Recebi do Fábio Carvalho esse incrível texto do teórico anarquista, filósofo das imagens e pensador do imaginário, Luiz Rosemberg. Ele transcreve de maneira definitiva os meus sentimentos de artista, de quando a quando, de plano a plano, com atenção dobrada, tenso na dinâmica, eletrocutado no que eu dizia e pasmo no que os outros também diziam, surpreso com a enxurrada desses sentimentos, assisti extasiado o que para o Fábio era ontem, foi pra mim uma visão do futuro, de uma nova linguagem onde tudo estaria estampado a cada movimento de câmera e na edição concisa e mágica propondo a visão de um novo cinema que ainda experimenta o seu devenir.
Era ontem
Um média metragem de Fábio Carvalho revela a história de um saber que se negou a envelhecer. E dá dimensão política e amorosa à contínua dignidade da luta de todos.
Por Luiz Rosemberg Filho, do Rio de Janeiro
Para Isabel Lacerda Digamos que o cinema não é capaz de fazer revolução social alguma. Apenas pode pensá-la como testemunha de uma história em transe. Inventar uma revolução é fácil. Difícil é fazê-la. No cinema, o máximo onde se consegue chegar, mexer e alterar é na linguagem de cada filme verdadeiro. Ou seja, nosso engajamento tem que ser vivido pela linguagem, transformando o impossível no possível. Com isso podemos dizer que o cinema deu uma legitimidade nobre ao olhar, tirando a imagem da condição de objeto sem saber algum. O cinema faz pensar. Pertence a um saber qualificado monumental, pois infinitas são as suas possibilidades. Ora, se é verdade que “os nazistas foram os únicos dirigentes do século XX cujo o imaginário mergulhava, essencialmente, no mundo da imagem” – é preciso pensar melhor o fazer cinema. Fazê-lo com mais responsabilidade. Através de imagens sujas e sujadas propositalmente, Fábio Carvalho nos faz ver, em seu último média metragem, livres associações com as palavras. Não são elaborações teóricas profundas, mas expressões de lucidez quanto ao frágil papel do cinema assassinado todos os dias pela ideologia dominante e pelo dinheiro – sujo pelos porcos da burocracia, traíras de plantão, por um mercado inexistente para os nossos filmes e por uma multiplicidade de idiotas sem a menor consciência da importância de uma nova linguagem para o cinema. Era Ontem segue sendo hoje, pois os problemas seguem sendo os mesmos do passado. Ainda assim, Fábio Carvalho dá dimensão política e amorosa à contínua dignidade da luta de todos, trazendo em suas imagens a festa, o espaço e uma certa pureza hoje prostituída pelo dinheiro, pelo mercado ocupado do cinema à TV. Queiram ou não seu novo trabalho é um filme de ideias, confrontos e excessos. Uma obra delicada, que pensa a paixão pelo cinema com depoimentos luminosos e contraditórios de Otávio Terceiro, José Sette, Jorge Mourão e Ricardo Miranda... Em Aurora, Nietzsche diz que: “Os homens apaixonados se importam pouco com o que pensam os outros, o seu estado os eleva acima da vaidade”. E é por esse desprendimento vigoroso que o filme é pensado, fotografado e montado sem o menor orgulho ou vaidade. Fábio se deixa levar pelo tempo-pensamento de cada um, colocando-nos e se colocando fora da lei do falso heroísmo e da ordem. O cinema é fundamentalmente uma afirmação poética do saber e da paixão. É distração, mas é também inquietação e saber. Era Ontem não se atemoriza em ousar frente à velha ordem do fascismo, deixada pelo regime militar. Vive e faz viver o cinema, humanizando-o pela sua dimensão da paixão. Era Ontem é hoje o que será amanhã. Aqui nada muda. Não se quer mais um cinema livre, criativo e de invenção como queria o saudoso Jairo Ferreira. Não se pode mais contradizer os ocupantes que mamam e mandam desde a descoberta do Brasil. O cinema do neoliberalismo globalizado é um reencontro com o fascismo dos anos de chumbo. E na sua insensibilidade, o conformismo de