Nas sendas
brasileiras do haicai
J. B. Donadon-Leal*
Depois de desenvolver vários trabalhos com haicais nas
escolas de Mariana, é hora de falar aos leitores deste jornal sobre as sendas, as
veredas, os trilhos e as trilhas pisadas pelos haicais no Brasil. E isso me leva de volta à
infância. Em Maringá, no Paraná, nos anos 60 e 70, convivi com nisseis e isseis,
primeiras gerações de descendentes de japoneses radicados no Brasil. Ainda muito
jovem ouvi falar dos haicais, da poesia pequena que tirava lágrimas dos olhos
dos pais de meus colegas nisseis, pois tocavam as lembranças contidas nas
incontidas terras vastas de Maringá jogada sobre um planalto de horizonte vasto
no quase infinito, não fosse a limitação humana do olhar.
A convivência natural com japoneses no Paraná dava-me a impressão
de menino que eles eram exatamente iguais a nós. Nós éramos
descendentes dos paulistas descendentes de italianos que arriscavam no pioneirismo de
fundar o Norte do Paraná.
Os japoneses eram iguais a nós – imigrantes que passaram por
São Paulo e migraram para fundar esse novo Norte do Paraná. Juntos ainda havia
alemães e poloneses. Mas, nenhum desses marcavam tanto quanto os japoneses, com sua
face de desenho diferenciado e fala colorida pela grandiosa distância
linguística.
Arriscava vez ou outra ir ao templo Budista de Maringá, e
lá, ficava deslumbrado com o ritual melódico das preces contemplativas, com o
ambiente acolhedor. Algo era diferente do que havia em minha forma de divinização. Mas só
alcançava a melodia, já que a língua me era algo intransponível. No entanto, um
amigo declamava poemas pequenos e os traduzia, não literariamente, mas de forma
explicativa, metalinguística.
Com essas explicações eu compreendia um pouco do espírito
japonês que havia naqueles meus amigos e compreendia porque eram deles as
melhores notas nas salas de aula. Aí esta justificativa inicial pelo interesse
que nutro pelo haicai.
Em função disso, quando iniciei minha trajetória de poeta de
haicais, busquei estudar o caminho histórico do haicai até sua chegada ao
Brasil e os contágios bilaterais que justificam a diversidade temática e a diversidade
estética do haicai produzido no Brasil.
Do ponto de vista acadêmico, os estudos do haicai chegam ao
Brasil inicialmente pelo francês, língua de base das primeiras traduções de
haicais para o português, desde Afrânio Peixoto (1919), ou Manuel Bandeira (anos 30), que
certamente tiveram acesso à antologia de poesia clássica japonesa de Julian Vacance, de
1905. Enquanto Afrânio Peixoto fala na lírica parelha à trova, Bandeira reclama da
dificuldade em se condensar tanto um tema, tratá-lo na síntese. Teríamos nós o espírito
expansionista também na
linguagem, como reflexo da nossa herança expansionista rumo
ao oeste na conquista do sertão brasileiro? Somos culturalmente moldados para as
coisas largas, para as vastidões? Seria esse o motivo de pluralizarmos tanto as
nossas sensações, ao dizermos no plural – “saudades”, “lembranças”, “ciúmes”, ou até mesmo
substantivos como “terras” e “gentes”? Ou seria essa a forma genuinamente
brasileira de sintetizar? O milagre de colocar o universo em uma gota d’água, como disse
Bandeira, na sua definição de haicai, talvez seja esse: pôr a vastidão
nacional no plural, já que o singular seria muito pequeno, ou, pelo menos, insuficiente para
comportar essa vastidão. Nossa visão de mundo já demonstra nossa disposição para a síntese
na enormidade; claro, com a conformidade discursiva que nos é própria. Por isso,
nossos haicais não são japoneses, nossos haicais são brasileiros.
No início dos anos 80 conheci Alcides Buss, na UFSC. Com ele
conheci o fazer do haicai em Português, em oficinas de haicais. Tratava-se do
exercício da síntese, do exercício do kigo, das relações entre nossos discursos e os
discursos da natureza. No final dos anos 80 Masuda Goga publica “O haicai no Brasil”,
livro que traça as rotas do haicai do ponto de vista histórico e do ponto de vista da
produção brasileira. Em 1989
Olga Savary publica “Haikais de Bashô”, com tradução também
dos textos de Octavio Paz sobre a tradição do haicai – esse livro torna-se referência
em português da poesia de Bashô. Em 1991 Paulo Franchetti, Elza Dói e Luiz Dantas
lançam “Haikai”, antologia e história do haicai, livro que também se torna referência
para o estudo do haicai japonês.
Em meados dos anos 90 Carlos Verçosa lança “Oku” uma
antologia histórica do haicai, incluindo uma completa visita ao haicai produzido e
publicado em todo o território brasileiro até meados da década de 90. Em 97 Kimi Takenaka e
Alberto Marsicano publicam “Trilha estreita ao confim”, que além das traduções
de haicais de Bashô e de sua história, embora romantizada, dão uma pequena mostra do
haicai brasileiro. Em
1998, o governo brasileiro lança os Parâmetros Curriculares
Nacionais e neles sugere o estudo dos haicais no ensino fundamental.
Como se vê, a grande explosão do haicai no Brasil acontece
nos anos 80 e 90, em que o interesse pela poesia sintética atingiu todo o
território nacional. Havia grupos de estudos e de produção de haicais de Porto Alegre a Manaus,
conforme nos mostra o estudioso baiano Carlos Verçosa, que requer para a Bahia o
berço do haicai nacional, evocando a figura pioneira de Afrânio Peixoto.
Hoje o haicai é uma poesia popular no Brasil, haja vista a
grande quantidade de publicações desses poemas, em livros, em antologias, em
periódicos literários e em concursos de poesia.
Mas, peço licença aos leitores, para continuar a contar essa
história de uma maneira mais livre, como se fosse a apresentação de uma antologia de
haicais em um sarau de haicais nestas páginas literárias.
Como tem início essa história de haicais no Brasil?
Em Paris em 05 de novembro de 1895 acontece o Tratado de
Amizade Brasil – Japão, marco inicial da possibilidade da vinda de imigrantes
japoneses para o Brasil, o que se torna realidade em 18 de junho de 1908, com a chegada
em Santos do navio (vapor) Kasato Maru com 793 imigrantes japoneses. Destino:
São Paulo.
Em 1921 já eram 30 mil japoneses no Brasil trabalhando nas
lavouras brasileiras, inicialmente no café e no algodão e depois criaram sua
própria forma de cultivar.
Em 1941 já se somavam mais de 150 mil imigrantes japoneses
no Brasil. De São Paulo fizeram a mesma rota dos paulistas que foram criar o
novo Paraná, na região norte e noroeste daquele Estado.
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