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sábado, 1 de dezembro de 2012

FOLHETIM 5


Um Conto de Cinema
A ÚLTIMA CENA

SÉTIMA
ESCRITÓRIO DA PRODUTORA
A mulher sai da sala deixando Pompeu e Jimi sozinhos. Jimi anda de um lado para o outro da sala.
Jimi:
- Estou esperando uma resposta Pompeu!
Depois de passar um tempo Pompeu abre a gaveta onde fica a sua arma.
Ele olha para Jimi parado na sua frente.
Pompeu:
- Jimi, eu aceito o negócio, mas antes quero o meu dinheiro...
Jimi:
- Aqui estão os cheques, mas antes você tem de assinar o papel autorizando a sua filha e a sua mulher viajarem para a América e também este contrato de dívida assumida com a nossa empresa em Miami... Tudo agora é assim, por isso não tem mais mala, tem que ser tudo legal, informatizado. Você está entendendo?
Pompeu:
- Bom, agora que tudo foi assinado, me passe os cheques...
Jimi entrega os cheques para Pompeu que abre a gaveta e tira o seu revólver apontando para o rosto de Jimi que se afasta da mesa assustado.
Pompeu pega um computador e entrega para Jimi...
Pompeu:
- Agora, seu filho da puta, usando da informática, como você diz, transfere para a minha conta, que está ai na tela, tudo aquilo que você me roubou e assim estaremos quites e iniciaremos a próxima produção. Estamos entendidos?
Jimi:
- Você enlouqueceu! Não posso fazer isso!
Pompeu:
- Pode sim! É só avisar a Miami e tudo estará resolvido. Caso contrário, vai morrer!
Jimi:
- E os cheques?
Pompeu:
- Você fica com eles, não vou precisar, pois não vou fazer mais nada para você... Vamos! Transfere o dinheiro... Não me obrigue a puxar o gatilho... Vontade não falta!
Jimi começa a digitar no seu computador a transferência do dinheiro.
Pompeu:
- Você sabe que eu sei de onde sai o grosso do dinheiro da sua gang de mafiosos...
Jimi:
- Se você sabe, sabe também o perigo que está sendo exposto caso não cumpra o contrato...
Pompeu:
- Quem tem contrato é você. Você corre perigo, eu não.
Jimi:
- Ok, Pompeu, a transferência foi feita, e agora?
Pompeu (conferindo sua conta e ainda apontando a arma para Jimi):
- Viu como as coisas ficam mais fáceis quando agente tem um bom argumento... Foi uma boa ideia. Você não ficou surpreso?
Pompeu volta a sentar-se na poltrona de sua mesa, abre a gaveta e guarda a arma olhando para Jimi.
Jimi:
- Você é muito audacioso guardando a sua arma, se eu estivesse armado lhe daria um tiro no rosto, mas não vão faltar oportunidades e nem boa ideias...
Jimi sai de cena. Pompeu sai em seguida apresado da sala.
ESTÚDIO
A menina correndo pelo estúdio cai nos braços de Jimi que a segura com força e a consola com carinhos, levando- a novamente a repetir a cena da poltrona vermelha.
CIDADE
Pompeu passando cabisbaixo por uma rua vê Jimi saindo com sua mulher de uma loja na cidade.
PRAIA
Pompeu e Anita andando rentes as ondas que se arrebentam nas pedras escarpadas.
Pompeu não para de falar:
- Você está cheia de razão, não devemos abandonar nossas famílias... Faz pouco não conseguia misturar o meu corpo com as turbulências das águas do mar e precisei quase me afogar para encontrar você ali esperando por um ser que não consegue se dominar ou se equilibrar nessas ondas... Confesso! Tive medo... Perdi o ar!
Anita:                                                                                                                                      - Os humanos são um dos poucos mamíferos que controlam a própria respiração e é um dos poucos animais terrestres que respiram tanto pela boca quanto pelo nariz.
Pompeu:                                                                                                                                        - Porque pensam com inteligência!
Anita:                                                                                                                                       - As águas são nossas amigas, não tenha medo do mar Pompeu, ele é o avô de toda a natureza.
Pompeu:                                                                                                                                           - Os animais, quando jovem, nadam melhor e mais rápido, mas os velhos animais quando mergulham tendem a se afogar...
Anita:                                                                                                                                    - Porque você não foi atrás de sua mulher e de sua filha?
Pompeu:                                                                                                                                          - Sei não!... Tive medo, fui um covarde. Mas não faltou nada para as duas...
