A POLÍCIA E O CRIME ORGANIZADO*
Primeiro gostaria de informar que serei um anônimo. O lugar onde
trabalho e o posto que ocupo não permitem que me identifique. Com relação ao
editorial “Sob o domínio do medo”, acredito ser necessário a vocês,
jornalistas, reverem seus conceitos com relação à criminalidade.
1) O crime gerado em função da desigualdade social existe, mas
não explica o momento que vivemos, pois, se esse fosse um motivo predominante,
as estatísticas deveriam apontar para uma redução do crime nos últimos anos, o
que não ocorreu. 2) Comece a se perguntar por que a criminalidade até o final
do governo militar era baixa, mesmo havendo uma distribuição de renda muito
pior. A resposta fácil é que os dirigentes eram violentos e punham a “Rota na
rua”. O símbolo dessa época era Erasmo Dias. A realidade era completamente
diferente. A polícia, tanto militar como civil, era violenta como continua
sendo hoje. Se tiver paciência e força política, pode verificar esses números
nas estatísticas das polícias. A realidade hoje, que ninguém fala, é que o
crime organizado é dominado por policiais ou civis ou militares. Os militares
estão mais ligados a dar cobertura aos roubos de carros, cargas e relógios, e
os civis, ao tráfico e à corrupção e extorsão nas delegacias. Se você pegar o
Rio de Janeiro como exemplo, vai verificar que o preço da droga não aumentou
nos últimos anos, o que comprova que a oferta está estável mesmo com a ocupação
das favelas. Em São Paulo, a situação é a mesma. O governo paulista
efetivamente vem prendendo mais. Quando vamos verificar quem eles prendem, aí
sim são os pobres que vendem drogas. Estes querem ganhar o dinheiro deles, não
querem confusão; quando criam problemas, é com outros pequenos traficantes,
muitas das vezes induzidos pela própria polícia ligada ao tráfico. A polícia
hoje é rica, delegados são grandes empresários na área de segurança privada, o
que na verdade é um absurdo, pois, quanto mais crime, mais segurança privada é
necessária e o mercado aumenta. Verifique quantos foram presos nos roubos a
bares e restaurantes, principalmente nos primeiros três meses. Criou-se aí um
novo mercado para as empresas dos delegados. A fortuna de muitos, mas muito
mesmos, coronéis é um absurdo para os níveis salariais deles. A distribuição de
renda gera muito pouco crime hoje, pois a alimentação está mais acessível. Quem
gera crime em quantidade é a classe média alta (meu padrão salário de R$ 13.500
livre por mês) – esta, sim, organiza o crime. Espero de alguma forma ter
colaborado.
* O “Le Monde
Diplomatique Brasil” preserva
o anonimato do autor desta carta.
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