INCRÍVEL
São tantos os deuses que às
vezes me confundo...
Procurando Godod
O DEUS QUE É OCULTO
O nome é Bakunim
A Revisão Anarquista
O bom Deus, cuja presciência, constituindo uma das divinas faculdades, deveria tê-lo advertido do que aconteceria, pôs-se em terrível e ridículo furor: amaldiçoou Satã, o homem e o mundo criados por ele próprio, ferindo-se, por assim dizer, em sua própria criação, como fazem as crianças quando se põem em cólera; e não contente em atingir nossos ancestrais, naquele momento ele os amaldiçoou em todas as suas gerações futuras, inocentes do crime cometido por seus ancestrais.
Nossos teólogos católicos e protestantes acham isto muito profundo e justo, precisamente porque é monstruosamente iníquo e absurdo. Depois, lembrando-se de que ele não era somente um Deus de vingança e cólera, mais ainda, um Deus de amor, após ter atormentado a existência de alguns bilhões de pobres seres humanos e tê-los condenado a um eterno inferno, sentiu piedade e para salvá-los, para reconciliar seu amor eterno e divino com sua cólera eterna e divina, sempre ávida de vítimas e de sangue, ele enviou ao mundo, como uma vítima expiatória, seu filho único, a fim de que ele fosse morto pelos homens.
Isto é denominado mistério da Redenção, base de todas as religiões cristãs.
Ainda se o divino Salvador tivesse salvado o mundo humano! Mas não; no paraíso prometido pelo Cristo, como se sabe, visto que é formalmente anunciado, haverá poucos eleitos. O resto, a imensa maioria das gerações presentes e futuras arderá eternamente no inferno. Enquanto isso para nos consolar, Deus, sempre justo, sempre bom, entrega a terra ao governo dos déspotas.
O homem ignorando a
história para tirar dali os seus proveitos se acha poderoso em suas mentiras. Os
mundos não foram criados, as sociedades não se desenvolveram, as revoluções não
transformaram os povos, os impérios não desmoronaram e a miséria, a doença e a
morte não foram as rainhas da humanidade senão para fazer surgir uma elite de
acadêmicos, flor desabrochada, da qual todos os outros homens nada mais são
senão seu estrume.
Não é evidente que todos os governos são os
envenenadores sistemáticos, os embrutecedores interessados das massas
populares?
Entretanto, no mito do
pecado original, Deus deu razão a Satã; ele reconheceu que o diabo não havia
enganado Adão e Eva ao lhe prometer a ciência e a liberdade, como recompensa
pelo ato de desobediência que ele os induzira a cometer. Assim que eles
provaram do fruto proibido, Deus disse a si mesmo (ver a Bíblia): "Aí
está, o homem tornou-se como um dos deuses, ele conhece o bem e o mal;
impeçamo-lo, pois de comer o fruto da vida eterna, a fim de que ele não se
torne imortal como Nós".
É evidente que esse
terrível mistério é inexplicável, isto é, absurdo, e absurdo porque não se
deixa explicar. E evidente que alguém que dele necessite para sua felicidade,
para sua vida, deve renunciar à sua razão e retornar, caso seja possível, à fé
ingênua, cega, estúpida; Nesse caso cessa toda a discussão e só resta a
estupidez triunfante da fé.
Todas as religiões, com
seus deuses, seus semideuses e seus profetas, seus messias e seus santos, foram
criadas pela fantasia crédula do homem, que ainda não alcançou o pleno
desenvolvimento e a plena possessão de suas faculdades intelectuais. Em
conseqüência, o céu religioso nada mais é do que uma miragem onde o homem,
exaltado pela ignorância pela fé, encontra sua própria imagem, mas ampliada e
invertida, isto é, divinizada.
A despeito dos metafísicos
e dos idealistas religiosos, filósofos, políticos ou poetas, a idéia de Deus
implica a abdicação da razão e da justiça humanas; ela é a negação mais
decisiva da liberdade humana e resulta necessariamente na escravidão dos homens,
tanto na teoria quanto na prática.