Não tenho medo do mar quando estou ao seu lado... Imagine se eu ia me deixar afogar e perder tudo isso que está me acontecendo... Anita me fale mais de você, do seu trabalho...
Anita:                                                                                                                                       - O mar é o meu trabalho. O meu grande amor. Pesquisar as formas de vida animal, vegetal, as formações geológicas, as correntes marítimas, o nível das águas, as marés, é o destino que me está reservado.
Pompeu:                                                                                                                                          - O mar é o seu grande amor... Que coisa romântica para uma menina cheia de vida. Não existe em você outra vida, mais social, festas e namorados?...
Anita:                                                                                                                                         - A vida aquática é mais rica e variada que a vida terrestre. Eu atuo na sua preservação. Nada é mais importante hoje no mundo. Eu viajo sempre, nunca estou em um só lugar, assim não existe tempo para namorar.
Pompeu:                                                                                                                                      - Anita, eu estou cansado, podemos parar um pouco? Preciso descansar...
ESTÚDIO
A mãe aparece na cena para falar com a filha.
Escondido por uma renda está à sombra de Pompeu
PRAIA
Pompeu senta-se na areia enquanto Anita mergulha nas ondas e nada com uma naturalidade como se estivesse em seu meio.
Pompeu a observa com toda a sua atenção e mostra-se preocupado quando seu corpo passa um longo tempo submerso sob a água azul do mar.
Narração (Anita):
- Pompeu nunca se comportou como um animal feroz, um assassino...
Pompeu:
- Diz à ciência que nós humanos evoluímos a partir dos macacos que desceram das árvores e adotaram uma postura ereta. Em pouco tempo nos aperfeiçoamos biologicamente e chegamos ao ponto em que hoje estamos... Será isso verdade?...
Narração (Anita):
- Pompeu não era um animal feroz... Ele era doce e sensível, não podia me enganar...
Pompeu:
- A mulher é a imagem viva de Deus, digna e pura, é arte bela e perfeita de toda essa revolução biológica... Que mistério extraordinário provocou esta radical transformação, este requinte estético, este poema celeste que é o corpo feminino?
Anita sai da água e se aproxima de Pompeu que esboça um sorriso.
Pompeu:
- Fiquei preocupado com você enfrentado e sumindo entre as ondas bravias...
Anita:
- Pompeu, o mar está calmo e sereno... Precisei nadar, estou ficando confusa com o calor... Enquanto nadava eu pensava que seria melhor eu ir até a pousada e pedir uma ajuda?
Pompeu:
- Eu te peço que não faça isso, não preciso de ajuda nenhuma, já te disse que há muito tempo não me sinto tão bem... Vamos continuar o nosso passeio.
Pompeu levanta-se da areia e faz uns exercícios mostrando a sua disposição.
Anita:
- Ta bem, chega! Você me convenceu... Vamos continuar no nosso caminho.
Pompeu:
- Você sabe o que está acontecendo aqui comigo? ... Em alguns momentos, eu pareço viver um ser de ficção, um filme, um texto sem fim, escrito em um pequeno cristal de silício. Vivo um réquiem que surge deste poema sinfônico que é você e me deixando encantado... É como se eu estivesse em um paraíso, uma espécie de déjà-vu do cinema americano da década de 50. Mas isso não é do seu tempo...
Anita:
- Não é do meu tempo, mas os filmes estão ai para serem vistos e eu os assisto todos. Adoro cinema. Assisti faz pouco tempo alguns clássicos do cinema americano, mas do passado o que eu mais gostei foi do cinema italiano...
Pompeu:
- Eu amo a Itália, mas gosto mais do cinema expressionista alemão, da estética japonesa, da vanguarda francesa e dos gênios do cinema americano... Mas não vamos falar do passado, quero viver o futuro, o novo mundo! Só ele pode ser moderníssimo.
Anita:
- A primeira coisa que você me disse é que já não gostava do que fazia...
Pompeu:
- Sentia que nada que eu havia feito, ou viesse a fazer, fazia algum sentido... Só hoje, neste instante, neste momento mágico, vejo novamente que alguma coisa faz sentido.
Anita:
- Mas como você pode pensar isso... O simples fato de estarmos andando em uma praia deserta, momentaneamente, em um só instante de uma pequena fração do tempo que se perde no espaço não passa de um grão de areia no universo. É o tamanho que esse instante pode significar em toda uma vida. Vamos, diga-me: em qual medida esse momento supera uma obra de arte, que é um pensamento que tende a ser constante e infindo?
