Emiliano Zapata
UTOPIA
É estar diante de algo que corresponda ao que é esperado e que não se pode chegar.
Quando não se pode chegar, o melhor é anarquizar para transformar o nada em alguma coisa.
Eu, cineasta e artista brasileiro, desejo, neste momento de transformação política com novas eleições, expressar alguns pontos que acho importante sobre estas infindáveis discussões dos rumos que se pretende dar a todo processo do nosso desenvolvimento cultural.
Novamente a esperança do sonho perdido.
Sempre há alguma luz em um governo novo, principalmente vindo eleito de partidos compromissados com o socialismo e com a liberdade.
- Sabemos que precisamos reformar o país naquilo que ele não está funcionando bem, eles dizem. Eu digo: em verdade todo o país precisa de reformas urgentes.
Sou pessimista na defesa de nossa identidade cultural e de nossa soberania. Mas a cada eleição que passo, eu digo e eles negam sempre as mesmas coisas.
As barreiras e os interesses em comprar e vender o que não interessa, faz parte da política cultural da espoliação, do engano e da alienação. Da farsa e do medo. Do terror e do ódio. Não adianta ganhar e governar alicerçado em velhos paradigmas. De nada adianta, mudar o governo, se não se muda tudo com relação à defesa intransigente de nosso processo de afirmação cultural educacional.
Mudar é criar meios de difusão cultural. É educar. Conscientizar a todos, todos os dias, o tempo todo com um trabalho de difusão independente e direcionado para o Brasil conhecer o Brasil. Isto é que é política de cultura.
É só preciso abrir os nossos canais de comunicação com o povo brasileiro. O lixo imposto, exposto, é flagrante e contínuo, só um cego não vê.
Se esta luz reformadora, se ela existir ou eleita for, se ela souber que da força motriz do povo unido, esperançoso, embalando a vitória nos primeiros dias de um governo que se quer socialista, surge ali, naquele momento, à única oportunidade transformadora, o único instante onde tudo é possível...
Com uma canetada o Brasil pode ser redescoberto.
Para isso é preciso realizar, de pronto, a primeira e a mais importante de todas as reformas: a grande reforma da distribuição para o povo do acervo cultural brasileiro, apresentá-lo por todos os meios de comunicação, de exibição, de penetração, em todos os mais distantes rincões do país, valorizando o que foi perdido, o que nos fala mais alto, o que nos é oculto.
O acúmulo de erros na nossa massacrada cultura, estigmatizada nos governos passados, confundem hoje os possíveis acertos dos novos governantes.
Nossa identidade cultural vai mal. Nem o presidente Lula, que sem dúvida tentou avançar, e nem o seu ministro da cultura, em oito anos de poder, não conseguiram estancar a pressão corporativa contra a libertação da mídia do domínio estrangeiro comandadas por seus representantes da elite nacional.
É incrível: preocupada em perder parte de suas conquistas econômicas, a elite brasileira, ideologicamente comandada pelo pensamento neoliberal internacional e seus aliados paulistas, lança um candidato apadrinhado nacionalmente por poderosas redes de comunicação: televisão, rádio, revista, jornal e por grandes empresas privatizadas no governo do teórico e emplumado FHC.
Esse aglomerado de doutores procura, com um discurso desenvolvimentista, os meios agradar a classe média, esfomeada pela ganância financeira de sempre ter mais que o vizinho que anda com pressa para ascender-se socialmente, levando vantagem em tudo, querendo meter a mão na cumbuca, presa e corrompida por políticos e dondocas deslumbradas com os textos e a inteligência udenista, lacerdista, de um Arnaldo qualquer. Todos ali não passam de personagens do enredo novelesco e superficial de uma comédia americanizadas nos seus melhores sonhos de consumo.
