A Ditadura do Proveito
Em seu novo ensaio, o italiano
Nuccio Ordine critica a “ditadura do proveito”, o utilitarismo da educação e o
pouco interesse da política pelos bens do espírito.
O noticiário policial de 26 de dezembro de 2013 em Paris relata que um
escritor desesperado, farto de instituições indiferentes à sua paixão pela
cultura, arremessou seu carro contra os portões gradeados do Palácio do Eliseu.
O motorista, Attilio Maggiulli, não pôde suportar o que considerava um desprezo
oficial ao projeto da sua vida, o Théâtre de la Comédie Italiénne – que perdeu quase 50% de financiamento público em três anos –, e
não encontrou melhor maneira de apresentar suas queixas do que carimbar sua
indignação contra a residência oficial da presidência da República Francesa.
Até aqui tem-se o resumo da história de Maggiulli. A notícia remete, no
entanto, à história de outro escritor indignado, o professor italiano Nuccio
Ordine (nascido em Diamante, região da Calábria, daí o nome Diamante Ordine em
sua certidão de batismo). Com personagens iguais ou parecidos – uma cultura
apunhalada, uma educação asfixiada e um povo adormecido –, Ordine, de 55 anos,
preferiu usar a palavra para atacar a ignorância das instituições e alertar
sobre seus efeitos para a cidadania. Se deixarmos que nos roubem o legado de
nossos antepassados e que se mutile o conhecimento, alerta, não apenas deixaremos
de ser pessoas cultas, como também todas as gerações futuras deixarão de ser
pessoas em sentido estrito.
O veículo usado por Ordine para seu grito profético é o manifesto
chamadoL’utilità
dell’inutile “(A utilidade do inútil”, sem tradução no Brasil). Na Espanha, o ensaio foi publicado por Jaume
Vallcorba, fundador das editoras Acantilado e Quaderns Crema, e traduzido pelo
professor de Filosofia Jordi Bayod Brau.
“A barbárie do útil corrompeu nossas
relações e afetos íntimos”
Ordine, professor de prestigiosas universidades, especialista em
Renascimento e diretor de várias coleções de clássicos da editora Belles
Lettres, de Paris, se diz “emocionado” pela recepção de seu livro em Barcelona,
onde foi apresentado recentemente, e em Madri (onde foi apadrinhado por
Fernando Savater). “As pessoas me abraçavam e me agradeciam. Um estudante me
disse: ‘Decidi estudar Filosofia e Paleografia contra a vontade de meu pai, que
me perguntava para que isso servia. Seu livro confirmou minha decisão”,
relembra.
A tese central do livro pode ser resumida na ideia de que a literatura,
a filosofia e outros conhecimentos humanísticos e científicos, longe de serem
inúteis – como se poderia deduzir por seu progressivo isolamento nos planos
educacionais e nos orçamentos ministeriais –, são imprescindíveis. “O fato de
[tais conhecimentos] serem imunes a qualquer expectativa de benefício”
representa, segundo o autor, “uma forma de resistência aos egoísmos do
presente, um antídoto contra a barbárie do útil, que chegou a corromper inclusive
nossas relações sociais e nossos afetos íntimos”.
Como em um coro grego, Nuccio Ordine monta uma defesa do conhecimento
apoiando-se nos autores que o precederam em sua empreitada. Dante, Petrarca,
Moro, Campanella, Bruno, Bataille, Keynes, Steiner, García Márquez, Cervantes,
Shakespeare, Platão, Sócrates, Sêneca, Heidegger, Cioran, García Lorca,
Tocqueville, Hugo, Montaigne… Eles são recrutados e contextualizados para
mostrar “o peso ilusório da posse e seus efeitos devastadores sobre adignitas hominis, o amor e a verdade”.
Por que este livro? “Há 24 anos venho tentando convencer meus alunos de
que não se frequenta a universidade para obter um diploma, mas para tentarmos
ser melhores, isto é, para aprendermos a raciocinar de forma independente.”
Para Ordine, a transmissão do amor pelo conhecimento é um esporte de combate. E
isso implica desmontar algumas ideias materialistas difundidas pelo sistema
capitalista. “As pessoas pensam que a felicidade é um produto do dinheiro.
Estão enganadas!”, afirma.
Tal pretensão já se estendeu para todos os âmbitos. “O utilitarismo
invadiu espaços aonde nunca deveria ter entrado, como as instituições
educativas”, denuncia o professor. E alerta: “Quando se reduz o orçamento para
as universidades, escolas, teatros, pesquisas arqueológicas e bibliotecas, a
excelência de um país está sendo diminuída, eliminando qualquer possibilidade
de formar toda uma geração”.
CURRÍCULO
BRILHANTE
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