Pompeu:
- Em nada, eu sei, um faz parte do outro...
Anita:
- Você não devia ter abandonado a boa arte... Só está sendo agradável aos sentidos o fato momentâneo de estarmos aqui agora vendo a realidade passar tão rápida quanto o vento que sobra do oeste...
Pompeu:
- Você deve ser um anjo?
Anita:
- Não sou nada!
Pompeu:
- Uma mulher de outro planeta?
Anita:
- Não! Simplesmente uma mulher defensora do que está ainda vivo...
 Pompeu:
- Eu estou vivo?
Anita:
- Só você pode responder a essa pergunta...
Pompeu:
- Nunca conheci uma mulher assim... (Pompeu resmunga baixinho) você pode me responder se o meu mundo está acabando, chegando ao fim, ou tudo que vivi não passou de um pesadelo?...
ESTÚDIO
Novamente Jimi (o homem sombra) tenta arrumar a cena que a menina tem de fazer.
A mãe se afasta.
Ele vai para trás da câmera e ordena com um gesto a ação.
Envergonhada a menina começa a tirara a blusa quando Pompeu, armado, invade a cena.
A mãe retorna e a menina sai da poltrona vermelha correndo para abraçá-la.
PRAIA
Anita:
- Olha o céu Pompeu, o azul é mais azul quando o dia chega ao fim... O céu fica mais bonito quando nasce à primeira estrela e a luz da lua desponta no horizonte... Vamos Pompeu! Temos que aumentar nossos passos para chegarmos a tempo na pousada...
Pompeu e Anita aumentam os passos na sua caminhada nas areias da praia deserta. Pompeu começa a suar e a mostrar um profundo cansaço.
Pompeu:
- Anita nós temos de parar um pouco, preciso descansar...
Anita:
- Vamos sentar ali naquela árvore...
Pompeu:
- Puxa Anita se você quer me dar vida não me faça correr novamente.
Anita:
- Desculpa-me Pompeu, mas precisava saber se poderíamos chegar à pousada antes do anoitecer, mas vejo que você não vai conseguir, vamos ter que passar a noite aqui...
Anita abre a sua mochila e de lá retira um facão e um cantil.
Pompeu se assusta com a lâmina afiada brilhando na luz amarelada do sol.
Anita:
- Pompeu bebe um pouco desta água que eu vou catar lenha para uma fogueira...
Anita embrenha-se na mata fechada enquanto Pompeu bebe no cantil e tenta se levantar, mas não consegue.
Pompeu está contemplando o por do sol quando Anita retorna com vários feixes de lenha seca.
Pompeu levanta-se com dificuldade para ajudá-la.
Eles preparam uma fogueira.
O sol se põe enquanto formam-se nuvens carregadas de chuva no horizonte.
Anita ascende à fogueira e senta-se do lado de Pompeu pegando em sua mão.
ÚLTIMA CENA
SOPRA O VENTO SUDOESTE COM CERTA INTENSIDADE
Anita:
- Não tenha medo eu estou do seu lado...
Pompeu:
- Só tenho medo de que esse tempo de felicidade passe muito rápido.
Anita:
- Só o tempo é findo. O espaço é eterno e o resto é besteira...
Os dois em silêncio olham para o mar.
A noite chega e Anita levanta-se para ascender à fogueira.
Anita:
- Sabe Pompeu no que eu estou pensando é que esta noite vai fazer frio e só tenho um cobertor...
Pompeu:
- Vamos ficar juntinhos?
Anita:
- Diga-me porque você ficou aqui durante esses anos todos e nunca mais voltou para a cidade...
Pompeu:
- Eu já sinto um frio terrível e não sei responder a sua pergunta...
Anita:
- Vou por uma roupa mais quente...
Pompeu:
- Eu queria voltar, mas os médicos me deram muito pouco tempo de vida... A verdade é que o tempo passou e eu ainda permaneço aqui na terra...
Anita abre a mochila e entrega uma manta para Pompeu que imediatamente põe-se a vesti-las.
Depois ela retira o cobertor e enrola-se nele.
Anita:
- Você está com fome? Tenho aqui um pão, você quer? Vou fazer um pouco de chá...
Pompeu faz um gesto afirmativo com a cabeça.
Anita senta-se ao seu lado e lhe entrega um pedaço do pão e passa a comer o outro.
Pompeu mal consegue comer o seu pedaço.
Anita levanta-se e vai para o lado da fogueira e prepara o chá.