sons e imagens idiotas. É a fórmula de Hollywood para o mundo! Fórmula idêntica à pobreza falsamente heróica do Nacional-Socialismo da dupla Hitler-Mussolini. Deu no que deu, uma infindável exposição de horrores. Ora, a pergunta que o novo filme de Fábio Carvalho deixa no ar é: de que nos servirá essa legitimação da ignorância? De persuasão e bode já nos basta a nossa péssima programação da TV. Era Ontem tenta negar essa versão fascista do entendimento do país, esforçando-se para não produzir idiotismos e a ignorância como necessidade do espetáculo pobre e empobrecido, para logo passar na TV. Portanto, tenta ser um desacordo com a ordem estabelecida para o olhar, e um sentimento maior de desinteresse pelo egoísmo da burocracia imoral que vem desde 1964. Burocracia constrangedora que subsiste na ofuscação do saber e do humano lado da criação. E que concebida como poder eleva-se na covardia de seus porcos servidores ou funcionários de partidos políticos medíocres e inexpressivos. Fábio Carvalho debruça-se sobre um outro cinema contrário à obediência. Filma, então, depoimentos, festa, espaços, palavras, beleza, liberdade, sonhos, amigos, potência, esforço, encontros, desacordos, diferenças, expressões, música, mãos, embriaguez, vontades, abnegações, gozo, experiências, textos, livros, poesia, natureza, incertezas, alternativas, razão, a cidade, o mar, a praia, reflexões, o cinema vivo, trilhas, raciocínios, sentimentos, afetos, amigos... Era Ontem é um pouco a história de um saber que se negou a envelhecer. A luta continua! 30/5/2010 Fábio Carvalho é cineasta, produtor e fotógrafo. Seu primeiro trabalho em audiovisual foi em 1984 comImaginação, realizado em Super-8. Dentre seus trabalhos estão os vídeos Ficção Urbana e Delírios Noturnos de Fausto Verdoux – ambos de 1987, e os documentários Luz das Cores e Mistura das Cores. Em 1988 realizou o documentário O Mundo de Aron Feldman - Melhor Vídeo, Sol de Ouro, Prêmio Especial do Júri de Melhor Direção do V Rio Cine Festival 1989. Seus vídeos foram exibidos em Portugal, Itália, Alemanha e Estados Unidos. Dirigiu, em 1996, a série Personagens de Belo Horizonte. Em 1999, dirigiu o longa-metragem O General. Em 2001, o curta Geografia do Som.
Era ontem
Um média metragem de Fábio Carvalho revela a história de um saber que se negou a envelhecer. E dá dimensão política e amorosa à contínua dignidade da luta de todos.
Por Luiz Rosemberg Filho, do Rio de Janeiro
Para Isabel Lacerda Digamos que o cinema não é capaz de fazer revolução social alguma. Apenas pode pensá-la como testemunha de uma história em transe. Inventar uma revolução é fácil. Difícil é fazê-la. No cinema, o máximo onde se consegue chegar, mexer e alterar é na linguagem de cada filme verdadeiro. Ou seja, nosso engajamento tem que ser vivido pela linguagem, transformando o impossível no possível. Com isso podemos dizer que o cinema deu uma legitimidade nobre ao olhar, tirando a imagem da condição de objeto sem saber algum. O cinema faz pensar. Pertence a um saber qualificado monumental, pois infinitas são as suas possibilidades. Ora, se é verdade que “os nazistas foram os únicos dirigentes do século XX cujo o imaginário mergulhava, essencialmente, no mundo da imagem” – é preciso pensar melhor o fazer cinema. Fazê-lo com mais responsabilidade. Através de imagens sujas e sujadas propositalmente, Fábio Carvalho nos faz ver, em seu último média metragem, livres associações com as palavras. Não são elaborações teóricas profundas, mas expressões de lucidez quanto ao frágil papel do cinema assassinado todos os dias pela ideologia dominante e pelo dinheiro – sujo pelos porcos da burocracia, traíras de plantão, por um mercado inexistente para os nossos filmes e por uma multiplicidade de idiotas sem a menor consciência da importância de uma nova linguagem para o cinema. Era Ontem segue