O revolucionário Luiz Rosemberg, mago da invenção cinematográfica, está mais forte, a cada filme seu que eu vejo, mais atualizado, com os meios eletrônicos de produzir imagens.
Eu recebi ontem dele um duplo presente: primeiro o livro-reportagem do movimento libertário estudantil alemão de 1968, onde se forma o Grupo Baader Meinhof, intitulado: “Televisionários”, escrito por Tom Vague e publicado pela Conrad. Um livro de memória esquecida, enterrada, que só a sensibilidade de um grande artista descobre e transmite. Gentileza da arte, abrindo abruptamente as cortinas empoeiradas do cinema Pirajá. Fazendo-me lembrar do acontecido, de certas coincidências históricas, porque de todos os acontecimentos que vivi, na década de 60, este foi o que mais mexeu com a rebeldia consumida por mim e por grande parte dos amigos da minha juventude na época da ditadura militar em nosso país. Era sobre essa facção, jovem e revolucionária, do exército vermelho alemão, que menos informações tínhamos. E que mais nos inspirava nas longas conversas nos bares da vida. O tempo passou e hoje, 40 anos depois, posso ler agora o que nos era definitivamente negado saber no passado.
Não acredito mais nas ações violentas contra os inimigos do povo. Não suporto mais atos de violência contra quem quer que seja. A revolução hoje é outra, imagino: é a revolução das idéias. A babel está institucionalizada pela mídia imperialista. Ninguém fala mais a mesma língua, todos nós temos idéias próprias e únicas sobre o que estamos vi vendo. Ninguém mais se entende. Cavalos de raça e pangarés disputam cabeça a cabeça o grande prêmio Brasil. Não existe partido sem um pensamento político unificado e organizado. Da direita fascista a esquerda democrática a distância é uma curva. Não acredito em nada disso agora. Os artistas não abrirão mais a marcha revolucionária dos exércitos de libertação. A prosa e a poesia agora são outras,
A mídia está, a cada dia, mais e mais autofágica. Vem se enfraquecendo no poder do pensamento único, monocórdio, limitado, bestializado, indutor do sonho capitalista de dominação, através das grandes redes de comunicação de imagens e de sons estéreos, dolby, em 3D, super definição e textos cientificamente dirigidos, estudados e depois espalhados, todos os dias, anos após anos, em acumulo de experiências e estudos de marketing, com muito dinheiro e poder.
Pois de toda essa loucura forma-se o maior império de comunicações que já existiu, espalhando os seus ferozes tentáculos em todo o mundo civilizado através do cinema, da televisão, dos rádios, jornais, revistas e redes internacionais de computador, sendo tudo isso comandado pelos grandes grupos que dominam os interesses financeiros mundiais; que dominam de fato a saúde monetária (o papel virtual do dinheiro eletrônico) da economia globalizada. Mas ninguém segura o mundo pelas mãos e muito menos os fantasmas. A cobra está comendo o próprio rabo. Só uma boca engole o mundo inteiro. A boca da noite. No Brasil o povo só tem um partido que ele ama e este partido é representado pela camisa e a bandeira do seu clube de futebol, o resto é a babel de todas as mídias, de todas as imagens, de todo sangue e de toda a miséria que alimenta a nossa alma brasileira. Como é triste.
O segundo presente foi o vídeo “Nossas Imagens” de sua autoria, que traz para quem o vê, imagens do nosso caos social e cultural descrito e confrontado com o texto duro, godardiano, na sensível edição dos acontecimentos e fatos de um mundo forjado pelos enganos contundentes de uma mídia de marketing que nos querem infligir. Rosemberg lembrando a figura portentosa de um Nietzsche de farto bigode em close observa com a sua crítica severa o mundo corrompido pelos desejos insanos de um mercado de bugigangas e porcarias de todos os tipos e de homens que se deixaram robotizar imaginando estar ali a sua segurança e o seu futuro.
É um belíssimo trabalho de cinema, pois isso é cinema – o resto são filmes – onde o autor se deixa levar pelas utopias abstratas da poesia cinética de suas imagens e através do som, antítese do que se quer contar, contraponto crítico da imagem, ele nos presenteia com a descoberta da mulher caribenha, latina e americana, contemplada pela figura austera do senhor Welles nesta sua viagem a lua com o deus Bacosvaldiano Martinez Correa. Evoé!
O cinema passa através da máquina de luz. Mesmo preso entre os 24 quadros, quando é exposto no mágico movimento, explode em luz e em liberdade de tudo poder. Que belo plano é a máquina projetando outro mundo. Vertigem? O cinema é a indústria do comércio, e onde ficamos nós? O operário é levado às alturas pelo elevador da construção de mais um pombal onde na certa ele não vai morar – pura dialética cinematográfica a ser decifrada pela negra cameflex e suas três lentes francesas. A fábrica de veneno industrial é também observada pela câmera reenquadrada sutilmente pela pálida mão em quadro. A câmera roda no plano enquanto o texto iconoclástico rola na voz suave da mulher contestadora e na certa, por conhecê-lo, encantadora.
O filme/vídeo além de ser uma reflexão do poder da imagem, desconstrói, nos seus 20 minutos de duração, a moral burguesa do enriquecimento a qualquer custo, quando através de livres montagens de jornais e revistas demonstra pelas manchetes retratadas e coladas a nossa vergonhosa história contemporânea que o autor temendo ser descoberto esconde o rosto em um plano detalhe de grande impacto visual e simbólico. O filosofo reaparece e sua voz é cortada, censurada pelo zíper de um palhaço qualquer. Mas a imagem permanece, a trilha permanece, a visão permanece obcecada como cartas para o futuro e de repente nuvens permeiam o céu caboclo do nosso interior representado pela figura mítica da deusa nua sobre alvos lençóis. È pura poesia panfletária – congresso ao avesso, negativo, vibrante e a morte do romantismo na foto trágica das selvas bolivianas. O canalha levanta a cabeça do morto para a imagem derradeira.
As bundas latinas voltam agora, pela metade, deformadas pela sacanagem de uma pornografia barata relacionadas aos machos-marines que nos vigiam e fazem da guerra um meio limpo de arrecadar mais dinheiro para sua família e morrem como heróis da burguesia imperialista. “No capitalismo lucra-se com tudo até com o horror”.
O texto é justificado pelas imagens e o panfletário em alguns momentos supera a poesia, mas logo depois a poesia ocupa o seu lugar e volta a ironia e o sarcasmo; a balofice é mostrada embalada por uma trilha vinda dos vaudevilles, das charamelas dos jornais vendidos onde uma só palavra vale por mais de mil imagens. Um tanque de brinquedo é coberto de tinta vermelha manchando de sangue a mídia várias vezes enquanto ali perdido no canto da página, intacto, podemos ler nas únicas letras legíveis os dizeres: “Direitos Humanos”.Ai pensei: essa é a tônica de todas as nossas imagens, o filme/vídeo do Rosemberg é um libelo sobre a liberdade de todos os direitos do homem.
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