.
Falta para Amaxon ficar definitivamente pronto,
entregar um arquivo de
imagem e outro com o projeto da edição
para o meu sobrinho Damião Lopes, o
melhor editor de som da cidade e fechar
com Emiliano e o Garimpo Estúdio a
trilha final. Depois é mixar e tirar a
cópia beta digital para este novo
sistema de projeção por satélite que me
esqueço do nome.
Tudo pronto. Tudo azul. Ai começa o
tormento de encontrar um distribuidor e
depois o lançamento, cartaz, baner, etc.
- Amaxon precisa ser exibido! - Em
que cinema? E finalmente qual
festival de cinema mundo afora vai querer
exibi-lo sem ter de fazer a
transferência de imagem para película 35mm?
Ana Sette, nossa competente produtora,
Marcos Azevedo, assistente de todas
as horas, Raquel Ribeiro, companheira de
jornada e toda a equipe que
trabalhou neste projeto sabem que ainda
temos um longo caminho pela frente
até que Amaxon chegue ao grande público,
que já está cansado de tanta
mesmice e espera ávido por alguma
novidade nas artes cinematográficas.
Amaxon é a novidade que fala e mostra o que você precisa
ver e ouvir.
Estou por tudo isso publicando ele na minha página do youtube.
Depois de um tempo me dedicando a literatura e as artes plásticas, retornei
ao que mais gosto de fazer – cinema. Estou em fase final de montagem,
refazendo, uma vez mais, o último corte do meu novo longa metragem – Amaxon
– onde a solidão, o desprezo, o limite, a farsa e o caos humano são os
protagonistas da história e da transformação de Laura, uma escritora
visionária.
Eu acho que consegui, nesta composição cinematográfica feita em vídeo,
depois de algumas experiências bem sucedidas com o sistema digital,
conquistar, na gravação e na edição de Amaxon, o máximo da tecnologia a mim
oferecida por uma produção a custo quase zero.
Sou da época das moviolas, das trucas, dos equipamentos pesados de filmagem.
Costumo afirmar aos amigos que por não ter conseguido emplacar os meus
velhos projetos nos editais de cinema, renovei, melhor, elevei os meus
conceitos sobre a arte de se registrar em imagem digital, os textos, as
músicas e os ruídos encontrados no silêncio cinematográfico dos meus
fantasmas.
Procurei com essas formidáveis ferramentas de registro dar vazão as minhas
loucuras artísticas e cinematográficas de uma maneira nova, sem prescindir
de todo o conhecimento adquirido, a duras pena, em toda a jornada que é
fazer cinema no Brasil.
Longo é o caminho! Consegui não enlouquecer – lembrando Murilo Mendes "São
dois olhos pra fora e milhões de olhos pra dentro" – combatendo as mil
vozes que falam sem cessar dentro de mim.
Escrever um bom livro é muito mais difícil que fazer um bom cinema. Mas
fazer cinema dá muito mais trabalho.
O livro que terminei de escrever conta três histórias de um mesmo casal.
Eles vivem uma vida de aventura e de conflitos irremediáveis – Eles se
chamam Laura e Lourenço e fazem parte de um todo. Livro e cinema - Trilogia
da separação – Amaxon! Nada de novo. Mas é no texto, construindo a imagem,
que surge a novidade para o leitor e o espectador.
Amaxon é o quarto movimento deste livro. Ele tinha sido esboçado para o que
seria o meu "O Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell. Não consegui
chegar a tanto. O texto foi guardado para se tornar cinema. É nele que os
protagonistas da trilogia, já velhos vivem o outro tempo, o outro mundo, o
outro lugar onde se desenrola o final de todas as histórias.
Seria perfeito se pudéssemos produzir os quatro filmes. Este seria sim um
bom e novo quarteto. O último está quase pronto, faltam ainda três! - É
melhor esperar a edição do livro e depois quem sabe, dependendo do sucesso,
com muito dinheiro e uma boa produção, vêm os filmes, me disse um rico
empresário que trabalha no mercado cultural de Minas Gerais.
Quando estava indo de Belo Horizonte ao Rio, lá pelos idos de 85, editar com
Dominique Paris e meu amigo Amauri "Um Filme 100% Brazileiro", dei uma
entrevista a um jovem videomaker chamado Eder Santos sobre a diferença entre
se fazer um filme e um vídeo. Ele editou a entrevista com as imagens feitas
por um turista que filmava de qualquer maneira, a câmera em constante
movimento, uma superoito, as suas viagens a Europa. Ficou engraçado o vídeo
editado. Não importa o meio, tem que saber fazer.
Venho trabalhando com vídeo desde 1982. Gravei a abertura política por que
passou o estado brasileiro que resultou em um vídeo de longa metragem
intitulado Liberdade. Assim sei, pela prática, que não se pode fazer um bom
vídeo com a mesma estética, a mesma linguagem, que se faz um bom filme. São
matérias de impressões diferentes – imprime-se um pelo calor e intensidade
da luz, o outro pela frieza dos circuitos por onde os fotoelétrons em
códigos binários constroem a imagem. Uma depende de muito dinheiro e a outro
de dinheiro nenhum.
O cinema vem do teatro e o vídeo vem do rádio, da televisão.
Amaxon tem na sua composição imagens de três tipos de fotografia digital. A
maior parte realizada, com maestria, pelo jovem fotógrafo cabo-friense
Marcelo Pegado com sua câmera Cannon. Nas imagens adicionais eu usei uma
Panasonic. As imagens de arquivos
mim em uma velha ilha Mac Final Cut 3.
Para o papel de Laura convidei a minha amiga e atriz do Teatro Oficina Vera
Barreto Leite, que interpretou com arte e talento um texto difícil, teatral
e nada coloquial. Para o papel de Lourenço o ator do último filme do meu
saudoso amigo Rogério Sganzerla, o impagável Otávio III. Acrescentei como
personagens quatro seqüências de dois filmes que não foram finalizados,
ambos rodados em 16mm, p.b. no início dos anos 70, INSIDE e MISTERIUS, com
os inesquecíveis Paulo Vilaça e Guaracy Rodrigues, trazendo de brinde a
maravilhosa Ligia Duran fotografada por Dirceu Weik.
Quando em Paris assisti na cinemateca aos filmes de René Clair e de Jean
Cocteau, perguntei a mim mesmo o porquê daqueles planos de todos correndo
atrás de um velório em disparada? Essas imagens surreais sempre estão
presentes com suas vozes zunindo em meus ouvidos e é hoje a minha metáfora
sobre a arte inusitada de se fazer cinema.
Amaxon é pura poesia quando penso em cinema de arte, experimental,
revolucionário, em Falstaff, de Orson Welles e outros filmes que existem
desconhecidos de todo o mundo, mas que ainda nos deixam extasiados na magia
transcendental do oculto de novo experimentado.
É como ouvir novamente Villa-Lobos, Guarnieri, e muitos outros bons
compositores que enchem de arte de primeira o sentimento de quem quer ouvir
o canto sempre novo de suas musicas repletas de nossas melhores imagens.
Afinal vivo em um país que é de cinema onde tenho dois filhos – um de sangue
e o outro de coração – que são músicos e amantes do bom cinema. Os dois,
Emiliano Sette e José Luiz, são os autores da trilha sonora de Amaxon. Posso
dizer que estou orgulhoso dos dois. A composição - Infinito Azul, de
Emiliano - que abre as cortinas de Amaxon, com sua poesia forte, pertinente,
cantada pela doce Ava Rocha, que também narra toda a trama, é de uma
estranha beleza nas suas variações melódicas dissonantes pontuando o mosaico
de imagens e propondo o enigma. José Luiz fecha esse paradigma de cinema e
poesia, homenageando o mar e a lagoa no encontro mágico do Muiraquitã e
depois nos apresenta com estremo bom gosto, a trilha final. O tema é frenético,
Como compreender tudo isso sem observar, com muita atenção Amaxon, o
enigma proposto e depois decifrá-lo? No mundo real a intuição dos gênios e a
beleza das artes são controladas pela barbárie do dígito e pela desinformação do texto.
Em Amaxon cada pergunta busca uma resposta da narradora que com sua voz
grave de trovão constrói com a protagonista um diálogo poético de todas as
respostas.