É preciso lembrar quanto e
como as religiões embrutecem e corrompem os povos? Elas matam neles a razão, o
principal instrumento da emancipação humana e os reduzem à imbecilidade,
condição essencial da escravidão. Elas desonram o trabalho humano e fazem dele
sinal e fonte de servidão. Elas matam a noção e o sentimento da justiça humana,
fazendo sempre pender a balança para o lado dos patifes triunfantes, objetos
privilegiados da graça divina. Elas matam o orgulho e a dignidade humana,
protegendo apenas a submissos e os humildes. Elas sufocam no coração dos povos
todo sentimento de fraternidade humana, preenchendo-o de crueldade.
Todas as religiões são
cruéis, todas são fundadas sobre o sangue, visto que todas repousam
principalmente sobre a idéia do sacrifício, isto é, sobre a imolação perpétua
da humanidade à insaciável vingança da divindade.
A severa lógica que me dita
estas palavras é muito evidente para que eu necessite desenvolver esta
argumentação. E me parece impossível que os homens ilustres, tão célebres e tão
justamente respeitados não tenham sido tocados e não tenham percebido a
contradição na qual eles caem ao falar de Deus e da liberdade humana
simultaneamente.
Proclamar como divino tudo
o que se encontra de grande, de justo, de real, de belo, na humanidade, é
reconhecer implicitamente que a humanidade, por si própria, teria sido incapaz
de produzi-lo; isto significa dizer que abandonada a si própria, sua própria
natureza é miserável, iníqua, vil e feia. Eis nós de volta à essência de toda
religião, isto é, à difamação da humanidade pela maior glória da divindade.
Tivemos inicialmente a queda de Deus. Temos agora uma queda que nos interessa mais, a do homem, causada pelo aparecimento da manifestação de Deus sobre a terra.
Tomai um louco, qualquer
que seja o objeto de sua loucura, e vereis que a idéia obscura e fixa que o
obseda parece-lhe a mais natural do mundo, e que, ao contrário, as coisas da
realidade que estão em contradição com esta idéia, parecem-lhe loucuras
ridículas e odiosas. Bem, a religião e uma loucura coletiva, tanto mais
poderosa por ser tradicional e porque sua origem se perde na antigüidade mais
remota. Como loucura coletiva, ela penetrou até o fundo da existência pública e
privada dos povos; ela se encarnou na sociedade, se tornou, por assim dizer,
sua alma e seu pensamento. Todo homem é envolvido por ela desde o seu nascimento;
ele a suga com o leite de sua mãe, absorve-a de tudo o que toca, de tudo o que
vê. Ele foi, por ela, tão bem nutrido, envenenado, penetrado em todo o seu ser
que, mais tarde, por poderoso que seja seu espírito natural, precisa fazer
esforços espantosos para se livrar dela, e ainda assim não o consegue de uma
maneira completa.
Que um gênio sublime, como
o divino Platão, tenha podido estar absolutamente convencido da realidade da
idéia divina, isto nos demonstra o quanto é contagiosa, o quanto é todo-poderosa
a tradição da loucura religiosa, mesmo sobre os maiores espíritos. Por sinal,
não devemos nos surpreender com isso, pois mesmo nos dias de hoje, o maior
gênio filosófico desde Aristóteles e Platão, que é Hegel, esforçou-se em repor
em seu trono transcendente ou celeste as idéias divinas, das quais Kant havia
demolido a objetividade por uma crítica infelizmente imperfeita e muito
metafísica. E verdade que Hegel portou-se de uma maneira tão indelicada em sua
obra de restauração que matou definitivamente o bom Deus.
A grande honra do
cristianismo, seu mérito incontestável e todo o segredo de seu triunfo
inaudito, e por sinal totalmente legítimo, foi o de ter-se dirigido a este
público sofredor e imenso, ao qual o mundo antigo impunha uma servidão
intelectual e política estreita e feroz, negando-lhe inclusive os direitos mais
simples da humanidade. De outra forma ele jamais teria podido se disseminar. A
doutrina que ensinavam os apóstolos do Cristo, por mais consoladora que tenha
parecido aos infelizes, era muito revoltante, muito absurda do ponto de vista
da razão humana, para que homens esclarecidos tivessem podido aceitá-la. Com
que alegria também o apóstolo Paulo fala do "escândalo da fé" e do triunfo desta divina loucura rejeitada pelos poderosos e pelos sábios do século,
mas tanto mais apaixonadamente aceita pelos simples, pelos ignorantes e pelos
pobres de espírito!
Depois do exposto o
que mais podemos pensar sobre o absolutismo de todos os deuses sobre a terra e
os homens?
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