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domingo, 27 de março de 2016

ORIENTAL E ACIDENTAL

Avalanche de ódio
Por Orlando Senna

Uma nova modalidade de guerra, que antepõe o clássico embate entre exércitos a ações mortíferas e aterrorizantes de pessoas ou pequenos grupos que matam civis (onde se inclui homens-bombas, carros-bombas, casas-bombas), está convulsionando o mundo. Uma modalidade com poder de destruir alvos em qualquer lugar dos Estados Unidos (11 de setembro) e da Europa (je suis Bruxelles, je suis Paris, je suis Madrid). O ingrediente mais forte é a religião, é a “guerra entre civilizações”, situação negada até pouco tempo por muita gente e que agora se mostra como uma pavorosa realidade.
Alguns ingredientes das guerras tradicionais estão presentes, como petróleo, território, indústria bélica, mas em segundo plano, já que o epicentro do conflito é a cultura, é o fosso filosófico e comportamental entre Ocidente e Oriente jamais solucionado, um cânion que divide a humanidade — apesar de Jesus Cristo, que construiu uma ponte mas sabia que ela não ia funcionar, “não vim trazer paz à Terra, mas a espada, a divisão”. Vivemos um tempo em que valores ditos universais perdem o sentido, conceitos se invertem, palavras passam a significar o que antes era seu contrário, em que “epicentro” deixa de ter conotação espacial para ser temporal. O que me lembra Jorge Luis Borges, para quem os verdadeiros labirintos são no tempo.
Enfim, a sanha homicida/suicida do ser humano está alcançando um dos níveis mais altos em sua história de, pelo menos, 50 milênios. E a isso se soma (ou tem a ver, quem sabe) com os espasmos geológicos, as mudanças e ajustes do planeta que se aquece enquanto voa em direção a uma nova era glacial. Um cenário apocalíptico. No momento a guerra acontece nos Estados Unidos, Europa, Oriente Médio e alguns pontos da África.
Primavera latino-americana
A América Latina não foi alcançada diretamente por essa guerra mas está imersa no cenário dantesco da atualidade, principalmente pelo que está ocorrendo no Brasil, nona economia do mundo, maior economia e maior país da região. A partir do ano 2000 a América Latina conheceu um fluxo de renovação e progresso humano intenso, com a inclusão social de milhões de pessoas, com políticas públicas focadas na elevação da qualidade de vida das populações carentes, com uma inédita expansão cultural.
Mas a dicotomia direita/esquerda foi também se elevando pouco a pouco até chegar a um grau de bestialidade. Por ações externas, como pressões econômicas e a mídia internacionalizada, e também por debilidades de governos de esquerda que comandavam essa primavera latino-americana, a direita avançou como um tufão. Uruguai e Bolívia resistem, mas um golpe derrubou Fernando Lugo no Paraguai, o kirchnerismo perdeu o governo da Argentina, o bolivarismo perde terreno na Venezuela e Equador e o Brasil sofre sua mais grave crise política desde o golpe de 1964.
Gigante em chamas
Os poderes constitucionais brasileiros travam uma batalha sem tréguas. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário já não conformam os três pilares que, harmonicamente, sustentam a democracia. O Executivo fragilizado, sitiado e perdendo popularidade progressivamente. O Legislativo com apetite por golpes de estado. Muitos políticos, de todos os partidos, envolvidos com a homérica corrupção que também incide (e destrói por dentro) nas maiores empresas nacionais. A classe média ocupa as ruas, aos milhões, pedindo o fim do governo do Partido dos Trabalhadores e do lulismo e com palavras-de-ordem conservadoras, muitas de extrema direita. O Judiciário, que era a esperança dos brasileiros no início da crise, porque podia acabar com a corrupção que está na raiz da conflagração, desandou com juízes vinculados a partidos dando ou negando liminares, com juízes agindo contra as leis, com ministros do Supremo Tribunal denunciando juízes de instâncias inferiores que não seguem a Constituição.
O mais triste de tudo é que o ódio, esse sentimento condenado nos livros sagrados de todas as religiões e que pontifica na guerra cultural que estremece o hemisfério norte, é o componente mais ativo na conflagração brasileira. Os posicionamentos políticos dividem famílias, transforma amigos em inimigos em um piscar de olhos, irmão deixa de ser irmão, casais se separam porque não comungam as mesmas ideologias.
E tudo com muita raiva, logo no Brasil que sempre se quis ver como um país cordial, amistoso e alegre. E que assim ainda é visto por pessoas que não estão testemunhando, in loco, o que está acontecendo ao redor do Cristo Redentor. Vamos cantar uma canção de Nelson Ned: “tudo passa, tudo passará”. Ou, talvez, sem pessimismo ou otimismo, lembrar de um sucesso de Doris Day em um filme de Hitchcock: “que será, será, whatever will be, will be”.



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