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sábado, 9 de março de 2013

AMÉRICA LATINA CHORA

"Yo soy Chávez"

MARIO DRUMOND

"Você, criança, é Chávez! Você, estudante, é Chávez! Você, camponês, operário, soldado, trabalhador, aposentado, mulher e homem revolucionário e patriota, é Chávez! Chávez não sou eu; todos somos Chávez; porque Chávez é o povo!" (Hugo Chávez, durante a vitoriosa campanha para a eleição presidencial de 7 de outubro de 2012 na Venezuela)

Quando soou em meus ouvidos a notícia da morte de Chávez, a sensação foi a de que o mundo murchava como uma bola cheia que acaba de ser brutalmente perfurada. De fato, o mundo ficou menor sem Chávez. Porém, graças a seu legado de estadista e orador, com mais conteúdo humano. Em especial no que mais falta fazia a este mal tratado planeta e a seus infelizes habitantes: a chama política revolucionária - revolucionária mesmo! - que, ao final do passado século, por pouco (por Chávez) não se extinguiu.

Acompanhando pela TeleSur o cortejo fúnebre em Caracas pude testemunhar o esplendor dessa chama nos depoimentos do povo venezuelano. Diante das câmaras, os homens e as mulheres do povo da Venezuela, em particular e com melhor fluência os de extratos sociais de menor renda, não titubeiam nem se acanham. O discurso revolucionário está na ponta da língua. E em um grau superior de comunicação verbal.

Nas seis horas de cortejo, a TeleSur colheu pelo menos uma centena de depoimentos de populares, tomados ao acaso de quem passava por perto da equipe de reportagem. Foi um programa e tanto, apesar da longa duração. Sinceramente, eu gostaria de revê-lo todo, pois o imperativo do trabalho várias vezes me obrigou a deixá-lo. Devo ter perdido muita coisa boa, pela amostra do que pude ver. Penso que uma boa montagem geraria uma antologia audiovisual tão preciosa quanto saborosa e atraente. "Todos somos Chávez!"

Muitas vezes embargada pela dor da perda ou pela emoção do momento, mas sempre com o timbre de uma consciência sinceramente refletida, a hoje revolucionária voz do povo venezuelano tornou-se capaz de compor análises, críticas, dissertações, cantos de amor, poemas e outras peças de oratória, com elevadíssima média de qualidade comunicacional (e até literária), algumas das quais alcançando mesmo, e sem exagero, o virtuosismo.
Termos considerados eruditos e tidos como de complexa ou difícil verbalização em discursos de improviso, mais ainda quando saindo da boca do povo, tais como, "parafraseando a Pablo Neruda", "construindo o homem novo", "oligarcas apátridas", "plutocracia entreguista", "proibido olvidar", "célula revolucionária", "participação protagônica", "construção do socialismo", "emancipação do poder popular" entre outros do tipo, são pronunciados com uma surpreendente fluência, propriedade e domínio conceitual, sem nenhuma afetação cartilhesca ou cacoete de decoreba.
A maior riqueza audiovisual do documentário que aqui mentalmente realizo estaria na força dessa incrível oratória amparada nas imagens com ela sincronizadas de donas-de-casa, operários, empregadas domésticas, lavradores, balconistas, taxistas, deficientes físicos, secundaristas, malabaristas, artesãos e até atletas e artistas, na grande maioria pessoas de origens humildes, de todas as etnias e miscigenações, numa ampla variação etária (calculei a "faixa" entre os 15 e os 90 anos).

Num determinado momento, peguei um breve contraponto da TeleSur tomando depoimentos numa manifestação pró-Chávez em Madrid. Pobre Europa! Seus "cultos" filhos já mal sabem balbuciar umas poucas e desconexas frases diante das câmeras. Foi de dar pena. Falta ao povo europeu o espaço cultural e midiático que Chávez conquistou para os "sudacas" venezuelanos. Daí o despreparo e o pouco convívio com o léxico daqueles pobres nordacas (o que não quer dizer que são nordacas pobres, apesar de em crise).

Vi certa vez num programa da VTV (estatal venezuelana) o filósofo mexicano Fernando Buen Abad exibindo um gigantesco catálogo de obras e conquistas da Revolução Bolivariana, preparado por um grupo de jornalistas de Caracas. Estou certo de que esta não consta nele. É uma conquista pedagógica, de essência; essência revolucionária, humanista e marxista por excelência. Quando perguntaram a Marx sobre "liberdade de imprensa", ele respondeu que não lhe interessava a "liberdade de imprensa" mas, sim, "a imprensa da liberdade". Pois aí está ela, nas telas da TeleSur. E assim deve ser incluída no catálogo das conquistas de Chávez: a imprensa da liberdade.

Contudo, gigantesca mesmo é a glória de Chávez. Perto dele, os "estadistas" neoliberais que assolam as Américas e a Europa não são mais que um balaio de ratazanas imundas e peçonhentas que mal chegam aos seus calcanhares. O que lhes bastou para, enfim, inocularem essa peçonha altamente infecciosa, produzida com tecnologia "de ponta" ou "de última geração", num dos calcanhares do nosso Aquiles sulamericano.

Eis porque a transmissão da TeleSur não me salvou do pessimismo.
Permanecem em mim graves razões para pensar que é a estupidez que prospera na humanidade, que a imundície se sobrepõe à pureza. É a ação do diabo na natureza humana, a que nos faz recordar a indignação de Unamuno ao ver as falanges facistas de Franco invadirem o seu "templo do saber", a sua amada Universidade de Salamanca:
"Vocês vencerão; vencerão porque lhes sobra a força bruta. Mas não convencerão, porque para convencer é preciso persuadir. E para persuardir necessita-se o que lhes falta: a razão e o direito de lutar."
Vai, Osama! Vai, Merdel! Vai, Montim! Vai, Rajoya! Vai, Hollanda! Vai, Camelon! Vai, Azner(a)! Vai, Uribi! Vai, Vagas Llosa! (assim mesmo, sem revisão) Vão vocês todos, de preferência, à puta que os pariu! O mundo é todo seus e de seus drones. Já dizia o meu falecido amigo Rogério Sganzerla: "o mundo é dos boçais!"

Quanto à mim, mesmo pessimista, eu sou Chávez!
Abraços
Mario Drumond
Produtor de Cinema, escritor, artista gráfico de Belo Horizonte

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