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sábado, 10 de julho de 2010

ENTREVISTA

"Monopólio da mídia atrasou o movimento da sociedade"
"O País não tem dirigentes comprometidos em mudar o quadro regulatório das comunicações"
No Brasil, a legislação não estabelece limites à concentração e àpropriedade cruzada dos meios de comunicação. Ainda ocorre, no país, ochamado "coronelismo eletrônico", que compromete as relações entre ospoderes público e privado, imbricados numa complexa rede de influências. Para enfrentar o problema, é preciso mexer no quadro regulatório do setor.Propostas não faltam, e elas vêm basicamente do movimento social. Mas não há governantes que se comprometam de forma definitiva com a formulação depolíticas públicas de comunicação, nem mesmo a partir dos resultados edemandas da 1ª Confecom.
De acordo com Israel Bayma, engenheiro eletrônico, conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), militante há mais de duas décadas pela democratização dos meios de comunicação no Brasil, não há sequer candidatos às próximas eleições presidenciais que estejam realmente interessados em transformar o quadro caracterizado pelos "donos da mídia" no país.
Leia a entrevista concedida ao e-Fórum.
O que mais contribuiu para a prevalência da concentração de mídia no Brasil?
Israel Bayma - A legislação. O Código Brasileiro de Telecomunicaçõesé de natureza concentradora. Ele não estabelece restrições à propriedade cruzada [quando uma empresa ou grupo possui diferentes tipos de mídia. E os limites estabelecidos, ele os mascara, à medida que permite ao mesmoproprietário deter em algumas regiões o número máximo de emissoras, e em outras regiões também um número máximo de emissoras. Não estabeleceu limites à concentração e à propriedade cruzada.
Podemos dizer que o chamado "coronelismo eletrônico" ainda vigora no país?
I.B. - Segundo a professora Suzy dos Santos quando o termo "coronelismo" foi usado por Victor Nunes Leal, referindo-se ao final no século XIX, início do século XX, definia as características das relações deprodução que se estabeleciam no Brasil naquele momento, que saía do estado agrário para um estado industrial.
Esse termo ainda se aplica hoje. Só que as relações de produção sedão por aqueles que detêm o poder e a propriedade dos meios de comunicação. Seja de que natureza midiática for - rádio, televisão -, ainda continua exercendo o mesmo papel de controle político. Haja vista as recentes alianças que são tomadas no âmbito de sustentação do atual governo, e provavelmente das mesmas bases de sustentação do próximo governo. Suzy dos Santos, juntamente com Sérgio Capparelli, define coronelismo eletrônico como "um sistema organizacional da recente estrutura brasileira de comunicações,baseado no compromisso recíproco entre poder nacional e poder local,configurando uma complexa rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes locais, proprietários de meios de comunicação".
Frente às novas tecnologias, como as grandes empresas de comunicação estão se organizando para manter o controle?
I.B. - Elas buscam estender seus tentáculos às novas mídias. Há uma denúncia dos grandes oligopólios mundiais, que controlam não só a mídia tradicional [rádio, televisão, cinema], mas também as novas mídias, como ainternet. Haja vista os grandes grupos - Google, por exemplo - de tecnologiada informação, que estão se estendendo aonde é possível. Acho que nada se alterou. Marx continua atual no que ele previa: que os oligopólios capitalistas tenderiam a crescer. O modo de produção é o mesmo.
A participação dos políticos como donos dos meios de comunicação continua a mesma?
I.B. - Até 2008 [quando Bayma sistematiza no livro Democracia e regulação dos meios de comunicação de massa - publicado pela FGV Editora - um estudo traçando um mapa do financiamento político do setor de comunicaçãonas eleições de 1998-2004], não identifiquei nenhuma mudança. De lá para cá,não verifiquei. Mas não vejo mudanças que possam ter levado a alterar aquele quadro. A não ser a composição acionária [das emissoras de propriedade de políticos], de um proprietário transferindo cotas para os filhos, osparentes, os "laranjas", ou comprando de outros.Mudanças que podem ser identificadas são as que envolve uma utorizações para rádios comunitárias. Houve um aumento muito grande de concessões para essas rádios pelo governo federal - e isso, evidentemente,muitas vezes em troca de apoio político. Então o coronelismo eletrônico ocorre bastante.
É possível pensar em desenvolvimento nacional, mantido o oligopólionas comunicações?
I.B. - Eu não tenho elementos para afirmar se o oligopólio amarra ou não o desenvolvimento. Do ponto de vista da democracia, ela tem avançado independente dos meios de comunicação. Aqui ou alhures. Aonde os meios decomunicação tentaram impedir o avanço democrático nas últimas décadas, elesforam empurrados, a exemplo do que aconteceu na Venezuela. Não vejo como um jornal que tenha perdido tiragem, uma televisão que tenha perdido audiência, ou um grande grupo televisivo que tenha perdido audiência para outro grande grupo televisivo possa impedir o desenvolvimento do país. Também a qualidade das produções tem caído independente da democracia. Há um movimento da sociedade que questiona vários programas de televisão. Mas isso tem ocorrido a bem da democracia.E também não é pela concentração, porque tem veículos até de natureza pública em que a produção é de péssima qualidade. Não tenho elementos para uma análise mais precisa, mas claro que, em vários países do mundo, a história mostra que o monopólio da mídia atrasou o movimento da sociedade. Seja aqui, seja, por exemplo, no socialismo real da Europa. Veja a eleição do Chávez [Hugo Chávez, presidente da Venezuela],apesar do monopólio midiático lá no país, ele foi eleito. Aqui no Brasil,com o Lula, idem. E não se pode dizer que não houve avanço democrático aqui. O próprio debate eleitoral ocorre. Hoje, apesar do monopólio dos grandes grupos, com suas candidaturas próprias, não se pode dizer que não esteja havendo um debate público e democrático sobre as eleições. Estamos vivendo um ambiente democrático que é liberal. Mas estamos.
