Júlio
Bressane participa da Semana dos Realizadores
Único veterano no evento, cineasta fala sobre as suas três novas
produções
Udigrudi, erudito, maldito. Júlio Bressane
conheceu muitos rótulos ao longo de sua carreira. Em geral, se insurge contra
eles. Bressane talvez agora justifique outro rótulo - o de mais prolífico autor
do cinema brasileiro. Com cerca de 30 filmes desde Cara
a Cara, em 1967,
ele tem, neste momento, três novos filmes na carteira. Acaba de filmar - em 17
dias, seu tempo médio - Educação Sentimental, lançou O Batuque dos Astros no Festival de Roma e apresenta Rua Aperana 52 na Semana dos Realizadores. O evento que
prestigia o cinema autoral/independente do País já tem uma história no Rio,
onde se realiza há quatro anos. Chega a São Paulo. Bressane e sua geografia
particular - o título do filme refere-se a uma casa, um endereço - são atrações
especiais da Semana dos Realizadores.
Aperana é uma palavra tupi que significa caminho falso ou provisório. A rua de seu filme tem esse nome evocador, mas o que é Rua Aperana 52?
Você estava na sala quando fiz a apresentação do filme, no Rio. O objeto desse filme é a ficção. Ele tem o indício do biográfico, essas coincidências com o pessoal, mas não é uma biografia. É antes um 'biografema'. Vai além do biográfico. A partir da iconografia e iconologia que se produziram nessa paisagem, o filme inventa outra paisagem. Cria um jogo de xadrez de ficções que se intercalam: a das fotos reunidas entre 1909 e 1955, a dos fragmentos dos filmes caseiros, e também a das ficções dos filmes feitos entre 1957 e 2005. Tudo isso entrecruzado, a realidade (a casa) e a ficção (os filmes) interagindo por meio da montagem e da luz. Não serei o primeiro a dizer que o cinema é luz nem que a montagem é a organização do irracional. O filme nasceu com essa vocação.
Revisita sua obra, e no Rio você fez um agradecimento especial ao montador Rodrigo Lima. O que há de tão especial na montagem desse filme?
O filme que acabo de fazer, Educação Sentimental, é produto de quatro anos de elaboração e reflexão, mas não posso dizer como será. De alguma forma, eu o tenho na cabeça, mas não sei se esse filme ideal será possível de concretizar. Às vezes, você pensa uma coisa, mas as imagens, sensibilizadas pela luz, não lhe oferecem exatamente as opções de montagem pensadas ou sonhadas. Educação se presta a experimentações de montagem, que pretendo realizar, mas isso só vou saber se será viável a partir de quinta-feira, quando olhar o material (a entrevista foi realizada na segunda-feira à tarde). Todos esses filmes, o Rua, O Batuque dos Astros, tiveram processos de montagem lentos. Oito, dez meses, um ano.
A música é importante em seu cinema e você deve ser um conhecedor muito arguto da MPB. Como foi feita a seleção para o Rua?
Há uma parte da trilha que foi composta para o filme, mas na maior parte do tempo utilizo cenas de Miramar, O Mandarim, etc., com as músicas que já estão naqueles filmes. Não creio que o cinema seja, como se diz, uma síntese das demais artes. Acho até que é o contrário. O cinema atravessa todas as artes, ou é por elas atravessado. A pintura, a literatura, a música. Para operar tudo isso, é preciso uma transmontagem. A música no cinema é para os olhos, não somente para os ouvidos.
Você mostrou O Batuque no Festival de Roma. Como foi?
Sem presunção, mas também sem modéstia, meus filmes têm ido bem em festivais do exterior, não apenas no País. Desde Roterdã, o Rua já passou por nove festivais - a Semana é o décimo. Batuque é um filme que andava comigo havia 40 anos. Se o concretizei agora, foi um pouco por pressão do produtor Zelito Viana. O poeta português Fernando Pessoa sempre me interessou e o filme persegue seus passos através das ruas de Lisboa, dos monumentos.
O filme nasceu quando você estava em Paris. Como foi isso?
Minha mulher, Rosa (Dias), fez pós de doutorado sobre Henri Bergson e ficamos na França por mais de um ano, 13 meses, por conta disso. Nesse período, surgiu uma homenagem em Lisboa e o fantasma de Pessoa ressurgiu.
Como era sua rotina em Paris?
Estudava, escrevia, ia muito ao cinema. Rosa e eu fundamos um cineclube com dois sócios, apenas - nós. Em pouco mais de um ano, vimos cerca de 280 filmes. Víamos e debatíamos. O debate é um nutriente muito rico.
Nas homenagens no Porto, em Turim, Siracusa, Perúgia e Roma, o olhar dos outros traz alguma coisa nova, que você nunca tenha pensado?
Em geral, o que as pessoas veem e escrevem é seguindo as indicações que forneço. Se alguém tem outro olhar, reserva para si.
E Educação Sentimental?
É mais um recurso ao mito. Quando é impossível falar sobre as origens, o mito nos socorre e é o que ocorre aqui. A Educação é sobre o mito da Lua, retoma a figura de Endimião, por meio da história de amor e desejo de uma mulher mais velha por um garoto.
A pintura é sempre uma referência para você, e neste caso?
Não recrio uma iconografia particular, mas há um quadro famoso de Anne-Louis Trioson que nos serviu de inspiração, para Walter Carvalho (o diretor de fotografia) e eu. Endimião seduziu a deusa e foi condenado por Zeus a dormir, eternamente jovem.
Você receberá nova homenagem, no ano que vem, em Buenos Aires...