Essa gente quer comprar Miami e as grandes produções da Broadway, sonha com os filmes de roliude, cantando e dançando no ritmo da moda, fazendo do teatro um besteirol, do cinema um urinol, da literatura um escárnio de mal dizer, do jornalismo uma vergonha, com seus desejos vinculados ao mais pífio interesses do homem.
Essa gente é conhecida e tem pressa em atingir os seus objetivos financeiros acumulativos, à custa de todo o país.
Essa gente sofre de uma metanóia degenerativa, vivem na eterna dúvida de estar bem entre deus e o diabo, pois cultua a ganância com bondade angelical.
Essa gente representa, na prática, o pensamento doentio de certos segmentos da política cultural brasileira. Juntos formam a elite nacional da inteligência oportunista. São forças ocultas de uma elite cultural devassa que a partir do golpe militar foram sempre os privilegiados e tentam, ainda, de todas as maneiras, transgredirem, boicotar e esconder, os possíveis avanços no que diz respeito à liberdade de criação da arte brasileira. São estas forças que este governo não tem conseguido conter. Essa gente ainda dirige, comanda e privilegia financeiramente a deslumbrada e globalizada classe artística conformista e conservadora desta cultura tropicalista dos anos de chumbo, conduzindo-a pelas rédeas curtas da ditadura capitalista do cala-boca ou tu morre de fome.
A turma paulista está querendo que o povo desacredite da competência da mineira Dilma; na impossibilidade da Marina governar; na pouca penetração dos pequenos partidos mais a esquerda; valendo-se para isso do Serra, antigo estudante da esquerda católica (será que isto existe?), tudo em prol do deslumbre de novamente comandar uma política oportunista, entreguista, colonizada, com os privilegiados de sempre, mais os saudosistas, de volta aos altos cargos de onde tentariam, de todas as maneiras, reverterem à pequena guinada socialista que o país deu aos trancos e barrancos, nestes últimos oito anos.
Vocês sabem o que aconteceu quando o então Ministro Gilberto Gil quis fazer uma tímida reforma na Ancine, transformando-a em uma agência forte e combativa na defesa do audiovisual brasileiro? Ele encarou o tigre de frente e pressionando, todos os dias, por entidades patronais, jornais, noticiários bombásticos, até comprometer todo governo com os meios de comunicações do país, quase pediu demissão, mas ficou e concordou.
Que pena, tempo perdido. O governo não via na conquista de nossa identidade cultural a prioridade das metas governamentais, ao ponto do Presidente não poder mais estancar as pressões da mídia, dos políticos e partidos lobistas, dos oportunistas, dos artistas mal informados e cortar o projeto na raiz, destruindo o sonho transformador e anulando a quase nada a pasta da cultura.
Com o pensamento na liberdade, no fazer das artes e no domínio cultural de uma poderosa indústria de comunicação, uma indústria do saber, de educação, reivindico em nome da arte, como programa político para todos os nossos candidatos, por todo Brasil, que seja o redescobrimento de nossa identidade cultural e artística e educacional a prioridade de um novo governo.
Defender a difusão de nossa cultura é preservar a nossa soberania e fortalecer os nossos direitos, é fazer justiça através da educação da grande maioria de nossa juventude. Jovens tão alienados, tão colonizados pela mídia consumista e passageira, que não possuem mais identidade – já não sabem mais quem é quem e caminham a passos largos para a massificação do lugar comum, do clichê - foi-se o paraíso tropical e perde-se o delírio de uma vida brasileira. Sem o sentido verdadeiro do existir, para uns, só restou o caos.
Entre todas as reformas necessárias esta é a mais difícil.
No Brasil e também em todo o mundo, a juventude realizadora de arte, que vem ocupando os espaços na disputada indústria da criação, se apresenta hoje como artistas criadores de peças comercialmente vendáveis, criadas e trabalhadas nos clichês desgastados, muitas vezes medíocres, de apelo fácil, de coisas vulgares, expostas pela arte da sobrevivência e da subserviência ao comum, ao chulo, ao que nada vale. Na arte de furtar, no vale-tudo da política globalizante imposta a cultura nacional, firmemente e finamente, comandada pelo poder financeiro internacional, quem sai perdendo é o Brasil.