Anita levanta-se, retira o cobertor e o biquíni vestindo uma blusa e uma calça.
Pompeu olha de esgueiro à cena.
Anita volta para onde está sentado Pompeu.
Pompeu:
- Como você é linda Como você me inspira com sua beleza pura!Tenho vontade de retratar esse momento para sempre. Fazer novamente cinema... Como eu estou feliz ao seu lado!
Anita:
- Eu também estou feliz em estar aqui...
ESTÚDIO
Jimi está assustado segurando a câmera no tripé.
Pompeu armado com o taco de beisebol entra em cena saindo por detrás da cortina de rendas.
Pompeu olha para toda a cena no estúdio.
Todos olham para Pompeu e sua arma.
Pompeu olha para a menina assustada e faz um gesto para ela se aproximar dele.
Ela está assustada e vacilante segurando na saia da mãe.
Pompeu aponta o taco para Jimi.
Jimi larga a câmera de sua mão e fica de joelho pedindo por sua vida.
Pompeu aponta o taco para Jimi e se aproximando da câmera no tripé mete-lhe uma tacada jogando-a no chão com violência. 
A menina Anita e a mãe de olhos arregalados se recolhem abraçadas e assustadas.
Pompeu prepara-se agora para atacar Jimi.
A menina desgarra da à mãe que havia corrido para se abraçar ao americano, aproxima-se do pai fazendo com que Pompeu não arrebente o rosto de Jimi, mas não consegue porque a menina corre para abraçá-lo.
Pompeu vira-se de costas e sai de mãos dadas com a menina.
Chegando a porta ela olha para o pai com ternura, mas não o acompanha...
Pompeu sai sozinho da cena.
PRAIA
Na frente da cena dos dois sentados na areia, está o mar.
No céu de um azul profundo, quase negro, pipocam relâmpagos.
Anita deixa, constrangida, Pompeu passar a mão pelo seu corpo.
Pompeu sente um imenso e infinito prazer.
Começa a chover.
A chuva molha o rosto de Pompeu e de Anita.
Os dois permanecem em silêncio na mesma posição durante algum tempo
Como quem vai dormir, ele escorrega lentamente a sua cabeça para o colo de Anita.
A fogueira se apaga.
Tudo escurece ao azul profundo.
Silêncio
O sol acorda no horizonte amarelado, não há nuvens no céu azul.
Na praia está o corpo morto de Pompeu.
Ele está sozinho deitado na areia branca e límpida do paraíso na mesma posição de lado com a cabeça na areia.
Anita, no restaurante:
- Dez anos se passaram com ele escondido, ninguém conseguia encontrá-lo, nem a polícia, nem os bandidos, desfrutou solitário essas férias talvez merecidas...  Mas só de uma coisa eu tenho certeza em toda essa história: não foi ele quem matou o americano..., mesmo assim, ele pagou sua dívida com sua vida...
Uma voz conhecida surge em off:
- Como você pode ter certeza disso? 
Pompeu é a mesma pessoa no restaurante:
- Ele foi julgado e condenado!... Foi ele quem matou o norte-americano!
Anita:
- Tenho certeza do que eu digo, não foi ele! No dia em que tudo isso aconteceu, eu estava lá... Estava lá porque sou a sua filha...
ESTÚDIO
A menina esta parada na porta, uma arma escondida atrás da cortina é apontada para Jimi, que ainda está de joelho.
Ela é disparada várias vezes.
O olhar assustado de Anita.
Anita corre para perto da mãe.
O clarão do disparo da arma de fogo enche a cena de fumaça.
PRAIA
O sol reina soberano
Enchendo de luz o céu.
O dia está com uma claridade exagerada.
Um caranguejo morto é levado até a areia pelas ondas do mar. 
Do alto de uma duna vê-se a última cena.
O corpo de Pompeu envelhecido está morto na areia.
A luz do dia clareia o cenário exterior do restaurante.
Anita levanta-se da cadeira, cumprimenta o seu acompanhante que é Pompeu...

Anita (resoluta):
- Vou-me embora! Esta amanhecendo!...
Pompeu levanta-se e acompanha Anita.
Praia
Anita sai do restaurante acompanhado por Pompeu jovialmente vestido.
A câmera em um plano aéreo se afasta do corpo morto do velho Pompeu.
A imagem da última cena vai se afastando pelo céu azul com algumas nuvens, até explodir no brilho forte da luz do sol.
FIM
  Jose Sette abril 2012

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