Um Conto de Cinema
A ÚLTIMA CENA
SÉTIMA
ESCRITÓRIO DA
PRODUTORA
A mulher sai da sala deixando Pompeu e Jimi sozinhos. Jimi
anda de um lado para o outro da sala.
Jimi:
- Estou esperando uma resposta Pompeu!
Depois de passar um tempo Pompeu abre a gaveta onde fica a
sua arma.
Ele olha para Jimi parado na sua frente.
Pompeu:
- Jimi, eu aceito o negócio, mas antes quero o meu
dinheiro...
Jimi:
- Aqui estão os cheques, mas antes você tem de assinar o
papel autorizando a sua filha e a sua mulher viajarem para a América e também
este contrato de dívida assumida com a nossa empresa em Miami... Tudo agora é
assim, por isso não tem mais mala, tem que ser tudo legal, informatizado. Você
está entendendo?
Pompeu:
- Bom, agora que tudo foi assinado, me passe os cheques...
Jimi entrega os cheques para Pompeu que abre a gaveta e tira
o seu revólver apontando para o rosto de Jimi que se afasta da mesa assustado.
Pompeu pega um computador e entrega para Jimi...
Pompeu:
- Agora, seu filho da puta, usando da informática, como você
diz, transfere para a minha conta, que está ai na tela, tudo aquilo que você me
roubou e assim estaremos quites e iniciaremos a próxima produção. Estamos
entendidos?
Jimi:
- Você enlouqueceu! Não posso fazer isso!
Pompeu:
- Pode sim! É só avisar a Miami e tudo estará resolvido.
Caso contrário, vai morrer!
Jimi:
- E os cheques?
Pompeu:
- Você fica com eles, não vou precisar, pois não vou fazer
mais nada para você... Vamos! Transfere o dinheiro... Não me obrigue a puxar o
gatilho... Vontade não falta!
Jimi começa a digitar no seu computador a transferência do
dinheiro.
Pompeu:
- Você sabe que eu sei de onde sai o grosso do dinheiro da
sua gang de mafiosos...
Jimi:
- Se você sabe, sabe também o perigo que está sendo exposto
caso não cumpra o contrato...
Pompeu:
- Quem tem contrato é você. Você corre perigo, eu não.
Jimi:
- Ok, Pompeu, a transferência foi feita, e agora?
Pompeu (conferindo sua conta e ainda apontando a arma para
Jimi):
- Viu como as coisas ficam mais fáceis quando agente tem um
bom argumento... Foi uma boa ideia. Você não ficou surpreso?
Pompeu volta a sentar-se na poltrona de sua mesa, abre a
gaveta e guarda a arma olhando para Jimi.
Jimi:
- Você é muito audacioso guardando a sua arma, se eu
estivesse armado lhe daria um tiro no rosto, mas não vão faltar oportunidades e
nem boa ideias...
Jimi sai de cena. Pompeu sai em seguida apresado da sala.
ESTÚDIO
A menina correndo pelo estúdio cai nos braços de Jimi que a
segura com força e a consola com carinhos, levando- a novamente a repetir a
cena da poltrona vermelha.
CIDADE
Pompeu passando cabisbaixo por uma rua vê Jimi saindo com
sua mulher de uma loja na cidade.
PRAIA
Pompeu e Anita andando rentes as ondas que se arrebentam nas
pedras escarpadas.
Pompeu não para de falar:
- Você está cheia de razão, não devemos abandonar nossas
famílias... Faz pouco não conseguia misturar o meu corpo com as turbulências
das águas do mar e precisei quase me afogar para encontrar você ali esperando
por um ser que não consegue se dominar ou se equilibrar nessas ondas...
Confesso! Tive medo... Perdi o ar!
Anita:
- Os humanos são um dos poucos mamíferos que controlam a própria
respiração e é um dos poucos animais terrestres que respiram tanto pela boca
quanto pelo nariz.
Pompeu:
-
Porque pensam com inteligência!
Anita:
- As águas são nossas amigas, não tenha medo do mar Pompeu, ele é o avô
de toda a natureza.
Pompeu:
- Os animais, quando jovem, nadam melhor e mais rápido, mas os velhos animais
quando mergulham tendem a se afogar...
Anita:
- Porque você não foi atrás de sua mulher e de sua filha?
Pompeu: -
Sei não!... Tive medo, fui um covarde. Mas não faltou nada para as duas...
Não tenho medo do mar quando estou ao seu lado... Imagine se
eu ia me deixar afogar e perder tudo isso que está me acontecendo... Anita me
fale mais de você, do seu trabalho...
