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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

NOTÍCIAS

Do Jornal l Folha de São Paulo

Sensibilidade do autor permite com que o texto flua, sem interrupções

O escritor mineiro Pedro Maciel se utiliza da exatidão e da precisão das palavras para descrever os sentimentos em "Retornar com os Pássaros" (LeYa, 2010).


A sensibilidade utilizada permite com que o texto deslize diante dos olhos do leitor, sem interrupções.

O autor aborda sentimentos marginalizados na atualidade.


Para tanto, proporciona novos significados às palavras. A cada capítulo, a linguagem é reinventada.

O tempo e sua validade são alguns dos temas presentes no exemplar.


Passado, presente e futuro estão recheados de questionamentos, em busca da noção da descoberta de si próprio.

A diagramação do livro está em sintonia com seu conteúdo.


O texto localiza-se no canto inferior esquerdo de cada página, o que acaba por destacar o vazio e o branco deixados em cada capítulo da história.

Os títulos são frases selecionadas do capítulo anterior, o que aprofunda o significado das sentenças e reforça a ideia de continuidade das palavras e de seus significados.

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JORNAL PALCO


Bom dia, Jose Sette.

É um grande prazer ter minhas perguntas respondidas, mesmo que assim a distancia. Esta entrevista será publicada no jornal Palco, publicação mensal de responsabilidade da Pro - Reitoria de Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora, dirigida pelo José Alberto Pinho Neves. Muito obrigada por ter se disposto a conversar comigo.
Bárbara Ribeiro.

1 - Quando surgiu a vontade de viver de cinema, ser cineasta?
- Meu pai, Sette de Barros, que era médico e político, gostava da fotografia e do cinema, não como instrumentos para a criação artística, mais pelo entendimento das máquinas, da sua mecânica, da ótica e da química, do que propriamente da literatura, dos textos e da poesia que essas máquinas podiam registrar e criar. Estudei para ser médico, mas antes disso já tinha escrito o meu primeiro roteiro para cinema. Se não fosse o regime militar, que me perseguia, teria conseguido fazer o meu primeiro longa-metragem em 1967, com 19 anos de idade.

2 - Como se dá seu processo de criação? Qual é a matéria-prima da suas idéias e enredos cinematográficos?
- Pelo encantamento, pela magia da luz que surge e ilumina o caos que habita em mim. Pela matéria incólume que mitiga a forma que me informa e que me prende na observação quase obsessiva do objeto amado, imediatamente ao vê-lo. Então a primeira coisa que passa na minha mente é transformar aquele sentimento em algo concreto, em algo que eu possa compartilhar com outras pessoas, outras mentes ávidas pelo novo, pelo que está oculto, pelo o que ainda não se viu. Quero uma inteligência revolucionária, humana e transformadora, para os meus personagens. Algo que bata na cabeça do observador com mais força do que por mim foi criado. Como um machado que corte em um só golpe o coração gelado do meu vizinho do lado. Apaixonei-me e me encantei com os personagens esquecidos que encontrei no meu caminho e por temas que por circunstâncias existenciais eu presenciei, vividos na literatura, pelas artes-plásticas, na poesia, pela música e em tudo de belo que me havia sido apresentado pelos pensadores de todo o mundo.

