O impacto de Chávez na
Venezuela e na América Latina
Paulo
Nogueira (Diário do Centro
do Mundo)
Não é fácil para o leitor brasileiro entender Hugo Chávez. Jornais
e revistas da grande mídia quase sempre se referem a ele de uma forma
extraordinariamente negativa. As críticas a Lula parecem afagos quando se vê a
forma como Chávez é tratado pela mídia nacional.
Ditador. Tirano. Caudilho. Primitivo. Dinossauro. Estes são apenas
alguns dos adjetivos que já parecem estar prontos quando um editorialista ou
colunista brasileiro vai escrever sobre Chávez. Entender tamanha agressividade
à luz da pura lógica é impossível.
Ditador, por exemplo. Chávez chegou ao poder e nele ainda está –
provavelmente em seus últimos dias, dada a virulência do câncer que ele combate
– por causa das urnas. Se ele fosse ditador, para continuar neste adjetivo, as
grandes empresas de jornalismo da Venezuela que o atacam tão ferozmente
estariam caladas.
Stálin não era atacado pela imprensa russa, nem Hitler pela alemã.
Na América do Sul, Pinochet não era chamado pelos jornais chilenos de ditador.
Nem Geisel, ou Médici, ou até Figueiredo, no Brasil. Em ditadura é assim. Mas
na Venezuela de Chávez não é assim. Como chamá-lo, então, de ditador?
VOZ
AOS MISERÁVEIS
O que Chávez fez, essencialmente, foi dar voz a milhões de
venezuelanos miseráveis, que ao longo do tempo foram simplesmente ignorados por
uma elite minúscula que fazia compras em Miami e controlava o poder e as
benesses oriundas dele. Eles monopolizaram os frutos do petróleo, em que a
Venezuela é excepcionalmente rica.
Se os homens que dirigiram desde sempre a Venezuela tivessem
demonstrado interesse pela sorte dos desvalidos e portanto construíssem uma
sociedade menos iníqua, Chávez simplesmente não existiria. Pelo menos não como
o conhecemos.
Ele só emergiu por causa da obra lastimável dos que o antecederam
no poder. Chávez se diz socialista, como o presidente da França, François
Hollande. Mas, como no caso de Hollande, é um socialismo que pouco ou nada tem
a ver com o marxismo. Marx, por exemplo, dizia que a religião é o ópio do povo.
No pronunciamento em que anunciou que tivera uma recaída no câncer
e designou um sucessor para o chavismo, Chávez beijou um crucifixo. Ele invoca
Deus com uma frequência notável. Marx jamais diria: “Este é um dos meus”. E nem
Stálin: ele jamais admitiria um sistema político nos moldes de Chávez, que pode
ser removido por meio de votos livres.
Chávez, em sua trajetória, se indispôs com os Estados Unidos de
Bush. Disse que combatiam o terror com o terror. Mas, conhecida hoje com mais
detalhes a obra de Bush, se pode dizer que Chávez estava falando um absurdo?
Considere. A Guerra do Iraque, sabe-se hoje, foi decretada sob a
falsa premissa de que Saddan Hussein possuía armas de alto poder de destruição.
Pessoas sem julgamento foram encerradas em Guantánamo e submetidas a torturas.
Crianças, mulheres, velhos foram mortos em grande quantidade no mundo árabe, na
era Bush, por drones, os aviões sem tripulação que aterrorizam até hoje os
civis na região.
PROGRAMAS
SOCIAIS
E então? Chávez colocou foco nos pobres, pela primeira vez na
história da Venezuela. Se o poder pode ser comparado a um brinquedo, ele tirou
o brinquedo das mãos de quem estava com ele desde sempre.
E isso semeou um ódio virulento, que extrapolou as fronteiras da
Venezuela e foi dar nos amigos daqueles que monopolizaram o brinquedo. Mas
também semeou votos, reconhecimento e lealdade entre os que foram excluídos da
brincadeira.
Sobre o impacto de Chávez, nada conta tanto quanto o fato de a
oposição a ele, nas últimas eleições, ter incorporado muitos dos programas
sociais que tinham sido desprezados como “assistencialistas”, como se dar
educação e saúde a quem jamais teve se enquadrasse nisso.
Como notou o reputado jornalista e escritor inglês Richard Gott em
seu excelente livro “A Revolução Bolivariana”, Chávez colocou no mapa múndi a
Venezuela, ao longo dos tempos um mero quintal dos Estados Unidos.
Talvez a maior lição do caso Chávez seja a seguinte: a única
maneira que uma elite dirigente tem para impedir que apareça em seu caminho
alguém com as características dele é não usar o brinquedo apenas em benefício
próprio.
Para quem quer exemplos práticos de aplicação disso, é só esticar
os olhos para a Escandinávia – onde o bem estar não é para um punhado
privilegiado apenas, mas para a sociedade como um todo. A grande revolução de
Chávez foi dar voz aos pobres venezuelanos. Por isso é tão amado por eles, e
por isso será uma referência perene na história da Venezuela e da América
Latina.
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