Trechos escolhidos de uma carta do cineasta Michael Moore.
... Vendi o meu filme para um grande estúdio de cinema... E então, de repente, lá estava eu montado em três milhões de dólares. O que eu faria do dinheiro? Muitos rapazes de terno e gravata apareceram com muitas sugestões, e logo vi que, quem não tivesse forte senso de responsabilidade social, seria facilmente arrastado pela via do “eu-eu” e muito rapidamente esqueceria a via do “nós-nós”.
Em 1989, então, tomei decisões fáceis:
1. Primeiro de tudo, pagar todos os meus impostos. Disse ao sujeito que fez a declaração de rendimentos, que não declarasse nenhuma dedução além da hipoteca; e que pagasse todos os impostos federais, estaduais e municipais. Com muita honra, paguei quase um milhão de dólares pelo privilégio de ser norte-americano, cidadão desse grande país.
2. Os 2 milhões que sobraram, decidi dividir pelo padrão que, uma vez, o cantor e ativista Harry Chapin ensinou-me, sobre como ele próprio vivia: “Um para mim, um para o companheiro”. Então, peguei metade do dinheiro – e criei uma fundação para distribuir o dinheiro.
3. O milhão que sobrou, foi usado assim: paguei todas as minhas dívidas, algumas que eu devia aos meus melhores amigos e vários parentes; comprei uma geladeira para os meus pais; criei fundos para pagar a universidade das sobrinhas e sobrinhos; ajudei a reconstruir uma igreja de negros destruída num incêndio, lá em Flint; distribuí mil perus no Dia de Ação de Graças; comprei equipamento de filmagem e mandei para o Vietnã (meu movimento pessoal, para reparar parte do mal que fizemos àquele país, que nós destruímos); compro, todos os anos, 10 mil brinquedos, que dou a Toys for Tots no Natal; e comprei para mim uma moto Honda, fabricada nos EUA, e um apartamento hipotecado, em New York City.
4. O que sobrou, depositei numa conta de poupança simples, que paga juros baixos. Tomei a decisão de jamais comprar ações. Nunca entendi o cassino chamado Bolsa de Valores de New York, nem acredito em investir num sistema com o qual não concordo.
5. Sempre entendi que o conceito do dinheiro que gera dinheiro criara uma classe de gente gananciosa, preguiçosa, que nada produz além de miséria e medo para os pobres. Eles inventaram meios de comprar empresas menores, para imediatamente as fechar. Inventaram esquemas para jogar com as poupanças e aposentadorias dos pobres, como se dinheiro dos outros fosse dinheiro deles. Exigiram que as empresas sempre registrassem lucros (o que as empresas só conseguiram porque demitiram milhares de trabalhadores e acabaram com os serviços de saúde pública para os que ainda tinham empregos). Decidi que, se ia afinal ‘ganhar a vida’, teria de ganhá-la com meu trabalho, meu suor, minhas ideias, minha criatividade. Eu produziria produtos tangíveis, algo que pudesse ser partilhado com todos ou de que todos gostassem, como entretenimento, ou do qual pudessem aprender alguma coisa. Meu trabalho, sim, criaria empregos, bons empregos, com salários decentes e todos os benefícios de assistência médica.
Continuei a fazer filmes, a produzir séries de televisão e a escrever livros. Nunca iniciei um projeto pensando “quanto de dinheiro posso ganhar com isso?”. Nunca deixei que o dinheiro fosse a força que me fizesse fazer qualquer coisa. Fiz, simplesmente, exatamente o que queria fazer. Essa atitude ajuda a manter honesto o meu trabalho – e, acho, ao mesmo tempo, resultou em milhões de pessoas que compram ingresso para assistir aos meus filmes, assistem aos programas que produzo e compram meus livros.
Naquele dia distante, em novembro de 1989, quando vendi meu primeiro filme, um grande amigo meu disse o seguinte: “Eles cometeram erro muito grave, ao entregar tanto dinheiro a um sujeito como você. Essa grana fará de você homem perigosíssimo. É prova do acerto do velho dito popular: ‘Capitalista é o sujeito que vende a você a corda para enforcar ele mesmo, se achar que, na venda, ele pode ganhar algum.”
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