...E por isso não vou a São Paulo, porque tenho de ir à Argentina para antecipar detalhes.
Você já esteve antes na Semana dos Realizadores?
Não me lembro, acho que não. Nunca tive vocação para blockbuster. Me atraem a curiosidade e a experimentação. O fio dessa experimentação é o que há de melhor do cinema brasileiro. Nunca vai se extinguir, porque as gerações de diretores com sensibilidade para esse tipo de filme sempre se renovam e a Semana é prova disso.
Aperana é uma palavra tupi que significa caminho falso ou provisório. A rua de seu filme tem esse nome evocador, mas o que é Rua Aperana 52?
Você estava na sala quando fiz a apresentação do filme, no Rio. O objeto desse filme é a ficção. Ele tem o indício do biográfico, essas coincidências com o pessoal, mas não é uma biografia. É antes um 'biografema'. Vai além do biográfico. A partir da iconografia e iconologia que se produziram nessa paisagem, o filme inventa outra paisagem. Cria um jogo de xadrez de ficções que se intercalam: a das fotos reunidas entre 1909 e 1955, a dos fragmentos dos filmes caseiros, e também a das ficções dos filmes feitos entre 1957 e 2005. Tudo isso entrecruzado, a realidade (a casa) e a ficção (os filmes) interagindo por meio da montagem e da luz. Não serei o primeiro a dizer que o cinema é luz nem que a montagem é a organização do irracional. O filme nasceu com essa vocação.
Revisita sua obra, e no Rio você fez um agradecimento especial ao montador Rodrigo Lima. O que há de tão especial na montagem desse filme?
O filme que acabo de fazer, Educação Sentimental, é produto de quatro anos de elaboração e reflexão, mas não posso dizer como será. De alguma forma, eu o tenho na cabeça, mas não sei se esse filme ideal será possível de concretizar. Às vezes, você pensa uma coisa, mas as imagens, sensibilizadas pela luz, não lhe oferecem exatamente as opções de montagem pensadas ou sonhadas. Educação se presta a experimentações de montagem, que pretendo realizar, mas isso só vou saber se será viável a partir de quinta-feira, quando olhar o material (a entrevista foi realizada na segunda-feira à tarde). Todos esses filmes, o Rua, O Batuque dos Astros, tiveram processos de montagem lentos. Oito, dez meses, um ano.
A música é importante em seu cinema e você deve ser um conhecedor muito arguto da MPB. Como foi feita a seleção para o Rua?
Há uma parte da trilha que foi composta para o filme, mas na maior parte do tempo utilizo cenas de Miramar, O Mandarim, etc., com as músicas que já estão naqueles filmes. Não creio que o cinema seja, como se diz, uma síntese das demais artes. Acho até que é o contrário. O cinema atravessa todas as artes, ou é por elas atravessado. A pintura, a literatura, a música. Para operar tudo isso, é preciso uma transmontagem. A música no cinema é para os olhos, não somente para os ouvidos.
Você mostrou O Batuque no Festival de Roma. Como foi?
Sem presunção, mas também sem modéstia, meus filmes têm ido bem em festivais do exterior, não apenas no País. Desde Roterdã, o Rua já passou por nove festivais - a Semana é o décimo. Batuque é um filme que andava comigo havia 40 anos. Se o concretizei agora, foi um pouco por pressão do produtor Zelito Viana. O poeta português Fernando Pessoa sempre me interessou e o filme persegue seus passos através das ruas de Lisboa, dos monumentos.
O filme nasceu quando você estava em Paris. Como foi isso?
Minha mulher, Rosa (Dias), fez pós de doutorado sobre Henri Bergson e ficamos na França por mais de um ano, 13 meses, por conta disso. Nesse período, surgiu uma homenagem em Lisboa e o fantasma de Pessoa ressurgiu.
Como era sua rotina em Paris?
Estudava, escrevia, ia muito ao cinema. Rosa e eu fundamos um cineclube com dois sócios, apenas - nós. Em pouco mais de um ano, vimos cerca de 280 filmes. Víamos e debatíamos. O debate é um nutriente muito rico.
Nas homenagens no Porto, em Turim, Siracusa, Perúgia e Roma, o olhar dos outros traz alguma coisa nova, que você nunca tenha pensado?
Em geral, o que as pessoas veem e escrevem é seguindo as indicações que forneço. Se alguém tem outro olhar, reserva para si.
E Educação Sentimental?
É mais um recurso ao mito. Quando é impossível falar sobre as origens, o mito nos socorre e é o que ocorre aqui. A Educação é sobre o mito da Lua, retoma a figura de Endimião, por meio da história de amor e desejo de uma mulher mais velha por um garoto.
A pintura é sempre uma referência para você, e neste caso?
Não recrio uma iconografia particular, mas há um quadro famoso de Anne-Louis Trioson que nos serviu de inspiração, para Walter Carvalho (o diretor de fotografia) e eu. Endimião seduziu a deusa e foi condenado por Zeus a dormir, eternamente jovem.
Você receberá nova homenagem, no ano que vem, em Buenos Aires...
...E por isso não vou a São Paulo, porque tenho de ir à Argentina para antecipar detalhes.
Você já esteve antes na Semana dos Realizadores?
Não me lembro, acho que não. Nunca tive vocação para blockbuster. Me atraem a curiosidade e a experimentação. O fio dessa experimentação é o que há de melhor do cinema brasileiro. Nunca vai se extinguir, porque as gerações de diretores com sensibilidade para esse tipo de filme sempre se renovam e a Semana é prova disso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário