Tereza Trautman:
"Os canais brasileiros independentes estão numa sinuca,de um lado o conteúdo, que vem a ser o seu
insumo principal, disparando depreços, e de outro as operadoras querendo o
canal grátis" A mudança e a
necessidade de cumprir as cotas vêm sendo festejadas pelosetor, porque permite a funcionalidade de uma
emergente indústriaaudiovisual brasileira. Mas nem todos veem
assim. Trautman crê que a Ancinecometeu um grande erro ao referendar o
autocredenciamento dos próprioscanais dentro dos regimentos – ou seja, quem diz
se o espaço é qualificado eaonde se encaixa na lei é o próprio canal.
Segundo Trautman, vários dessescanais tidos como espaço qualificado não
obedecem à lei. "Isso criou falsasexpectativas no mercado que agora pretende a
classificação desses canais,pelos quais nada ou muito pouco se paga, para o
cumprimento das cotas decanais, e desta forma diminuíram ainda mais os
parcos centavos por assinanteque as operadoras se predispunham a pagar pela
veiculação dos verdadeiroscanais das cotas. Ou seja, os canais brasileiros
independentes estão numasinuca, de um lado o conteúdo, que vem a ser o
seu insumo principal,disparando de preços, e de outro as operadoras
querendo o canal grátis. Éuma conta que não fecha", lamenta.A autodeclaração
funciona quase como um voto de confiança nos canais, masa diretora colegiada da Ancine, Vera Zaverucha,
garante que haveráfiscalização e haverá mudança no credenciamento
se for o caso. "Afiscalização será feita com base nas informações
que os canais estãoobrigados a nos fornecer", explica.Produção independente e
mudanças no FSA "As
cotas, como em outros segmentos, são apenas um fator impulsionadorpara uma indústria sustentável. Em países como o
Canadá, por exemplo, issofuncionou perfeitamente, e hoje aquele país tem
uma realidade sustentável.Portanto, além de maior visibilidade ao conteúdo
nacional e um incremento deinvestimento no setor, certamente a lei
beneficiará a atividade de produçãode conteúdo audiovisual como um todo. Este
primeiro impacto foi muitopositivo. Algumas programadoras já haviam obtido
excelentes resultados com aprodução independente brasileira e, com a lei,
esta relação ficou mais clarae direta, houve um amadurecimento do
setor", comenta Marco Altberg,presidente da ABPITV (Associação Brasileira de
Produtoras Independentes deTelevisão). "Com a regulamentação,
esperamos um equilíbrio daspossibilidades entre a produção de conteúdo dos
canais por assinatura jáexistentes e os novos que serão criados. Quanto
à criação de uma indústriaaudiovisual, essa responsabilidade não deve ser
atribuída unicamente à TVpor assinatura, por ser este apenas um segmento
importante e em francocrescimento", complementa.Marco Altberg:
"Com a regulamentação, esperamos um equilíbrio daspossibilidades entre a produção de conteúdo dos
canais por assinatura jáexistentes e os novos que serão criados"O aumento da demanda
por produtos para cumprir as cotas diversas já vemsendo visto desde a aprovação da lei no ano
passado e cada vez é maior."Temos sentindo um grande e natural aumento
na busca de conteúdo por partedos canais. Esta procura se dá em dois sentidos:
busca por conteúdo jáexistente, no qual estamos conversando com o
mercado sobre projetos, como aminissérie 'Natália', os documentários 'Amores
Expressos' e 'Histórias doRio Negro', além de longas-metragens como
'Natimorto' e 'Amanhã Nunca Mais',e produção de novos conteúdos, que já estamos
negociando", conta PauloSchmidt, sócio do Grupo INK, que já trabalha em
cinco novas séries, "OVigilante Rodoviário",
"Destemperados", "Adorável Dora", "Santa Teresa"
e"Zona Lost". Visando promover o
desenvolvimento audiovisual de quem está tentando seafirmar na área, mas não tem tanta experiência,
a regulamentação do FSA(Fundo Setorial do Audiovisual) prevê dois
indutores: para produtorasestreantes e para estados da federação que não
tenham sido contemplados naseleção inicial do edital de produção. Pela
sistemática, cinco projetosserão de diretores estreantes e cinco para
produtoras sediadas em estadosque não tenham tido projetos contemplados dentre
os 30 selecionados. Ouseja, ao todo serão 40 projetos contemplados,
com 10 obedecendo à regra deindução.Paulo Schmit: "A
lei foi sábia em prever a possibilidade de recursos parafinanciar parte destes conteúdos que cumprirão
cota de produção nacional"Um dos medos dos
produtores – e do público – é a reprise excessiva doconteúdo brasileiro, desgastando-o – assim como
costumam fazer com osprodutos estrangeiros –, especialmente buscando
cumprir a cota semdesembolsar um pouco mais. "Não acredito
que as programadoras façam reprisesexcessivas apenas para cumprimento das cotas.
