A ESTÓRIA E EU João Rudge
Sempre gostei de estórias, logo sou suspeito.
Mas lá estava eu hoje, lendo, enquanto minha avó dormia ao lado e a televisão passava um jogo de futebol, quando mais uma vez uma estória me abraçou. Terminei o livro assim, no meio de tudo, mas ao mesmo tempo, completamente alheio de tudo que me cercava. Entre um capítulo e outro, parava para olhar minha vó e dar uma espiada no jogo, mas logo queria voltar para o que o livro me contava, sobre o que ele contava sobre mim.
Perto do fim, chorei. Não chorei prantos, não fiz barulho. Chorei quieto e sozinho, um choro que não me causou vergonha, nem orgulho. Foi um choro calado, daqueles que o olho mareja, e transborda uma, ou quem sabe no máximo duas linhas salgadas pela face. Mas que peso que esse sentimento tem. Porque por dentro, mexe com algo inalcançável até momentos antes. Me faz parar e sentir. Sentir algo tão novo, que ainda não tem nome e nem explicação. E é engraçado, porque nesse momento solitário, eu me sinto mais humano e, consequentemente, mais próximo de todo o mundo.
Pois só mesmo assim, consigo entender como um homem, no Uruguai dos anos 50 escreveu algo tão próximo de mim, que me fez relacionar tão diretamente com as angústias, felicidades, sensações que ali ele escreveu. Eu tive uma relação muito mais próxima com ele, do que com muitos que cruzam meu caminho. Me deu vontade de poder falar pra ele "eu te entendo" ou quem sabe, até mais honesto, "obrigado por me entender".
É me identificando, ou quem sabe me projetando (não importa) nas estórias, que eu vejo unidade no ser humano, que eu me aproximo dos outros. Acho que foi esse sentimento que me fez acreditar que queria ser diretor de cinema, ou escrever um livro, ou achar qualquer forma de poder viver contando estórias. Hoje já não acho mais tão importante ser eu quem as escreva, basta-me poder ler-las, ver-las, ouvir-las. Saber que alguém derramou sobre papel, película ou qualquer coisa que o valha, algo verdadeiramente honesto. Porque dentro de toda ficção, existe uma verdade muito poderosa. Existe a verdade sobre quem ali se derramou.
Um dos grandes motivos de não ter seguido esse caminho - o de contar estórias - é exatamente este, a vergonha que sinto ao escrever. É tão difícil escrever honestamente, sem se talhar, sem se adaptar. Eu enxergo olhos lendo esse texto neste exato momento que eu o escrevo, e já me envergonho. E uma estória só é realmente boa se tiver esta honestidade.
Então, escrevo isso como homenagem a estória que acabou hoje. Escrevo para ao menos também ser honesto com quem me foi verdadeiro. Escrevo, como que a balançar meu braço me despedindo de um breve amigo que vai embora. Escrevo, tentando gritar para a estória que já se afasta: “eu te entendo, e obrigado por me entender”. Entende?
josé sette
Adorei a sua estória, mas eu prefiro o termo história, acho mais abrangente.
Você escreve e desenha muito bem, só não se exercita e ainda não se dedica ao especial universo do traço, mas o tempo não tem limite.
Nesta crônica você consegue passar pelo frio texto emoção na descrição da cena literária. O segundo parágrafo é o exemplo disso. A descoberta do autor “uruguaio” é outro grande momento.
Neste singelo texto você se supera na autocrítica paradoxal do não querer ser sendo um exímio relator de um momento único e pessoal.
A leitura descobrindo o novo e o novo descobrindo a literatura como forma de expressão. Existe coisa melhor?
Vai em frente nos seus relatos, crônicas, contos e um dia finalmente, quem sabe, essa luz interior ilumine essa conexão entre o ser, o sentir e o transmitir emoções que nesta história do seu Eu é de maneira única tão bela.
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