Falta para Amaxon ficar definitivamente pronto, entregar um arquivo de
imagem e outro com o projeto da edição para o meu sobrinho Damião Lopes, o
melhor editor de som da cidade e fechar com Emiliano e o Garimpo Estúdio a
trilha final. Depois é mixar e tirar a cópia beta digital para este novo
sistema de projeção por satélite que me esqueço do nome.
Tudo pronto. Tudo azul. Ai começa o tormento de encontrar um distribuidor e
depois o lançamento, cartaz, baner, etc. - Amaxon precisa ser exibido! - Em
que cinema? E finalmente qual festival de cinema mundo afora vai querer
exibi-lo sem ter de fazer a transferência de imagem para película 35mm?
Ana Sette, nossa competente produtora, Marcos Azevedo, assistente de todas
as horas, Raquel Ribeiro, companheira de jornada e toda a equipe que
trabalhou neste projeto sabem que ainda temos um longo caminho pela frente
até que Amaxon chegue ao grande público, que já está cansado de tanta
mesmice e espera ávido por alguma novidade nas artes cinematográficas.
Segundo Texto
Não queria mais falar sobre o complexo e misterioso sistema que
movimenta o cinema brasileiro, mas, com as últimas notícias recebidas, não
posso me furtar a algumas verdades e tenho que escrever, talvez, um último
libelo sobre a ignorância dos organizadores de mostras e festivais de cinema
por todo o país e também no exterior.
O cinema, para mim, mais que a literatura, é uma leitura
sofisticada do saber humano aos olhos de um observador atento. Um observador
que saiba ver e tenha visões.
Alguns observadores são distintos: um intelectual bem informado;
um bom artista; um ser inteligente, alguns pretensiosos, outros destrutivos; um
crítico pernóstico, invejoso; um taumaturgo apaixonado pela magia do
audiovisual; um déspota disposto a por fogo em Roma; um anarquista desordeiro;
um músico sensível e outro ordinário; um pintor de quadros e outro de paredes;
um burocrata arrogante; um profissional libertino; um liberal punheteiro;
prostitutas e madames, autores e estrelas. Qual destes personagens viu Amaxon?
Para cada espécie de observador existe um texto, um filme
específico, que na certa ele vai se identificar e gostar, mas a grande maioria
dos que observam a grande tela são diletantes, pessoas que entram na sala de
cinema levadas pela mídia, hoje massacrante, das grandes empresas de
comunicação.
Essas pessoas, da classe média, que não passam de 12 milhões de
espectadores, fazem o público alvo para os grandes sucessos dos filmes
nacionais e estrangeiros. São
eles que geram o aumento da fortuna daqueles privilegiados que já estão muito
ricos, produtores e exibidores, pois continuam produzindo no Brasil os seus
filmes comerciais com os milhões necessários da renúncia fiscal. Pergunto: por
que não se cria um cine-banco de investimento para os filmes que pretendem
conquistar o grande público?
O processo político-cultural precisa urgentemente de uma reforma
de base.
Digo isso para mostrar que os festivais de cinema no Brasil,
também produzidos com
valores superiores a um milhão de reais e incentivados com dinheiro da renúncia
fiscal, deveriam continuar a existir, mas redirecionados ao observador atento
às novidades do mundo cinematográfico, atento para o novo, em termos de
estética e de linguagem, e tudo mais que o cinema contemporâneo e de invenção
feito no país está criando - são geralmente filmes de baixíssimo orçamento,
novos e experimentais -, e não unicamente direcionar o olhar inteligente para
os filmes que têm todas as mídias à disposição, com lançamento simultâneo em
salas por todo Brasil. Para que eles precisam dos festivais?
Não estamos falando de impedir que as grandes produções sejam
exibidas nos grandes e pequenos festivais - são mais de cem festivais no Brasil
-, mas, sim, de que cada festival tenha espaço para o cinema inventivo,
visionário, poético, diferente daquilo que o público está acostumado. Um cinema
de artesão. Na questão do filme Amaxon,
meu único interesse era de exibi-lo, de graça, para um público seleto que
freqüenta os festivais – nada mais.