Temos que lembrar que oespectador tem o controle remoto na mão e que
caso haja abuso nasrepetições, bastará mudar de canal. Desta forma,
a diretoria optou por nãoregular o número de repetições permitidas, mas
restringiu o tempo em que aobra poderá ser utilizada para cumprir a
cota", explica Vera Zaverucha oporquê das reprises não serem normatizadas.A maior demanda de
produtos pelos canais não tem como propósito aumentaros bolsos das produtoras e sim tornar possível
que mais pessoas sobrevivamdo audiovisual, fazendo com que o mercado
absorva mais profissionais, sejamtécnicos ou criadores de conteúdo. "As
produtoras terão que estar prontaspara atender a uma grande demanda dos canais e
isso envolveprofissionalização do mercado, tanto do ponto de
vista de profissionais,quanto à estrutura e equipamentos prontos para
suportar o aumento degravações. É necessária a criação de novos
empregos para reforçar um mercadoque hoje é limitado e que, atualmente, os
profissionais que dirigemprogramas de TV são do meio publicitário.
Estamos falando de um verdadeiroboom de pessoal e estrutura. Aqui na casa, damos
bastante atenção a novostalentos que nos procuram e mantemos
profissionais criativos voltados apensar novas e interessantes possibilidades para
as emissoras. Talentosescondidos serão revelados", pontua Paulo
Schmidt.Produtoras aumentam
custos de produção e licenciamentoA ideia é, também, que
a maior demanda e o fluxo contínuo de projetosdiminuam os custos de produção desses novos
produtos. "Está aberta atemporada de caça, ou seja, há uma possibilidade
de negociação aberta parase chegar num ponto de equilíbrio entre o desejo
da emissora e o daprodutora. Não creio que haverá um encarecimento
na produção. Isso seriamuito ruim, pois em São Paulo já temos um alto
custo de produção, emcomparação a outros estados e, principalmente,
países vizinhos", comenta ocineasta Rubens Rewald, presidente da APACI
(Associação Paulista de Cineastas).Rubens Rewald:
"Antes de qualquer ação específica, temos que ver como osprodutores e realizadores de São Paulo irão se
movimentar nos próximos meses""O desafio é que
os produtores consigam propor modelos de negócio queatendam aos limites de investimento das
programadoras independentesbrasileiras neste momento de consolidação,
oferecendo alternativas deconteúdos de orçamentos variados, composto por
um mix de projetos de grandeestatura e com produção diferenciada de alta
qualidade, somados a projetosmais econômicos", afirma Cícero Aragon,
diretor-presidente da programadoraBox Brazil. Vera Zaverucha também crê que não
deverá haver inflação. "Osvalores de licenciamento não são tão elásticos a
ponto de permitir que osvalores de produção aumentem de forma a
inviabilizar o lucro. Considerandoque para a produtora ter um projeto de TV
aprovado é necessário um contratode licenciamento com um canal de televisão,
quanto mais alto o valor doorçamento, mais alto será também o valor de
licenciamento. Desta forma, oprojeto terá que se adaptar aos valores
praticados no mercado", argumenta."Os valores
praticados em produção de TV são tradicionalmente bem menoresque os de cinema, mas existem características
inerentes aos diferentesformatos que determinam os valores praticados em
TV. A produção em maiorescala tende a reduzir os custos e isso é
desejável, diferente da valoraçãoem licenciamento de produtos prontos que
certamente será revista",complementa Marco Altberg.Aliás, o licenciamento
de obras já prontas tem subido exponencialmente.Tereza Trautman aponta que, nos últimos três
meses, subiu em 250%. CíceroAragon também notou aumento nos licenciamentos,
mas está esperançoso. "Ovalor dos licenciamentos de conteúdos prontos
tem subido mensalmente e,neste caso sim, a maior procura inflacionou.
