DESANUVIA
CÉU DE JÚPITER E DE VÊNUS
Fábio Carvalho
Júpiter e Vênus éramos nós dois, eu e você, naquele
inverno merecido dos trópicos iluminados pela Lua plena. Fachos de luz
cintilavam a emoção do encontro elevado, em suspensão airosa. Olhando a cidade
por cima, tive a sensação exata que meu umbigo é coisa que mais me importa,
pensando fundo nas descobertas interiores e visuais, que sem elas talvez as
verdades vejam outras, sem dúvidas você tem que escolher entre ver ou não ver,
afinal o que seria o cinema? E ou do cinema? Não sei. Quero pensar no meu
cinema, ou melhor, no filme que estou a fazer. Tantas considerações, me
deixando em estado de dispersão e um tanto quanto bloqueado, já que em verdade
são vários filmes ao mesmo tempo em processo jorrando dentro da minha cabeça.
Refluxos diários e noturnos. Espero chegar ao tempo do cinema, vendo a paisagem
através da janela da cabine da locomotiva em movimento, ou pela escotilha do
navio atravessando o mar, revelando em mim mais um filme. A personagem
Juscelino é um original, um pé de valsa, um galante altaneiro e visionário, um
empreendedor hedonista, assim nos descobrimos em imagens da luz de seu olhar,
da juventude a maturidade, uma indecifrável melancolia incidente. Uma bela
melancolia. Cera de abelha com óleo mineral, o quadro não é mais necessário,
basta ela a imagem. Aquarelas com cores aguadas, olhos vermelhos molhados,
xadrez chinês multifacetado dentro de uma questão oculta, nada além de vontade
artística. O mistério das palavras, com tanto amor no prazer ou prazer no amor,
passei a olhar as mulheres com outros olhos que eram os mesmos de antes, um
curioso impertinente no auge da adolescência com vontade de desobedecer. O
tempo precisou passar. Vou voltar, sei que ainda vou voltar para o meu lugar,
foi lá e é ainda lá que eu hei de ouvir cantar uma Sabiá, o meu Sabiá. Vou
deitar à sombra de uma Palmeira que já não há, colher a flor que já não dá, e
algum amor talvez possa espantar as noites que eu não queria lhe anunciar o
dia. Este insert sincopado vai dedicado para a Música do Sangue que o Bigode
acaba de cozinhar. Tudo tão leve num triste arrebol. Quem pensava em desenganos
se enganou de vez. Após um apelo irrecusável fui assistir o calor das
Bacurinhas na Esquyna da Sagrada Família. Não me arrependi. Todas
lindas nuas e revolucionárias, corajosas sem proteção na província, realmente
uma coisa extraordinária, fizeram de mim um cavalo prateado realizador das
possibilidades humanas recônditas durante mais de três semanas. Três delas já
tinham trabalhado comigo, me reconheceram, outra a Anaiz, conheci ali na
ribalta suada como veio ao mundo, conseguiu fazer chegar as minhas mãos o que
já tinha psicografado há anos, inclusive a personagem da Luciana no filme de
dois nomes que já era para estar escrito. Diamante devaneio ao éter,
Diamantina. Tenho demorado um pouco, mas acho que com a ajuda do Henry
Miller, e do quadro As Banhistas do Renoir pai, tudo vai andar. O olho é
pragmático, a poesia precisa chegar a ele. Melhor dizendo, ele precisa da
chegada dela. A Maria que era Cida ressurgiu depois de mais de vinte anos
passados, tocando uma sinfonia no piano como ninguém nunca tocou, usando várias
partes do corpo menos os dedos das mãos. Fui andando na noite, olhei minha sombra
que eram duas, a princípio estranhei, percebi então que era um efeito da
reunião das luzes dos postes, como um homem de joelhos no chão de uma piscina
vazia, o perigo das ruas. Do espiritual na arte. Novamente o Doutor Sette, meu
professor, deu linha para minha consciência por entre as nuvens em movimento.
Vou ter que aprender a lidar com títeres. Eu sou do samba rasgado, do samba bem
ritmado, que deixa a gente cansado de batucar. Mas se na roda de samba, eu
encontrar um amor, aí não vou para casa, não senhor, não vou, não vou. Pulsão
escópica, transcendência do gozo mitológico construído pelo olhar. Para filmar
dilemas morais, finalizo o som e tudo, por enquanto. A boca da Camila Pitanga
pedindo silêncio com o dedo na capa do disco, bastante atraente. Quando Le
Corbusier falou para o Niemeyer que a arquitetura era invenção, a luz se fez.
Jean Luc Godard disse mais uma vez que o cinema serve para mostrar o
que a gente não vê
Nenhum comentário:
Postar um comentário