Nunca se deveria recusar a exibição de um filme como este, que
é, no mínimo, uma nova contribuição ao pobre universo das artes
cinematográficas brasileiras, especialmente por ele ter sido realizado por um
diretor – produtor – fotógrafo – roteirista – editor experiente e consagrado,
com mais de vinte filmes de longa, média e curta metragem produzidos, alguns
deles até bem premiados. Alguma coisa anda errada com as cabeças do poder neste
país.
Faz muitos anos que não mandava meus filmes a nenhum festival de
cinema. Eu já sabia quais eram os critérios adotados por todos eles – a
exibição e seleção única dos filmes que possam interessar ao grande público,
excluindo todos os outros que possam criar polêmicas desnecessárias e incômodas
para a indústria do entretenimento.
Por insistência da família, preocupada com o meu isolamento,
pedi ao jovem fotógrafo do meu filme que remetesse um DVD para os últimos três
festivais que, no final deste ano, apresentavam-se abertos a novas inscrições.
Pareceu-me interessante a experiência: Cuba – Natal – Tiradentes. E me preparei
para o pior, pois fico arrasado quando recusam o óbvio irrecusável.
É quase um acinte: o filme foi sumariamente recusado, como eu
previa, pelos três festivais.
Recusado três vezes pela ótica mercantilista, retrógada,
mesquinha, insensível, colonizada, cega e estúpida de observadores de porta de
festival, desatentos; principalmente os nacionais, como os de Natal e de
Tiradentes. Pensando bem, eles estão certos em recusar o meu filme – polêmico,
anarquista, novo, inteligente, poético, inventivo, provocador – diferente
de tudo que tenham assistido.
Amaxon, para um amador, é hostil, hermético; é difícil
aceitá-lo. Eu é que estou errado em ter mandado às considerações deles minha
pequena obra-prima. Mas a recusa de Cuba, em mim, foi a que causou o maior
espanto. Eles podiam até não gostar do filme, talvez, por não entenderem ou se
sentirem agredidos com o enorme caralho que avança na mão de uma donzela
angelical, numa dança erótica, em direção ao assustado burguês. Ou, quem sabe,
chocados com a poesia louca, abstrata e inventiva da criação? Mesmo assim não
tinham o direito de excluir um filme que é libertário, e também de vanguarda, e
posso até dizer, comunista, pois trata o texto poético do massacre capitalista
contra a liberdade de criação de uma escritora, uma artista, encurralada pela
vida.
Espero que a cópia em DVD deste filme caia em boas mãos, nos
bastidores da burocracia e seja pirateado, para que muitas pessoas,
independente da censura dos festivais, possam assisti-lo. Pois, na certa não
ficarão imunes ao que ele tem para dizer.
Quanto a vocês, organizadores de festivais estatais do cinema
brasileiro, que nunca fizeram cinema, mas que vivem e muito bem dele e estão
sempre acompanhados por jovens burocratas da arte, vampiros oriundos das
universidades dos picaretas, vips que se espalham pelos brasis afora, viajando
como consultores, censores, selecionadores, jurados e professores de oficinas
de cinema, que vivem às custas do erário e que são muitas vezes também
financiados por fundações estrangeiras e hostis aos interesses nacionais, é
preciso que aprendam a respeitar os artistas mais velhos, os que ainda
permanecem rebeldes e iconoclastas, mesmo sem compreendê-los, pois eles
representam o seu futuro.
Primeira Crítica
“AMAXON, UMA ODISSÉIA NA CRIAÇÃO PENSADA “
Em memória de Jairo Ferreira
Talvez tenhamos nos transformado nessa máquina horripilante de negação dos
sonhos! E no que trituraram todas as singularidades, fomos transformados num
exército de múmias, de burocratas, de deslumbrados e idiotas. Uma nova
encenação do que seja, não pode ser mais uma condenação a nociva prostituição,
achatada à TV. Deve-se ousar na desarmonia, do desnudamento da carne e do
abandono na subjetividade. Ora, se o cinemão se realiza sem subjetividade
criativa alguma, a nós deve interessar fundamentalmente uma nova linguagem
gerada na teatralização de transcendências. Acrescente-se a isso que o país
vive do seu esvaziamento a 509 anos, e mais programadamente a 55 anos. Ou seja,
desde o golpe militar de 1964. Ora, como purificar artesanalmente esta
quantidade infindável de urina e excremento?