Todavia, acredito que a buscapor mais produtos vai gerar novas oportunidades
para diversos produtores queantes não tinham para quem produzir e, neste
caso, vai aumentar aconcorrência, com o surgimento de novos
fornecedores e, consequentemente,uma tendência ao reequilíbrio de valores",
aponta.Cícero Aragon:
"Estamos em plena negociação com todas as empacotadorasbrasileiras. A Box Brazil nasceu pensando no
mercado brasileiro e internacional"A fonte dos recursosAtualmente, todos os
recursos federais disponibilizados ao audiovisual,através dos mecanismos existentes, figuram na
casa dos R$ 500 milhões porano. Só o PRODAV tem R$ 55 milhões à disposição
das produtoras que queiramproduzir projetos para TV. "Com os recursos
novos que incre mentaram o FSA,teremos mais recursos que ajudarão,
inicialmente, o processo de cumprimentosdas cotas da TV paga. No futuro, acredito que
estes recursos poderão deixarde apoiar projeto a projeto e passar a apoiar as
empresas. Existem diversasnecessidades apontadas pelo mercado que poderiam
vir a ser contempladas comrecursos do FSA, tais como capacitação, empresas
e núcleos de criação,desenvolvimento de formatos, pesquisa e
inovação, entre outros", explicaVera Zaverucha. "O FSA passou a contar com
recursos para as diversas açõesde fomento, garantindo assim uma quantidade de
recursos capaz de alavancarde vez o setor, e assim competir com a indústria
hegemônica estrangeira",complementa.A importância do FSA
tem sido bastante grande nesse planejamento. Porconta disso, a Ancine tem tentado
desburocratizar os processos, como, porexemplo, a aprovação de projetos.
"Verificamos que cerca de 40% a 50% dosprojetos aprovados não captavam recursos
suficientes para terem os valorescaptados liberados. Isto fez com que mudássemos
a regra. Hoje, só passam poruma análise mais minuciosa os projetos que tem
captação correspondente a,pelo menos, 20% do valor estimado aprovado
quando da sua apresentação àAncine", esclarece Zaverucha.Essas medidas são
cruciais, na opinião do produtor Paulo Schmidt,especialmente nos próximos dois anos, quando as
três horas e trinta minutosde programação brasileira semanal já estiver em
vigor. "A lei foi sábia emprever a possibilidade de recursos para
financiar parte destes conteúdos quecumprirão cota de produção nacional. A
utilização de recursos dos fundossetoriais e de renúncia fiscal será
fundamental", aponta. "Imagina-se quecom o passar do tempo os canais comprem mais
conteúdos nacionais além dacota estabelecida nesta lei e que os recursos
necessários para a produçãovenham da receita do próprio canal, já que a
aumento da base de assinantesterá um crescimento geométrico nos próximos
anos", complementa, esperançoso.O governo do Rio de
Janeiro, através da RioFilme, já está se mobilizandopara atender o setor. Até 2012, foram R$ 7,9
milhões investidos. Para 2013,os valores disponibilizados para TV serão
equivalentes aos do cinema."Elevaremos o investimento em conteúdo para
TV de modo que a indústriaaudiovisual carioca aproveite plenamente o
contexto favorável do setor",explica o presidente da RioFilme, Sérgio Sá
Leitão, que ainda não podedivulgar valores por conta da mudança de
mandato. "Faremos investimentosreembolsáveis e não reembolsáveis, com critérios
e normas distintos. Ter umcanal interessado no projeto será fundamental.
Manteremos as parcerias com oCanal Brasil e a Oi TV. E estamos abertos a
novas propostas", complementa.A RioFilme é uma
empresa estatal que age no Rio de Janeiro, ou seja, temcomo mote alavancar a produção do estado.