3 - Como se estabeleceu sua relação com Juiz de Fora? Qual foi a importância desta cidade para sua carreira?
- Nasci em Ponte Nova, ai perto, na zona da mata mineira, e morei quando jovem no Rio de Janeiro. Depois voltei para Minas, com meu pai-político e vivi a adolescência em Belo Horizonte. Sai do Brasil em 1970. Voltei e morei no Rio, Belo Horizonte, voltei a Ponte Nova e em seguida parei em Juiz de Fora, onde vivi dez anos. Sai de Belo Horizonte para cuidar do final de vida do meu pai em Ponte Nova. Enamorei-me de Raquel, que é de Juiz de Fora, e vim com ela morar... Comigo trouxe o cinema e suas ferramentas de trabalho... Se pudesse filmaria todos os anos de minha vida e hoje teria uma obra com 44 títulos..., não foi possível, infelizmente. Os projetos existiram, os filmes não... Assim quando cheguei a Juiz de Fora meus projetos já enchiam malas de papéis soltos, uma zona. Foi em Juiz de Fora que eu me digitalizei. Organizei-me pela primeira vez. Quantas coisas foram perdidas no caminho... Tive uma vida de cigano morando em várias cidades... Juiz de Fora foi aonde mais fiquei e aonde pude realizar uma parte significativa da minha obra cinematográfica. Aqui realizei o filme "O Rei do Samba", o primeiro filme no Brasil a ser rodado com a comunidade, com o povo da cidade, com pessoas que nunca tinham feito cinema na vida. O filme foi exibido para quatro milhões de espectadores, em rede nacional de TvCultura para todo o Brasil. Depois vieram outros filmes: sobre o poeta Murilo Mendes: A Janela do Caos; VerTigem, sobre o artista plástico Arlindo Daibert; também mergulhei na alma do extraordinário poeta da memória Pedro Nava, no seu Labirinto de Pedra e trabalhei em muitos outros filmes que ajudei a realizar nesta saudosa e inesquecível terra. O que é importante, para a minha alma de artista, não é o lugar, pois todos se assemelham, mas as pessoas com suas características próprias no saber viver e ser livre nos seus interesses artísticos. Nesta cidade universitária, onde a cultura, o saber e a política, fazem parte das conversas dos jovens e é servida nos banquetes dos velhos, eu tive tempo para me reencontrar e me energizar pelo aplauso e reconhecimento do meu trabalho. O que mais um artista brasileiro pode querer?
4 - Sua obra é identificada como "Cinema marginal". Que correntes cinematográficas o influenciaram durante a produção de sua obra?
- “Marginal” tem duplo sentido: um é o que está à margem, fora do sistema estabelecido; o outro é o de bandido, de perseguido, de maluco. O meu cinema não se classifica nesta escola que pertence ao amadorismo estético de determinadas produções. Esta definição nasceu na cabeça da crítica oficial que nunca entendeu esse cinema e por isso o estigmatizou, o marginalizou. Primeiro foi de Udigrude, depois de cinema Maldito, depois veio o Marginal, todos depreciativos de um movimento que só agora começa a ser entendido, pois é estudado por ser verdadeiro e é hoje homenageado, lembrado em todo país e também no exterior. O meu cinema quando querem classificá-lo eu digo que a minha escola é a da invenção e o meu cinema é da arte e da poesia. Tudo o que fiz é artesanal e por isso experimental. Não existe o mercado para os meus filmes, para o que eu faço e para o que eu ainda pretendo fazer, ou seja: não sofro influências capitalistas na minha obra, pois não tenho compromisso com ninguém, só com as minhas idéias, o meu saber e os meus pensamentos. A arte não tem sentimentos e nem deve ter humildade - Sou deveras original, não tenho vergonha de dizê-lo. Para mim é claro, como a luz de um projetor, que um poema é feito com uma folha de papel e um lápis, uma pintura com pinceis e tinta, a música com a voz e o ritmo com as mãos, que a fotografia e o som fazem um filme de documentário ou de ficção, tudo é igual, mas, como tudo e todos, nossos filmes são na essência do seu talento matérias completamente diferentes. Meus filmes, vocês podem não gostar, mas eles são opostos a tudo que você já viu no cinema. Mas, para não dizerem que sou vaidoso e egocêntrico, digo a você, com a força do meu silêncio obsequioso, que tenho uma forte ligação cinematográfica com o cinema expressionista alemão e com a vanguarda francesa, além do bom cinema de todo o planeta que assisti e assisto neste meio século de lembranças.

5 - Labirinto de Pedra é um filme que conta a trajetória do escritor Pedro Nava, que passou sua infância em JF, como foi filmar a vida desse homem?
- Conheci pessoalmente o escritor, médico e memorialista, além de pintor, Pedro Nava, quando fui filmar no Rio de Janeiro com Helvécio Ratton e Dileny Campos na casa de Carlos Drumond de Andrade, um filme sobre outro mineiro ilustre que foi Milton Campos. Estive com ele outras vezes, queria ele no meu filme de 1985 “Um Filme 100% Brazileiro”, mas não foi possível... Um dia achei o seu "Baú de Ossos" perdido no meio dos meus livros e me deliciei novamente com as suas histórias de Minas e me encantei com o personagem esquecido do histórico escritor e da noite para o dia ele se tornou o meu projeto do ano e comecei a rascunhar o seu roteiro. Neste caso a cidade foi também receptiva ao meu projeto e consegui pela Lei Murilo Mendes, novamente com poucos recursos e com o auxílio das pessoas amigas, atores e técnicos, produzir, fazer e terminar esse belíssimo longa metragem.
6 - Assim como Pedro Nava resgata a sociedade e a cultura brasileira através de suas memórias, na sua obra cinematográfica o que se vê é um retrato semelhante do Brasil real. Por que se dedicar a fazer um cinema 100% brasileiro?
- Porque o poeta francês Blaise Cendrars quando chegou ao Brasil amou o Brasil sabendo, enquanto nós brasileiros o amamos ignorando. Porque é preciso todos os dias redescobrir o Brasil, resgatar nossa rica memória criativa, fortalecer a nossa identidade, a nossa cultura, a nossa arte.