“AMAXON” é um esforço poético-radical, para nos fazer pensar na complexidade do
processo criativo. Ora, de que nos adianta fazer trabalhos de encomenda? Cinema
virou filminho publicitário? O que muda nessa falência global de desencontros?
O mundo hoje visto pela TV, é só o lixo como mercadoria de quinta, obviamente
espetacularizado. Putas e canastrões são vendidos como profundos e sensíveis.
Mas a quê? A “nota”? José Sette vai no sentido contrário de tudo e todos,
elaborando com o seu terceiro longa-metragem, uma projeção de palavras a serem
pensadas, fazendo um delicado filme que dá representabilidade a um pensamento
sombrio expressivo, nessa sua transfiguração da normalidade do processo de
criação. Sette vai aos extremos, numa escalada implacável rumo à uma poesia
ainda que delicada, difícil para o grande público, todo condicionado a
Hollywood e a TV.
“AMAXON” é o hospital-Brasil, em que todos somos condenados. A personagem da
escritora reage ao internamento e tratamento, e se debate com uma coragem
incrível. A linguagem do filme atravessa uma infinidade de vísceras, infernos e
imaginações. A carne-viva exposta, torna-se uma espécie de gozo-trágico. Um filme-dor
que nos remete ao teatro de Artaud. Incomodo aqui. Indizível ali. Longe e
próximo de todos nós que sobrevivemos ao apocalipse de 1964. Não poderia ser um
filme diferente. Foi difícil não apodrecer junto, e continuar sonhando com um
Brasil mais justo, humano e para todos. Ainda assim, salvaram-se os poetas e
artistas. Vera Barreto como escritora, é uma espécie de vísceras expostas;
sendo recolhidas para continuar a ser demasiadamente humana.
Pouco importa que não seja um filme fácil, ou para muito. É cinema! Uma cinema
que emerge de toda essa putrefação de 1964 à 2009. Sette trabalha com precisão
a sua não-linguagem fácil, pois lhe interessa mais um fluxo poético de
contradições gramaticais voltadas para o pensamento-profundo e o cinema
autoral. É o velho-jovem cineasta independente que agiganta sua escritora na
solidão e na coragem de não ser comum. Que entre só sofrer e morrer, prefere
escrever enfrentando os seus muito demônios. Que lê, bebe, fuma... se debatendo
entre contradições geradas na TV, por um jornalista que como todos,
espetaculariza o caos ameaçando com a onda gigantesca, definitiva. Onda que até
é mostrada, mas que não chega pois é apenas uma manipulação da comunicação, do
dinheiro e da morte que sempre nos acompanha.
E se a representação do mundo e da política se tornou imbecil, compete a arte
transformar todo esse excremento, numa espécie de teatralização de uma
“escrita-física” que Vera Barreto faz muito bem, num trabalho raro e exemplar,
onde se realiza em sua intimidade frente a insatisfação da obrigação: a do
livro de encomenda que precisa ser escrito. E uma vez mais, o conceito de
subordinação ao dinheiro como a arte terapia dos tantos e tantos eletrochoques
de nossas vidas. É onde os porco se acham mais fortes.
Entre livros e copos de vinho, em sua solidão pensa na grande onda da sua
insatisfação. A onda que está fora, está dentro e que desencadeia contradições
levando-a nua aos seus próprios limites grandiosos de exposição poética. É uma
escritora, mas é também atriz e mulher. E que ao entregar-se as suas pulsões
transforma-se em crítica de si mesma, ainda que aguçando o seu desprezo pela
“lógica” imperceptível da mercadoria e do consumo. O sistema sabe bem o que
faz, e se não tivermos um mínimo de sonhos, seremos transformados em imagens
despotencializadas e vazias. A TV não faz isso todos os dias?
Sette não faz um cinema-coisa, a logo ser esquecido ou descartado. Nesse ponto
aproxima-se de Tonacci, Sergio Santeiro, Eliseu Visconti, Jorge Mourão e da
nova geração. E se “o mundo é apenas engano”, como afirmava François Villon,
“AMAXON” o subverte desprezando o patamar qualitativo do sucesso fácil.