Anita:
- O mar é o meu
trabalho. O meu grande amor. Pesquisar as formas de vida animal, vegetal, as
formações geológicas, as correntes marítimas, o nível das águas, as marés, é o
destino que me está reservado.
Pompeu: -
O mar é o seu grande amor... Que coisa romântica para uma menina cheia de vida.
Não existe em você outra vida, mais social, festas e namorados?...
Anita:
- A vida aquática é mais rica e variada que a vida terrestre. Eu atuo na
sua preservação. Nada é mais importante hoje no mundo. Eu viajo sempre, nunca
estou em um só lugar, assim não existe tempo para namorar.
Pompeu:
- Anita, eu estou cansado, podemos parar um pouco? Preciso descansar...
ESTÚDIO
A mãe aparece na cena para falar com a filha.
Escondido por uma renda está à sombra de Pompeu
PRAIA
Pompeu senta-se na areia enquanto Anita mergulha nas ondas e
nada com uma naturalidade como se estivesse em seu meio.
Pompeu a observa com toda a sua atenção e mostra-se
preocupado quando seu corpo passa um longo tempo submerso sob a água azul do
mar.
Narração (Anita):
- Pompeu nunca se comportou como um animal feroz, um
assassino...
Pompeu:
- Diz à ciência que nós humanos evoluímos a partir dos
macacos que desceram das árvores e adotaram uma postura ereta. Em pouco tempo
nos aperfeiçoamos biologicamente e chegamos ao ponto em que hoje estamos...
Será isso verdade?...
Narração (Anita):
- Pompeu não era um animal feroz... Ele era doce e sensível,
não podia me enganar...
Pompeu:
- A mulher é a imagem viva de Deus, digna e pura, é arte
bela e perfeita de toda essa revolução biológica... Que mistério extraordinário
provocou esta radical transformação, este requinte estético, este poema celeste
que é o corpo feminino?
Anita sai da água e se aproxima de Pompeu que esboça um
sorriso.
Pompeu:
- Fiquei preocupado com você enfrentado e sumindo entre as
ondas bravias...
Anita:
- Pompeu, o mar está calmo e sereno... Precisei nadar, estou
ficando confusa com o calor... Enquanto nadava eu pensava que seria melhor eu
ir até a pousada e pedir uma ajuda?
Pompeu:
- Eu te peço que não faça isso, não preciso de ajuda
nenhuma, já te disse que há muito tempo não me sinto tão bem... Vamos continuar
o nosso passeio.
Pompeu levanta-se da areia e faz uns exercícios mostrando a
sua disposição.
Anita:
- Ta bem, chega! Você me convenceu... Vamos continuar no
nosso caminho.
Pompeu:
- Você sabe o que está acontecendo aqui comigo? ... Em
alguns momentos, eu pareço viver um ser de ficção, um filme, um texto sem fim,
escrito em um pequeno cristal de silício. Vivo um réquiem que surge deste poema
sinfônico que é você e me deixando encantado... É como se eu estivesse em um
paraíso, uma espécie de déjà-vu do cinema americano da década de 50. Mas isso
não é do seu tempo...
Anita:
- Não é do meu tempo, mas os filmes estão ai para serem
vistos e eu os assisto todos. Adoro cinema. Assisti faz pouco tempo alguns
clássicos do cinema americano, mas do passado o que eu mais gostei foi do
cinema italiano...
Pompeu:
- Eu amo a Itália, mas gosto mais do cinema expressionista
alemão, da estética japonesa, da vanguarda francesa e dos gênios do cinema
americano... Mas não vamos falar do passado, quero viver o futuro, o novo
mundo! Só ele pode ser moderníssimo.
Anita:
- A primeira coisa que você me disse é que já não gostava do
que fazia...
Pompeu:
- Sentia que nada que eu havia feito, ou viesse a fazer,
fazia algum sentido... Só hoje, neste instante, neste momento mágico, vejo
novamente que alguma coisa faz sentido.
Anita:
- Mas como você pode pensar isso... O simples fato de
estarmos andando em uma praia deserta, momentaneamente, em um só instante de
uma pequena fração do tempo que se perde no espaço não passa de um grão de
areia no universo. É o tamanho que esse instante pode significar em toda uma
vida. Vamos, diga-me: em qual medida esse momento supera uma obra de arte, que
é um pensamento que tende a ser constante e infindo?
Pompeu:
- Em nada, eu sei, um faz parte do outro...
