Uma vida dedicada ao nada?
Nada
me deixa mais acabrunhado do que ser desrespeitado no meu trabalho.
Tenho
escrito sobre o destrato que venho sofrendo em várias ocasiões desde que optei
na minha adolescência pelo fazer cinema. Aos dezoito anos já havia escrito um
roteiro para um filme de longa metragem (Cidade Sem Mar) em parceria com dois
amigos: o escritor Luiz Carlos Dolabela e o jornalista Marco Antônio de Menezes.
Morava em Minas Gerais e convivia com os jovens diretores do cinema mineiro:
Maurício Gomes Leite, Schubert Magalhães, Carlos Prates Correa e sonhava em
realizar meu primeiro filme de ficção.
Saí
do Brasil, no trágico ano de 1970 e só pude concretizar esse sonho no meu
retorno, em 1975, produzindo, sem os recursos necessários, o longa-metragem “Bandalheira
Infernal”. Nesta época já existia a Embrafilme, mas não se interessaram pelo
projeto. Só em 1985, com a Empresa em profunda decadência, é que eles aceitaram
produzir o meu roteiro “Um Filme 100% Brazileiro”, sobre o poeta modernista
francês Blaise Cendrars, com o mais baixo orçamento que até aquela data a
estatal havia liberado. O filme, premiado aqui em festivais de cinema, foi para
Berlim e depois disso nunca mais consegui emplacar outro projeto, mas continuei
a fazer cinema com muito pouco dinheiro.
No
final dos anos 90, consegui em Juiz de Fora, com apoio da lei municipal Murilo
Mendes e do Governo de Minas Gerais, produzir e realizar um longa-metragem
sobre o compositor mineiro Geraldo Pereira. No dia 23 de abril, ano seguinte a
sua produção, consegui convencer o Leonardo, na época diretor de programação da
TV E do Rio a unir-se ao Rogério Brandão, diretor de programação da TV Cultura
de São Paulo e mais a direção da TV Minas, a exibirem em cadeia nacional, no
dia de São Jorge, Pixinguinha, Tia Ciata, o Rei do Samba, filme que fiz sobre o
mineiro sambista Geraldo Pereira. O programa foi um sucesso que nada custou aos
cofres das três emissoras – Não me arrependo - pensei em dar esse presente ao
samba e acrescentar ao cinema brasileiro de baixíssimo orçamento o seu justo
valor.
O
tempo passou e uns anos atrás eu abro os jornais e vejo que a Tevê Brasil, que
substituiu a TV E, lança um edital de aquisição de filmes brasileiros de longa
metragem. Entro com o filme “O Rei do Samba” que numa grata surpresa é um dos
escolhidos entre um grande número de escritos. Penso: Deus é justo! Finalmente
vou receber o pagamento do meu gesto de desapego e de amor à cultura
brasileira. Mas nada disso aconteceu. O tempo foi passando, mandei alguns
e-mails, telefonei outras vezes, procurei saber o que estava acontecendo com o
edital. Um dia me pediram para tirar o CPB na Ancine. Depois de muito trabalho e
gastos financeiros tirei o certificado. Volto ao telefone, aos emails e nada. Vou
falando com um e com outro e nada. O primeiro a tratar comigo foi o senhor
Fernando Nascimento (email abaixo). Depois me informaram que ele não trabalhava mais na
emissora e que em seu lugar entraria o Rogério Brandão. Puxa! Que bom. Pelo
menos agora eu vou saber o que está acontecendo. O tempo passou e continuo
navegando no nada. Só sei, porque vejo... Muitos filmes foram adquiridos pela
TV Brasil, menos o meu. Confesso que hoje se esgotou a minha paciência. Ao ler às
listas de cinema, os jornais, as revistas especializadas, eu percebo que
ninguém tem reclamado de ser maltratado ou desrespeitado pelos burocratas do
governo que ocupam cargos importantes e que muitas vezes não sabem o que fazem
por desconhecerem completamente o universo e a importância da nossa obra
cinematográfica. Puxa tenho 65 anos e estou a 45 anos vivendo do nada em que me
meti.
Documento – email que nada significa.
De: Fernando Nascimento
Para: josesette
Enviadas: Sexta-feira,
4 de Novembro de 2011 14:46
Assunto: Re: FILME O REI DO SAMBA
Assunto: Re: FILME O REI DO SAMBA
Boa
tarde,
Após a
realização, no primeiro semestre, de três editais visando cadastramento de
obras audiovisuais para licenciamento e programação na TV Brasil (longas
ficção, curtas e longas doc), e um próximo dedicado a séries, ainda não
lançado, a EBC precisou fazer dramático esforço para adequar-se ao corte de R$
76 milhões no orçamento para 2011. Por essa razão, foram suspensos sine die os
licenciamentos de obras indicadas pelas comissões seletivas. Tão logo tenhamos
condições de retomar as contratações, conforme as necessidades de nossa grade e
a disponibilidade financeira da empresa, você será comunicado.
Com
relação a negociação de seu filme com outras empresas, informamos que os
contratos de licenciamento com a TV Brasil não prevêem exclusividade, ou seja,
você está livre para negociá-lo sem prejuízo.
Atenciosamente,
Fernando
Nascimento
Gerência de Licenciamentos Nacionais - TV Brasil
Gerência de Licenciamentos Nacionais - TV Brasil
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