Arbitrário, como postura, investe no estilo insurrecional como ruptura e
negação do obscurantismo avançado da domesticada política cultural do governo,
seja lá de que Partido for. E não são todos iguais lutando apenas pelo poder? E
se a chantagem e o obscurantismo servem ao poder, de nada serve um cinema essencial
a representabilidade de uma vanguarda que não conseguiram matar. E que hoje convence
muito mais que no passado.
É preciso frisar a importância de um filme feito do nada e que não se reduz a
razão que tudo tenta explicar. Nesse sentido reintroduz no cinema brasileiro,
complexas subjetivações necessárias ao crescimento de um público menos
contaminado por Partidos, por prostíbulos e pela TV, pois transgride
permanentemente a ordem como instituição sagrada. A Sette e sua equipe
interessa abandonar o manicômio das disciplinas do certo e do errado, sem
sacrificar mais nada. Ao seu cinema interessa as diferenças e os deslocamentos
possíveis, como acesso a um permanente ultrapassar-se. Sua trajetória é impar
no nosso cinema. É um experimentador muito além do buraco negro em que
transformaram o cinema brasileiro, e que fez um novo filme de uma lucidez
atrozmente insuportável.
Sette torna profundo e feminino o discurso da personagem da escritora, e com
suas imagens poderosas desfaz o território pouco ou nada significativo da TV,
pois faz Cinema! Dá significação a um novo olhar. Enfim, produz intensidades
poéticas. “AMAXON” são pedaços restituídos a um corpo ainda que amordaçado pelo
tempo que passa para todos, poderoso e uma vez mais agigantado, pois se assume,
indo além da representação e da escrita. E a vida que não deveria ser pobre e
empobrecida como é, torna-se gozo por parte de todos. Filme infinito ao
reinventar a criação simbólica imperfeita. Ainda bem.
LUIZ ROSEMBERG FILHO
RJ, 2009
Em memória de Jairo Ferreira
Talvez tenhamos nos transformado nessa máquina horripilante de negação dos sonhos! E no que trituraram todas as singularidades, fomos transformados num exército de múmias, de burocratas, de deslumbrados e idiotas. Uma nova encenação do que seja, não pode ser mais uma condenação a nociva prostituição, achatada à TV. Deve-se ousar na desarmonia, do desnudamento da carne e do abandono na subjetividade. Ora, se o cinemão se realiza sem subjetividade criativa alguma, a nós deve interessar fundamentalmente uma nova linguagem gerada na teatralização de transcendências. Acrescente-se a isso que o país vive do seu esvaziamento a 509 anos, e mais programadamente a 55 anos. Ou seja, desde o golpe militar de 1964. Ora, como purificar artesanalmente esta quantidade infindável de urina e excremento?
“AMAXON” é um esforço poético-radical, para nos fazer pensar na complexidade do processo criativo. Ora, de que nos adianta fazer trabalhos de encomenda? Cinema virou filminho publicitário? O que muda nessa falência global de desencontros? O mundo hoje visto pela TV, é só o lixo como mercadoria de quinta, obviamente espetacularizado. Putas e canastrões são vendidos como profundos e sensíveis. Mas a quê? A “nota”? José Sette vai no sentido contrário de tudo e todos, elaborando com o seu terceiro longa-metragem, uma projeção de palavras a serem pensadas, fazendo um delicado filme que dá representabilidade a um pensamento sombrio expressivo, nessa sua transfiguração da normalidade do processo de criação. Sette vai aos extremos, numa escalada implacável rumo à uma poesia ainda que delicada, difícil para o grande público, todo condicionado a Hollywood e a TV.
“AMAXON” é o hospital-Brasil, em que todos somos condenados. A personagem da escritora reage ao internamento e tratamento, e se debate com uma coragem incrível. A linguagem do filme atravessa uma infinidade de vísceras, infernos e imaginações. A carne-viva exposta, torna-se uma espécie de gozo-trágico. Um filme-dor que nos remete ao teatro de Artaud. Incomodo aqui. Indizível ali. Longe e próximo de todos nós que sobrevivemos ao apocalipse de 1964. Não poderia ser um filme diferente. Foi difícil não apodrecer junto, e continuar sonhando com um Brasil mais justo, humano e para todos. Ainda assim, salvaram-se os poetas e artistas. Vera Barreto como escritora, é uma espécie de vísceras expostas; sendo recolhidas para continuar a ser demasiadamente humana.