sendo hoje, pois os problemas seguem sendo os mesmos do passado. Ainda assim, Fábio Carvalho dá dimensão política e amorosa à contínua dignidade da luta de todos, trazendo em suas imagens a festa, o espaço e uma certa pureza hoje prostituída pelo dinheiro, pelo mercado ocupado do cinema à TV. Queiram ou não seu novo trabalho é um filme de ideias, confrontos e excessos. Uma obra delicada, que pensa a paixão pelo cinema com depoimentos luminosos e contraditórios de Otávio Terceiro, José Sette, Jorge Mourão e Ricardo Miranda... Em Aurora, Nietzsche diz que: “Os homens apaixonados se importam pouco com o que pensam os outros, o seu estado os eleva acima da vaidade”. E é por esse desprendimento vigoroso que o filme é pensado, fotografado e montado sem o menor orgulho ou vaidade. Fábio se deixa levar pelo tempo-pensamento de cada um, colocando-nos e se colocando fora da lei do falso heroísmo e da ordem. O cinema é fundamentalmente uma afirmação poética do saber e da paixão. É distração, mas é também inquietação e saber. Era Ontem não se atemoriza em ousar frente à velha ordem do fascismo, deixada pelo regime militar. Vive e faz viver o cinema, humanizando-o pela sua dimensão da paixão. Era Ontem é hoje o que será amanhã. Aqui nada muda. Não se quer mais um cinema livre, criativo e de invenção como queria o saudoso Jairo Ferreira. Não se pode mais contradizer os ocupantes que mamam e mandam desde a descoberta do Brasil. O cinema do neoliberalismo globalizado é um reencontro com o fascismo dos anos de chumbo. E na sua insensibilidade, o conformismo de sons e imagens idiotas. É a fórmula de Hollywood para o mundo! Fórmula idêntica à pobreza falsamente heróica do Nacional-Socialismo da dupla Hitler-Mussolini. Deu no que deu, uma infindável exposição de horrores. Ora, a pergunta que o novo filme de Fábio Carvalho deixa no ar é: de que nos servirá essa legitimação da ignorância? De persuasão e bode já nos basta a nossa péssima programação da TV. Era Ontem tenta negar essa versão fascista do entendimento do país, esforçando-se para não produzir idiotismos e a ignorância como necessidade do espetáculo pobre e empobrecido, para logo passar na TV. Portanto, tenta ser um desacordo com a ordem estabelecida para o olhar, e um sentimento maior de desinteresse pelo egoísmo da burocracia imoral que vem desde 1964. Burocracia constrangedora que subsiste na ofuscação do saber e do humano lado da criação. E que concebida como poder eleva-se na covardia de seus porcos servidores ou funcionários de partidos políticos medíocres e inexpressivos. Fábio Carvalho debruça-se sobre um outro cinema contrário à obediência. Filma, então, depoimentos, festa, espaços, palavras, beleza, liberdade, sonhos, amigos, potência, esforço, encontros, desacordos, diferenças, expressões, música, mãos, embriaguez, vontades, abnegações, gozo, experiências, textos, livros, poesia, natureza, incertezas, alternativas, razão, a cidade, o mar, a praia, reflexões, o cinema vivo, trilhas, raciocínios, sentimentos, afetos, amigos... Era Ontem é um pouco a história de um saber que se negou a envelhecer. A luta continua! 30/5/2010 Fábio Carvalho é cineasta, produtor e fotógrafo. Seu primeiro trabalho em audiovisual foi em 1984 comImaginação, realizado em Super-8. Dentre seus trabalhos estão os vídeos Ficção Urbana e Delírios Noturnos de Fausto Verdoux – ambos de 1987, e os documentários Luz das Cores e Mistura das Cores. Em 1988 realizou o documentário O Mundo de Aron Feldman - Melhor Vídeo, Sol de Ouro, Prêmio Especial do Júri de Melhor Direção do V Rio Cine Festival 1989. Seus vídeos foram exibidos em Portugal, Itália, Alemanha e Estados Unidos. Dirigiu, em 1996, a série Personagens de Belo Horizonte. Em 1999, dirigiu o longa-metragem O General. Em 2001, o curta Geografia do Som.
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