Avalanche
de ódio
Por
Orlando Senna
Uma
nova modalidade de guerra, que antepõe o clássico embate entre exércitos a
ações mortíferas e aterrorizantes de pessoas ou pequenos grupos que matam civis
(onde se inclui homens-bombas, carros-bombas, casas-bombas), está convulsionando
o mundo. Uma modalidade com poder de destruir alvos em qualquer lugar dos
Estados Unidos (11 de setembro) e da Europa (je suis Bruxelles, je suis Paris,
je suis Madrid). O ingrediente mais forte é a religião, é a “guerra entre
civilizações”, situação negada até pouco tempo por muita gente e que agora se
mostra como uma pavorosa realidade.
Alguns
ingredientes das guerras tradicionais estão presentes, como petróleo,
território, indústria bélica, mas em segundo plano, já que o epicentro do
conflito é a cultura, é o fosso filosófico e comportamental entre Ocidente e
Oriente jamais solucionado, um cânion que divide a humanidade — apesar de Jesus
Cristo, que construiu uma ponte mas sabia que ela não ia funcionar, “não vim
trazer paz à Terra, mas a espada, a divisão”. Vivemos um tempo em que valores
ditos universais perdem o sentido, conceitos se invertem, palavras passam a
significar o que antes era seu contrário, em que “epicentro” deixa de ter
conotação espacial para ser temporal. O que me lembra Jorge Luis Borges, para
quem os verdadeiros labirintos são no tempo.
Enfim,
a sanha homicida/suicida do ser humano está alcançando um dos níveis mais altos
em sua história de, pelo menos, 50 milênios. E a isso se soma (ou tem a ver,
quem sabe) com os espasmos geológicos, as mudanças e ajustes do planeta que se
aquece enquanto voa em direção a uma nova era glacial. Um cenário apocalíptico.
No momento a guerra acontece nos Estados Unidos, Europa, Oriente Médio e alguns
pontos da África.
Primavera
latino-americana
A
América Latina não foi alcançada diretamente por essa guerra mas está imersa no
cenário dantesco da atualidade, principalmente pelo que está ocorrendo no
Brasil, nona economia do mundo, maior economia e maior país da região. A partir
do ano 2000 a América Latina conheceu um fluxo de renovação e progresso humano
intenso, com a inclusão social de milhões de pessoas, com políticas públicas
focadas na elevação da qualidade de vida das populações carentes, com uma
inédita expansão cultural.
Mas a
dicotomia direita/esquerda foi também se elevando pouco a pouco até chegar a um
grau de bestialidade. Por ações externas, como pressões econômicas e a mídia
internacionalizada, e também por debilidades de governos de esquerda que
comandavam essa primavera latino-americana, a direita avançou como um tufão.
Uruguai e Bolívia resistem, mas um golpe derrubou Fernando Lugo no Paraguai, o
kirchnerismo perdeu o governo da Argentina, o bolivarismo perde terreno na
Venezuela e Equador e o Brasil sofre sua mais grave crise política desde o
golpe de 1964.
Gigante
em chamas
Os
poderes constitucionais brasileiros travam uma batalha sem tréguas. O
Executivo, o Legislativo e o Judiciário já não conformam os três pilares que,
harmonicamente, sustentam a democracia. O Executivo fragilizado, sitiado e
perdendo popularidade progressivamente. O Legislativo com apetite por golpes de
estado. Muitos políticos, de todos os partidos, envolvidos com a homérica
corrupção que também incide (e destrói por dentro) nas maiores empresas
nacionais. A classe média ocupa as ruas, aos milhões, pedindo o fim do governo
do Partido dos Trabalhadores e do lulismo e com palavras-de-ordem
conservadoras, muitas de extrema direita. O Judiciário, que era a esperança dos
brasileiros no início da crise, porque podia acabar com a corrupção que está na
raiz da conflagração, desandou com juízes vinculados a partidos dando ou
negando liminares, com juízes agindo contra as leis, com ministros do Supremo
Tribunal denunciando juízes de instâncias inferiores que não seguem a Constituição.
O mais
triste de tudo é que o ódio, esse sentimento condenado nos livros sagrados de
todas as religiões e que pontifica na guerra cultural que estremece o
hemisfério norte, é o componente mais ativo na conflagração brasileira. Os
posicionamentos políticos dividem famílias, transforma amigos em inimigos em um
piscar de olhos, irmão deixa de ser irmão, casais se separam porque não
comungam as mesmas ideologias.
E tudo
com muita raiva, logo no Brasil que sempre se quis ver como um país cordial,
amistoso e alegre. E que assim ainda é visto por pessoas que não estão
testemunhando, in loco, o que está acontecendo ao redor do Cristo Redentor.
Vamos cantar uma canção de Nelson Ned: “tudo passa, tudo passará”. Ou, talvez,
sem pessimismo ou otimismo, lembrar de um sucesso de Doris Day em um filme de
Hitchcock: “que será, será, whatever will be, will be”.
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