"Com o nosso investimento, serámais interessante para os canais selecionarem e
investirem em projetos deempresas do Rio. Haverá um crescimento de pelo
menos 10 vezes no número dehoras de conteúdo nacional exibido em TV paga no
país", estima. São Paulo, o outro
grande estado produtor audiovisual, em contrapartida,não tem projetos semelhantes. "Estamos
sempre lutando por maiores aportes dopoder público para o setor, tanto junto ao
estado como no município. Esseano, graças a nossa pressão, a Secretaria
Municipal da Cultura teve umorçamento para o cinema maior que nos últimos
anos e parte dessa verba foiaplicada para o desenvolvimento de projetos para
TV", comenta Rubens Rewald.Dentro da APACI, a movimentação também não é
muito maior. "Não há nenhumaação específica para o setor. O que fazemos é
uma divulgação em nossa listade associados se haverá algum pitching ou edital
aberto. Antes de qualqueração específica, temos que ver como os
produtores e realizadores de SãoPaulo irão se movimentar nos próximos meses,
para sentirmos as carências doprocesso e aí sim propor alguma ação",
explica.Os canais para produção
independenteSão três os canais
brasileiros de espaço qualificado, programados porprogramadoras independentes, com mais de 12
horas diárias de produçãoindependente. São justamente eles que estão tentando
realmente fazer a lei,e os ainda parcos recursos têm feito que
encontrem soluções para veicularuma grade de programação de qualidade. Dos três,
o CineBrasil TV é o maisantigo. São mais de oito anos. O Prime Box
Brazil tem um ano e Curta! OCanal Independente ainda não está no ar.Segundo o diretor
responsável pela Synapse Brasil, Julio Worcman, Curta! OCanal Independente ainda está em negociações com
as operadoras, mas deveseguir a receita do portal de internet Porta
Curtas, que permite que osusuários assistam online, gratuitamente, a mais
de mil curtas do acervo,desde 2002. O canal já possui um acervo com 622
curtas-metragens e 505documentários brasileiros independentes, além de
ter projetos de programasfeitos por produtoras independentes.O CineBrasil TV é
comandado pela programadora Conceito A, de TerezaTrautman, voltado à cultura popular, com
preferência por obras declassificação etária livre. Atualmente,
negociando com a grandes operadoras,Net, Sky e Claro TV, o CineBrasil TV está sempre
em busca de novos conteúdos(os produtores podem inscrevê-los via site
www.cinebrasiltv.com.br), porémprefere obras prontas. A ideia é começar, agora
com a valoração do canalpara as operadoras, a buscar fomentos para
produções novas. "Uma coisa équerer, outra é poder. Tudo vai depender da
distribuição que o canal tiver edo valor que as operadoras se predispuserem a
pagar por ele. Se este valorfor muito baixo, mas a distribuição do canal
tiver uma base de assinantesconsiderável, teremos que obter os recursos da
publicidade, o que nãoacontece da noite para o dia. São ainda muitas
as incógnitas. Por ora,estamos vivendo na expectativa", comenta
Tereza.O Prime Box Brazil,
voltado para o cinema e para o audiovisual, é oprincipal canal da programadora Box Brazil, que
ainda conta com o Music BoxBrazil, voltado à música, o Fashion TV Brazil,
voltado à moda, e o TravelBox Brazil, voltado ao turismo, todos
classificados como canais brasileirosde espaço qualificado. Cícero Aragon quer, para
a programadora, ser um dosmais importantes parceiros da produção
independente brasileira. Segundo ele,mais de 80% dos conteúdos brasileiros exibidos
nos canais serão licenciadosou coproduzidos com a produção independente
brasileira. "Estamos em plenanegociação com todas as empacotadoras
brasileiras e também com o mercadointernacional. A Box Brazil nasceu pensando no
mercado brasileiro einternacional, formatada também para exportação,
começando pelo Brasil comZ, que é como o país é conhecido
internacionalmente, além dos nomes doscanais com nomes internacionais apesar do foco
no conteúdo brasileiro", comenta.Atualmente, a Box
Brazil busca filmes, séries, documentários e programasespeciais em geral e também com temas
específicos como música, folclore,cultura, gastronomia, esportes, turismo, moda,
comportamento e qualidade devida. "O grande desafio é encontramos
projetos que pensem em volume deprodução, em valores muito competitivos por
capítulo, em que todos ganhamcom o volume de contratação. Em geral, os projetos
que recebemos têm um altovalor por capítulo e como um todo. Estes
projetos são importantes,interessantes, mas é preciso que tenhamos uma
maior oferta de conteúdos degrade, de baixo valor, para que consigamos ter
um mix mais equilibrado deconteúdos quanto aos seus financiamentos",
argumenta. "A referência seriaprogramas que fiquem, por capítulo, com preços
próximos daqueles que se opróprio canal fosse contratar uma equipe básica
fixa e produzi-los.Logicamente, o valor proposto pelo produtor independente
precisa ter tambémuma taxa de produção, natural do negócio e da
contratação", esmiúça. Ascoproduções e os licenciamentos de conteúdos
serão financiados com um mistode recursos dos fundos, editais, leis de
incentivo e recursos próprios."O mundo está
olhado para o Brasil e certamente seus conteúdos passam ater um apelo infinitamente superior ao de anos
atrás, dentro e fora do país.Como disse, este é o momento do Brasil e, em
especial, o momento doaudiovisual brasileiro", conclui Cícero
Aragon.Por Gabriel Carneiro
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