Anita:
- Você não devia ter abandonado a boa arte... Só está sendo
agradável aos sentidos o fato momentâneo de estarmos aqui agora vendo a
realidade passar tão rápida quanto o vento que sobra do oeste...
Pompeu:
- Você deve ser um anjo?
Anita:
- Não sou nada!
Pompeu:
- Uma mulher de outro planeta?
Anita:
- Não! Simplesmente uma mulher defensora do que está ainda
vivo...
Pompeu:
- Eu estou vivo?
Anita:
- Só você pode responder a essa pergunta...
Pompeu:
- Nunca conheci uma mulher assim... (Pompeu resmunga
baixinho) você pode me responder se o meu mundo está acabando, chegando ao fim,
ou tudo que vivi não passou de um pesadelo?...
ESTÚDIO
Novamente Jimi (o homem sombra) tenta arrumar a cena que a
menina tem de fazer.
A mãe se afasta.
Ele vai para trás da câmera e ordena com um gesto a ação.
Envergonhada a menina começa a tirara a blusa quando Pompeu,
armado, invade a cena.
A mãe retorna e a menina sai da poltrona vermelha correndo
para abraçá-la.
PRAIA
Anita:
- Olha o céu Pompeu, o azul é mais azul quando o dia chega
ao fim... O céu fica mais bonito quando nasce à primeira estrela e a luz da lua
desponta no horizonte... Vamos Pompeu! Temos que aumentar nossos passos para
chegarmos a tempo na pousada...
Pompeu e Anita aumentam os passos na sua caminhada nas
areias da praia deserta. Pompeu começa a suar e a mostrar um profundo cansaço.
Pompeu:
- Anita nós temos de parar um pouco, preciso descansar...
Anita:
- Vamos sentar ali naquela árvore...
Pompeu:
- Puxa Anita se você quer me dar vida não me faça correr
novamente.
Anita:
- Desculpa-me Pompeu, mas precisava saber se poderíamos
chegar à pousada antes do anoitecer, mas vejo que você não vai conseguir, vamos
ter que passar a noite aqui...
Anita abre a sua mochila e de lá retira um facão e um
cantil.
Pompeu se assusta com a lâmina afiada brilhando na luz
amarelada do sol.
Anita:
- Pompeu bebe um pouco desta água que eu vou catar lenha
para uma fogueira...
Anita embrenha-se na mata fechada enquanto Pompeu bebe no
cantil e tenta se levantar, mas não consegue.
Pompeu está contemplando o por do sol quando Anita retorna
com vários feixes de lenha seca.
Pompeu levanta-se com dificuldade para ajudá-la.
Eles preparam uma fogueira.
O sol se põe enquanto formam-se nuvens carregadas de chuva
no horizonte.
Anita ascende à fogueira e senta-se do lado de Pompeu
pegando em sua mão.
ÚLTIMA CENA
SOPRA O VENTO
SUDOESTE COM CERTA INTENSIDADE
Anita:
- Não tenha medo eu estou do seu lado...
Pompeu:
- Só tenho medo de que esse tempo de felicidade passe muito
rápido.
Anita:
- Só o tempo é findo. O espaço é eterno e o resto é
besteira...
Os dois em silêncio olham para o mar.
A noite chega e Anita levanta-se para ascender à fogueira.
Anita:
- Sabe Pompeu no que eu estou pensando é que esta noite vai
fazer frio e só tenho um cobertor...
Pompeu:
- Vamos ficar juntinhos?
Anita:
- Diga-me porque você ficou aqui durante esses anos todos e
nunca mais voltou para a cidade...
Pompeu:
- Eu já sinto um frio terrível e não sei responder a sua
pergunta...
Anita:
- Vou por uma roupa mais quente...
Pompeu:
- Eu queria voltar, mas os médicos me deram muito pouco
tempo de vida... A verdade é que o tempo passou e eu ainda permaneço aqui na
terra...
Anita abre a mochila e entrega uma manta para Pompeu que
imediatamente põe-se a vesti-las.
Depois ela retira o cobertor e enrola-se nele.
Anita:
- Você está com fome? Tenho aqui um pão, você quer? Vou
fazer um pouco de chá...
Pompeu faz um gesto afirmativo com a cabeça.
Anita senta-se ao seu lado e lhe entrega um pedaço do pão e
passa a comer o outro.
Pompeu mal consegue comer o seu pedaço.
Anita levanta-se e vai para o lado da fogueira e prepara o
chá.
