Transcrevo aqui carta do cineasta Sílvio Tendler para a ministra Marta
Suplicy, reproduzida no boletim Planeta Tela, de Celso Sabadin
"Ilustre Ministra,
Em primeiro lugar, parabéns por ter aceito o Ministério de Cultura do
Brasil, um dos países de maior diversidade cultural do Mundo. Considere um
privilégio e um desafio.
Me dirijo diretamente a Sra porque estou chegando às raias do desespero em
ter que enfrentar amarras e entranhas Kafkianas que tentam a qualquer custo
impedir que o cineasta exerça sua profissão com conforto e dignidade.
A todo momento temos que enfrentar, como se fosse uma gincana ou uma prova de esforço, algum entrave por parte de funcionários da Ancine que tentam a todo custo nos impedir de filmar. Desta vez trata-se de transportar para o Cinema e para a Televisão a adaptação de uma das maiores obras-primas da Cultura Universal que é o "Poema Sujo" do Poeta Ferreira Gullar.
Depois de ter perdido concurso de roteiro porque o funcionário parecerista
entendeu que o "povo brasileiro não gosta de poesia", finalmente consegui
vencer um concurso para fazer episódios para a Tv. Por meios próprios e com
o apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro consegui os recursos para
além dos episódios de Tv, transformar num longa metragem, o Poema.
Cumprimos todas as etapas da burocracia da Ancine e nossa solicitação de
liberação de verbas deveria ser apresentada na próxima reunião de diretoria,
na primeira semana de janeiro. Tudo preparado, vencidos todos os obstáculos
de cartas, solicitações , carimbos, selos e estampilhas, ontem recebo por e-mail um ofício pedindo desculpas pelo mal-entendido mas que devido a "um
acordo operacional" entre a superintendência de fomento e de desenvolvimento econômico - responsável pelo FSA - da Ancine os recursos destinados à produção de programas televisivos não podem ser transformados também em filmes!!!!!!!!
Se me comprometo a entregar as emissões contratadas com a devida qualidade, o que pode me impedir de também transformá-las em filme?
Não existe nenhuma lei, decreto ou instrução que me impeça em otimizar
verbas mas simples acordos entre funcionários dispostos a barrar o cinema
brasileiro, custe o que custar. Temos farta documentação mostrando que o
processo caminhou conforme as solicitações dos analistas e que cumprimos
todas as exigências.
No meu entendimento trata-se da mais grotesca censura jamais aplicada a uma
obra de arte ou desejo que meu contrato que expira em março, não seja cumprido.
Socorro Ministra, ajude-me a vencer a burrice e a burocracia e que eu possa
fazer um bom filme, uma verdadeira "Canção do Exílio"!
Atenciosamente,
Silvio Tendler
Donde aproveito o ensejo e faço duas perguntas para a Ancine:
1- Num país que já viu Joaquim Pedro de Andrade transformar um belo poema de Drummond, "O padre, a moça" num dos mais belos filmes de nosso cinema, "O padre e a moça" (1965) - e considerando-se que qualquer tema, bem roteirizado pode virar um bom filme - por que a Ancine decide que não
interessa a ninguém um filme sobre poesia?
2- Escrevo esta mensagem algumas horas depois de assistir, na Globo, ao
último capítulo da minissérie "Gonzaga, de pai para filho", de Breno
Silveira - que antes foi filme para cinema.
E no fim do ano, a Globo exibiu outro filme transformado em minissérie,
"Xingu", de Cao Hamburger. E lembremo-nos do "Auto da Compadecida", que virou filme DEPOIS de ser exibida como minissérie na TV.
POR QUE A GLOBO PODE TRANSFORMAR FILMES EM MINISSÉRIES E VICE-VERSA, E O SÍLVIO TENDLER NÃO PODE?
Nenhum comentário:
Postar um comentário