7 - Amaxon é um filme classificado como realismo fantástico. Qual a influencia do cinema expressionista nesta sua ultima obra?
- É como disse Joyce: “O artista, como o Deus da criação, permanece dentro, junto, atrás ou acima da sua obra, invisível, clarificado, fora da existência, indiferente, raspando as unhas dos seus dedos.” Ora! Eu fico bem acalentado quando me dizem que o meu cinema tem a influência do Realismo Fantástico. Afinal é um movimento literário latino americano e achá-lo em meus filmes, é um elogio a crítica, pois fico ao lado de nomes como os dos brasileiros, ainda desconhecidos, Muirlo Rubião, Aloísio Azevedo, J. J. Veiga, e dos famosos: Borges, Fuentes, Cortazar, Astúrias, Calvino, G.G.Marques ou do venezuelano Arturo Uslar Pietri, que honra! Quanto à influência do expressionismo no meu filme Amaxon, assim visto e dito no entendimento de algumas cabeças pensantes, quero dizer que mesmo agora, distanciado da sua realização, não consigo ver fortes traços desse movimento no filme..., não me veio em nenhum momento, durante as filmagens, na criação do roteiro, na edição e na confecção da trilha sonora, nenhuma manifestação deste ou daquele filme do cinema expressionista alemão que gostaria de ver citado, por outro lado, faço uma homenagem a avant-gard francesa, onde o cinema era a criação pura da estética do descobrimento, da emanação mágica de uma nova arte, de uma nova maneira de ver o mundo - Duchamp, Man Ray, Bunnhel e também Cocteau, além do genio barroco americano Orson Welles que é citado, sendo, talvez, o mais expressionista de todos e que participaram explicitamente do meu filme. Um filme onde eu homenageio completamente o cinema expressionista é o curta “Um Sorriso Por Favor” sobre o artista gravador Osvaldo Goeldi.

8 - Como foi sua adaptação na mudança da película para o digital?
- Não me adaptei. Sempre quero fazer com a imagem digital o que eu, como fotógrafo que sou de cinema, fazia com a película.

9 - O Brasil está melhorando no que diz respeito ao incentivo ao cinema e reconhecimento do trabalho do cineasta brasileiro?
- Uma vez eu tive um sonho que um anjo vinha do céu me trazendo duas malas repletas de dinheiro. Ao aterrissar na montanha, onde eu estava meditando, com suas poderosas asas, ele abriu as duas malas, retirou o dinheiro e empilhou o mesmo ao meu lado dizendo: - O Homem, lá de cima, mandou te entregar todo esse dinheiro, mas disse também para você cuidar bem das suas riquezas... Olhou para mim, com seus profundos olhos azul da cor do céu e bateu as asas para voar. Eu mirava aquela aparição, estatelado de admiração e nem notei que o vento criado por suas poderosas asas espalhavam pela montanha do caos toda aquela fortuna, só me sobrando, quando me dei conta, um quase nada. Por admiração e por descuido, como Prometeu, o cinema sonha todas as noites o mesmo sonho onde tudo, no dia seguinte, está perdido. Em verdade nunca tive afeto ao capital, mas não podemos viver sem ele, temos no mínimo que ter o que comer. O cinema brasileiro não cuida bem de sua riqueza. Os incentivos ao cinema brasileiro esbarram em varias situações que são inusitadas. Estaremos em pouco tempo passando fome ou então nos entregamos a serviço do lugar comum, do conto da carochinha, ou dos filmes de mercado, que só dão certo quando são produzidos direta ou indiretamente pelas poderosas redes de televisão e distribuídos pelas grandes empresas americanas produtoras mundial do maior lixo da história do audiovisual e que só estão aqui para venderem o seu produto, impondo os seus filmecos de quinta qualidade goela abaixo dos incautos que são dominados pela publicidade de uma mídia destruidora e apátrida.

10 - Qual é a maior alegria de fazer cinema no Brasil? E a maior dificuldade?
- Não há ultimamente alegria na realização de uma obra de arte no Brasil, principalmente no meio cinematográfico. Mesmo se realizando cinema sem orçamento, os filmes se pagariam e dariam lucro com a sua exibição para, por exemplo, 20.000 espectadores aficionados com o “realismo fantástico” dos meus filmes, mas se eles não são vistos, pois não se tem distribuição, nem espaço de exibição, como julgá-los? Como discuti-los? E as pessoas não podem conhecer filmes importantíssimos, riquíssimos de informação culturais, que aqui são feitos. Como ficar feliz nesta situação? Mesmo os filmes que gastam milhões em suas produções não conseguem espaço de exibição e quando conseguem são exibidos em poucos dias, sem a mídia, em pequenas salas dos grandes centros. Um fracasso! Não podemos continuar assim. Cinema, televisão e distribuição de “homevídeos” para os filmes brasileiros! Eis a questão. Essa é a nossa maior dificuldade: conquistar o mercado de exibição e da mídia informativa e cultural para o nosso audiovisual. Só assim o povo brasileiro, como eu, que gosta de cinema de arte, de poesia e literatura, de teatro e de música de qualidade, pode ficar alegre e mais feliz.

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