Anita levanta-se, retira o cobertor e o biquíni vestindo uma
blusa e uma calça.
Pompeu olha de esgueiro à cena.
Anita volta para onde está sentado Pompeu.
Pompeu:
- Como você é linda Como você me inspira com sua beleza
pura!Tenho vontade de retratar esse momento para sempre. Fazer novamente
cinema... Como eu estou feliz ao seu lado!
Anita:
- Eu também estou feliz em estar aqui...
ESTÚDIO
Jimi está assustado segurando a câmera no tripé.
Pompeu armado com o taco de beisebol entra em cena saindo
por detrás da cortina de rendas.
Pompeu olha para toda a cena no estúdio.
Todos olham para Pompeu e sua arma.
Pompeu olha para a menina assustada e faz um gesto para ela
se aproximar dele.
Ela está assustada e vacilante segurando na saia da mãe.
Pompeu aponta o taco para Jimi.
Jimi larga a câmera de sua mão e fica de joelho pedindo por
sua vida.
Pompeu aponta o taco para Jimi e se aproximando da câmera no
tripé mete-lhe uma tacada jogando-a no chão com violência.
A menina Anita e a mãe de olhos arregalados se recolhem
abraçadas e assustadas.
Pompeu prepara-se agora para atacar Jimi.
A menina desgarra da à mãe que havia corrido para se abraçar
ao americano, aproxima-se do pai fazendo com que Pompeu não arrebente o rosto
de Jimi, mas não consegue porque a menina corre para abraçá-lo.
Pompeu vira-se de costas e sai de mãos dadas com a menina.
Chegando a porta ela olha para o pai com ternura, mas não o
acompanha...
Pompeu sai sozinho da cena.
PRAIA
Na frente da cena dos dois sentados na areia, está o mar.
No céu de um azul profundo, quase negro, pipocam relâmpagos.
Anita deixa, constrangida, Pompeu passar a mão pelo seu
corpo.
Pompeu sente um imenso e infinito prazer.
Começa a chover.
A chuva molha o rosto de Pompeu e de Anita.
Os dois permanecem em silêncio na mesma posição durante
algum tempo
Como quem vai dormir, ele escorrega lentamente a sua cabeça
para o colo de Anita.
A fogueira se apaga.
Tudo escurece ao azul profundo.
Silêncio
O sol acorda no horizonte amarelado, não há nuvens no céu
azul.
Na praia está o corpo morto de Pompeu.
Ele está sozinho deitado na areia branca e límpida do
paraíso na mesma posição de lado com a cabeça na areia.
Anita, no restaurante:
- Dez anos se passaram com ele escondido, ninguém conseguia
encontrá-lo, nem a polícia, nem os bandidos, desfrutou solitário essas férias
talvez merecidas... Mas só de uma coisa
eu tenho certeza em toda essa história: não foi ele quem matou o americano...,
mesmo assim, ele pagou sua dívida com sua vida...
Uma voz conhecida surge em off:
- Como você pode ter certeza disso?
Pompeu é a mesma pessoa no restaurante:
- Ele foi julgado e condenado!... Foi ele quem matou o
norte-americano!
Anita:
- Tenho certeza do que eu digo, não foi ele! No dia em que
tudo isso aconteceu, eu estava lá... Estava lá porque sou a sua filha...
ESTÚDIO
A menina esta parada na porta, uma arma escondida atrás da
cortina é apontada para Jimi, que ainda está de joelho.
Ela é disparada várias vezes.
O olhar assustado de Anita.
Anita corre para perto da mãe.
O clarão do disparo da arma de fogo enche a cena de fumaça.
PRAIA
O sol reina soberano
Enchendo de luz o céu.
O dia está com uma claridade exagerada.
Um caranguejo morto é levado até a
areia pelas ondas do mar.
Do alto de uma duna vê-se a última
cena.
O corpo de Pompeu envelhecido está
morto na areia.
A luz do dia clareia o cenário
exterior do restaurante.
Anita levanta-se da cadeira,
cumprimenta o seu acompanhante que é Pompeu...
Anita (resoluta):
- Vou-me embora! Esta
amanhecendo!...
Pompeu levanta-se e acompanha
Anita.
Praia
Anita sai do restaurante
acompanhado por Pompeu jovialmente vestido.
A câmera em um plano aéreo se
afasta do corpo morto do velho Pompeu.
A imagem da última cena vai se
afastando pelo céu azul com algumas nuvens, até explodir no brilho forte da luz
do sol.
FIM
Jose Sette abril 2012
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