E para a comunicação em geral, qual o efeito desse monopólio?
I.B. - Ele não pode se perpetuar sob hipótese alguma, porque há deter um momento que eles [os donos dos grandes veículos de comunicação] vão intervir, quando sentirem seus interesses mais profundos ameaçados. O monopólio, o oligopólio nunca é benéfico. Aqui no Brasil, ele estádentro dos limites. Houve alguns momentos que eles se insurgiram, como naquestão do Conselho Federal de Jornalismo, na tentativa de se criar uma LeiGeral de Comunicação Eletrônica. Na própria Conferência Nacional deComunicação eles se insurgiram. São momentos em que a gente se sente ameaçado, mas existe uma atuação da democracia.
Então, a democracia avança, apesar disto. Por quê?
I.B. - Porque a humanidade avança democraticamente. As conquistas dos trabalhadores ao longo da história da humanidade têm empurrado osatrasos dos grilhões do capitalismo. Até para a experimentação de modelosmenos repressivos. As experiências socialistas do Leste europeu que amargaram derrotas e amordaçaram em vários momentos as liberdades, elas foram vencidas e vem algo novo aí pela frente. Eu não sou pessimista nesse sentido, agora, o caráter revolucionário das novas mídias é que eu não vejo.
As novas mídias não são revolucionárias? Por quê?
I.B. - Porque os grandes grupos já as controlam. Independentementedos tuiteiros, dos blogueiros. A internet só avança para a classe média, que tem acesso. No Brasil, só 13 milhões de pessoas têm acesso à internet. Dosmais de 190 milhões de habitantes 191,5 milhões em julho de 2009, segundo oIBGE], 40 milhões não têm nem telefone. Tanto faz estar no twitter ou fora dele. No interior do Maranhão, onde mais de 200 mil famílias não têm energiaelétrica, isso não faz diferença. Lá, ouve-se e assiste-se a rádio e a TV Mirante, do grupo Sarney [O grupo é dono de 22 veículos no Maranhão. Veja aqui a participação do Sistema Mirante na região.
Os novos meios digitais de comunicação não poderão minimizar o poderdos donos da mídia?
I.B. - Não. Como já falei, eles [os donos da mídia] estão participando direta ou indiretamente das novas mídias. Acho que apenas vai mudar o modo de produção. A ferramenta, ou vai ser banda larga/internet ou televisão, mas os meios vão ser os mesmos. Não vai haver alteração. O número de pessoas no país que têm acesso é muito pequeno,comparativamente, ao número de leitores de jornais e livros, e nada foi alterado com a internet. A natureza revolucionária da internet é tão relativa quanto foi a imprensa escrita no início do ano de 1700, quando Gutenberg inventou a imprensa escrita e não houve grandes transformações de natureza revolucionária. Para mim, a internet não tem essa base revolucionária, porque ela foi apropriada pelo Estado e os grandes meios de produção. Nem sou desses sonhadores que acredita que a internet vai ser a grande mídia nos próximos anos - haja vista a eleição do Obama [Barack Obama, presidente norte-americano] nos Estados Unidos, presidente que pouco se diferencia doseu antecessor [ex-presidente, George W. Bush].
No Brasil, quais políticas de comunicação poderiam eliminar aconcentração dos meios?
I.B. - Não acredito que nenhum dos candidatos tenha interesse em mexer no quadro regulatório dos meios de comunicação no país. Participei dodebate nas últimas seis eleições, na formulação de políticas públicas para a democratização da comunicação e ninguém quis colocar em prática essasformulações. Não creio que isso seja possível. Senão, era só implementar tudo o que o movimento social propôs e repropôs, em 1989, 1994, 1998, em 2002, em 2006. Mas já não creio que haja um governo comprometido com o quese propunha lá, como, por exemplo, o fim do monopólio dos meios de comunicação.
Hoje, o que você acrescentaria nessas formulações?
I.B. - Banda larga para todos os brasileiros. Como no caso da energia elétrica. Eu fui um dos formuladores do Luz para Todos, coordenador na Amazônia do programa, e sempre defendi também banda larga para todos.
Você diz que nenhum candidato tem interesse em acabar com omonopólio. Mesmo com a Conferência Nacional de Comunicação, nada mudou?
I.B. - Eu quero que nos próximos debates seja cobrado de cada candidato [a presidente do País] uma posição clara, item por item, do que foi aprovado na Confecom [Conferência Nacional de Comunicação, realizada de14 a 17 de dez/2009, em Brasília]. As decisões da Conferência são resultadodo acúmulo dos debates da comunicação nos últimos 20 anos. A maioria do queestá escrito ali, foi Daniel Herz quem escreveu, eu mesmo copiei, o PT assumiu e disse que ia implantar, mas não implantou nada. Tem que impor objetivos, senão é perda de tempo.

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