Pouco importa que não seja um filme fácil, ou para muito. É cinema! Uma cinema que emerge de toda essa putrefação de 1964 à 2009. Sette trabalha com precisão a sua não-linguagem fácil, pois lhe interessa mais um fluxo poético de contradições gramaticais voltadas para o pensamento-profundo e o cinema autoral. É o velho-jovem cineasta independente que agiganta sua escritora na solidão e na coragem de não ser comum. Que entre só sofrer e morrer, prefere escrever enfrentando os seus muito demônios. Que lê, bebe, fuma... se debatendo entre contradições geradas na TV, por um jornalista que como todos, espetaculariza o caos ameaçando com a onda gigantesca, definitiva. Onda que até é mostrada, mas que não chega pois é apenas uma manipulação da comunicação, do dinheiro e da morte que sempre nos acompanha.
E se a representação do mundo e da política se tornou imbecil, compete a arte transformar todo esse excremento, numa espécie de teatralização de uma “escrita-física” que Vera Barreto faz muito bem, num trabalho raro e exemplar, onde se realiza em sua intimidade frente a insatisfação da obrigação: a do livro de encomenda que precisa ser escrito. E uma vez mais, o conceito de subordinação ao dinheiro como a arte terapia dos tantos e tantos eletrochoques de nossas vidas. É onde os porco se acham mais fortes.
Entre livros e copos de vinho, em sua solidão pensa na grande onda da sua insatisfação. A onda que está fora, está dentro e que desencadeia contradições levando-a nua aos seus próprios limites grandiosos de exposição poética. É uma escritora, mas é também atriz e mulher. E que ao entregar-se as suas pulsões transforma-se em crítica de si mesma, ainda que aguçando o seu desprezo pela “lógica” imperceptível da mercadoria e do consumo. O sistema sabe bem o que faz, e se não tivermos um mínimo de sonhos, seremos transformados em imagens despotencializadas e vazias. A TV não faz isso todos os dias?
Sette não faz um cinema-coisa, a logo ser esquecido ou descartado. Nesse ponto aproxima-se de Tonacci, Sergio Santeiro, Eliseu Visconti, Jorge Mourão e da nova geração. E se “o mundo é apenas engano”, como afirmava François Villon, “AMAXON” o subverte desprezando o patamar qualitativo do sucesso fácil. Arbitrário, como postura, investe no estilo insurrecional como ruptura e negação do obscurantismo avançado da domesticada política cultural do governo, seja lá de que Partido for. E não são todos iguais lutando apenas pelo poder? E se a chantagem e o obscurantismo servem ao poder, de nada serve um cinema essencial a representabilidade de uma vanguarda que não conseguiram matar. E que hoje convence muito mais que no passado.
É preciso frisar a importância de um filme feito do nada e que não se reduz a razão que tudo tenta explicar. Nesse sentido reintroduz no cinema brasileiro, complexas subjetivações necessárias ao crescimento de um público menos contaminado por Partidos, por prostíbulos e pela TV, pois transgride permanentemente a ordem como instituição sagrada. A Sette e sua equipe interessa abandonar o manicômio das disciplinas do certo e do errado, sem sacrificar mais nada. Ao seu cinema interessa as diferenças e os deslocamentos possíveis, como acesso a um permanente ultrapassar-se. Sua trajetória é impar no nosso cinema. É um experimentador muito além do buraco negro em que transformaram o cinema brasileiro, e que fez um novo filme de uma lucidez atrozmente insuportável.
Sette torna profundo e feminino o discurso da personagem da escritora, e com suas imagens poderosas desfaz o território pouco ou nada significativo da TV, pois faz Cinema! Dá significação a um novo olhar. Enfim, produz intensidades poéticas. “AMAXON” são pedaços restituídos a um corpo ainda que amordaçado pelo tempo que passa para todos, poderoso e uma vez mais agigantado, pois se assume, indo além da representação e da escrita. E a vida que não deveria ser pobre e empobrecida como é, torna-se gozo por parte de todos. Filme infinito ao reinventar a criação simbólica imperfeita. Ainda bem.
LUIZ ROSEMBERG FILHO
RJ, 2009
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