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quinta-feira, 3 de março de 2016

CINEMA


 Filme Labirinto de Pedra 

Querem acabar com o audiovisual brasileiro

Por Orlando Senna

A partir de 2003, com a consolidação da agência reguladora e fiscalizadora Ancine, a instituição da Condecine, tributos cobrados na própria atividade e investidos nela, e a criação de um Fundo Setorial, um projeto estatal inteligente e inédito ancorou o forte crescimento do audiovisual brasileiro, levando o Brasil a ser o décimo mercado audiovisual do mundo. Essa política pública, escalonada, gradual, tem como meta estabelecer o País como quinto mercado mundial até a próxima década. A última ação regulatória de peso, a lei da tv por assinatura, com quatro anos de vigência já provocou o aumento da produção em mais de 100%. Outro bom exemplo é o cinema: são poucos, bem poucos, os países que conseguem ter 18% da bilheteria nacional para seus próprios filmes como acontece no Brasil.
A Condecine-Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional incide sobre todos os segmentos industriais, comerciais e tecnológicos da atividade, gerando a maior parte dos recursos necessários. Ou seja, os recursos vêm da própria atividade. Ao contrário da tendência geral de queda de outras grandes atividades econômicas, o audiovisual cresce, seu peso na economia já é maior do que o da indústria farmacêutica. Sua condição autoalimentadora blinda o audiovisual contra a crise econômica e política que o Brasil está enfrentando. 
Ou blindava. Este mês as empresas de telecomunicações, conhecidas como teles, impetraram um mandado de segurança contra a Condecine. O argumento é que não fazem parte da cadeia produtiva do audiovisual, apesar da telefonia prestar serviços de distribuição e recepção de conteúdos audiovisuais. Na verdade se trata de mais um ataque do capital internacionalizado à soberania brasileira e à sua autonomia legislativa. Quando falamos em atividade audiovisual não nos referimos apenas (e esse apenas é uma figura de linguagem conhecida como ironia) à enorme importância cultural do cinema, tv, vídeo, videogame e toda a gama das artes audiovisuais e de sua inigualável penetração psicossocial. Estamos falando também do mais importante setor econômico do século XXI, de uma poderosa atividade industrial-comercial que gera, direta e indiretamente, trabalho, renda e segurança familiar à população. O que significa que o ataque das teles impacta em cheio, ou no bolso, a sociedade civil brasileira.
Teles e telas
A Condecine das teles gera cerca de um bilhão de reais anuais, 80% de toda a arrecadação para o Fundo Setorial. A participação das teles nessa arrecadação reflete a enormidade dos lucros dessas empresas, boa parte deles remetidos para outros países, já que 90% dos acessos telefônicos são controlados por quatro corporações com matrizes no exterior ou associadas a matrizes estrangeiras: Telmex (Claro, Embratel, NET), Oi, Telefônica/Vivo e Vivendi. As tarifas cobradas por essas empresas no Brasil são as mais caras do mundo e os serviços são de péssima qualidade (as teles estão em primeiro lugar na lista nacional de reclamações de usuários). Sem nos esquecermos que as teles são concessionárias de um serviço público e estão sempre em choque com o monitoramento da Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações.
Por que, de verdade, as teles não querem pagar o tributo? O argumento de que não fazem parte da cadeia produtiva é uma balela, já que as cadeias produtivas são, por definição, o conjunto de etapas que chegam a um bem ou um serviço e à sua inserção no mercado (“estágios técnicos de produção e distribuição”). Uma das meias respostas possíveis, porque não deve ser a resposta inteira, é que essas empresas de telefonia também querem ser produtoras de conteúdo, passando a disputar esse segmento do mercado com as empresas de radiodifusão, com a televisão. Querem produzir e distribuir filmes, séries e novelas contaminados pela visão e prática de seu capitalismo predador. Ou, simplesmente, pretendem cumprir a fundo a estratégia predatória de seu modelo de capitalismo, que exige vítimas — e, nesse sentido perverso, as artes audiovisuais são as mais poderosas das armas.
A vítima pretendida pelas teles é o estado brasileiro, é desmoralizar a governança. Os danos colaterais, pretendidos ou não, atingem diretamente a sociedade brasileira. A sociedade é a vítima principal. Caso as teles não paguem o tributo, o governo estima que a saudável situação do audiovisual será interrompida, com uma drástica diminuição (talvez 70%) da produção para cinema e tv e com a inviabilização do projeto que está sendo iniciado no sentido do Brasil ser um importante produtor de videogames, o maior segmento econômico da atividade em escala mundial.
Se as teles conseguem consumar o crime, milhares de empregos sumirão pelo ralo. E, voltando ao outro lado da questão, menos conteúdo brasileiro no cinema, tv, internet e qualquer mídia também é uma adversidade para a consciência de identidade, cidadania e pertencimento dos brasileiros. Os poderes executivo e judiciário têm de reagir à altura a esta intentona das teles mas, principalmente, a sociedade tem de se fazer ouvir.
Formação
No meio dessa situação de enfrentamento com o modelo arcaico e brutal do capitalismo multinacional das teles, assoma uma consulta pública do Ministério da Educação sobre a Base Nacional Comum Curricular, onde o ensino do audiovisual é completamente ignorado. Em um tempo em que várias instituições e governos propõem o ensino do audiovisual em todos os níveis de formação, do fundamental ao superior, pela capital importância dessa linguagem na vida contemporânea, o Ministério da Educação demonstra uma ignorância surpreendente, um atraso de dar pena.

O Forcine-Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual e outras associações relacionadas com o tema estão se organizando para reivindicar a inclusão do audiovisual nos currículos como área importante da formação. Ataques frontais à soberania brasileira por parte de grupos econômicos estrangeiros é uma ameaça que vem de fora, desconhecimento do tempo em que vivemos por parte do Ministério da Educação é uma ameaça que vem de dentro. Ainda bem que há tempo para corrigir.

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