Moldam o jovem ao seu gosto, do primário ao ensino superior, eliminando sua identidade, mascando chiclete, tomando coca, comendo Mac, controlam a sua mente, criando uma massa de seres de manobras que se satisfazem com o que de pior a vida pode oferecer. Depois que crescem e chegando ao poder, vivem no firme propósito de concretizar suas necessidades burguesas, colocam-se a frente dos interesses nacionais, negam tudo que é ético e nobre, promovem grandes negócios e prometem faturar milhões de dólares, pois os seus produtos, é claro, são os piores e de grande aceitação popular.
Não vejo, entre os jovens, a necessidade do novo, da busca do desconhecido, da renovação da linguagem criativa. Uma única estética domina suas cabeças: a estética de que é preciso vencer a qualquer custo, ser rico, ter sucesso e prestígio, nem que para isso seja preciso vender a alma ao demônio.
Só que a arte de se fazer e de se vender idéias é composta de muitos itens que se querem desconhecidos para essa juventude.
Nos países em que os governantes se preocupam e querem registrar e exibir a construção da identidade nacional de seu povo, representado na realização e exibição do seu patrimônio cultural, as leis de obrigatoriedade e os incentivos de apoio financeiros são ferramentas necessárias e fundamentais a existência dessa milenar indústria.
Por isso é preciso questionar os candidatos a presidência república quanto a sua proposta de governo em relação à arte brasileira e a liberdade de poder criar.
Eu, por exemplo, que não sou candidato a nada, sou a favor da criação dos Mil Centros de Cultura do Brasil (unindo a exibição e a introdução do conhecimento teórico e prático da arte nacional), manifestada em nosso cinema, teatro, música, poesia, literatura, artes plásticas, pois só assim poderemos transformar, para melhor, os jovens, que cada vez mais estão totalmente perdidos na fantasia de um mundo alienante, insensível, irreal, novelesco. Só a educação, através da arte, pode libertar essas cabeças saturadas do lixo estrangeiro e despertá-las para um mundo melhor de idéias.
Mil centros de cultura interligados. Mil salas de distribuição digital unindo a arte e a cultura brasileira do norte ao sul do país. Está ai o primeiro passo para se transformar o Brasil.
Sou a favor de que os recém criados “Pontos de Cultura”, em consonância com todos os segmentos municipal de cultura, estruturem-se em suas cidades, para que sejam os gestores deste revolucionário empreendimento, antes que forças ocultas, manipulando verbas altíssimas, passem a comandar o grande circo tecnológico digital que invadirá o país de norte a sul.
Esta grande rede de comunicação se for criada, não poderá ficar sem a orientação dos grandes artistas e seus representantes.
Não adianta brigar, dividir, reclamar, o que é preciso é acertar politicamente e estruturalmente o financiamento público para a exibição e apresentação ao grande público, em todos os canais de comunicação, a verdadeira arte brasileira representada pelo Cinema, Teatro, Literatura, Música, Artes-plásticas, Dança, Televisão, pela Arte Digital, pela Arte popular, pelo Folclore e por todos os saberes histórico-filosóficos do nosso povo.
Um presidente forte de oposição, eleito no primeiro turno, para mudar as regras do jogo, basta criar, com o apoio dos governos estaduais e municipais, por todo o país esses Centros de Estudo e Desenvolvimento da Identidade Brasileira, que teria o estatuto de uma universidade aberta, onde a juventude poderia em conversas, debates, aulas em salas de trabalho, exibições de vídeos, filmes, bate-papos, leitura e publicação de livros pela internet, apresentações de teatro, de música, poesia, artes plásticas, etc., com artistas convidados, renovar a nossa cultura e discutir o nosso país.
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