O
PRINCÍPIO NUCLEAR
Fábio Carvalho
“Os
homens apaixonados se importam pouco com o que
pensam
os outros, o seu estado os eleva acima da vaidade”.
Friedrich
Nietzsche
É melhor se sofrer junto, que
viver feliz sozinho. A linda negra que casou com uma das minhas crias retrucou
o verso dizendo que ninguém é feliz sozinho. Sei não. O mesmo poeta já disse
que o whisky é o cachorro engarrafado, o melhor amigo do homem. Também sei não,
existem os dois legumes da faca, e por vezes existem outros mais. Vou ao sacolão
comprar uma abobrinha, por hora esta é minha missão. Já que ninguém leu Marx
como deveria. Um passarinho me contou que o Madeira perdeu o vôo. Nesta segunda
sem lei, ele realmente ainda estava lá dedilhando seu bandolim elegante,
tomando vinho tinto e diferente de sempre sorrindo muito. Nesta mesma noite de
anteontem tinha um jovem bandolinista com o cabelo hasta-fari, seu aluno que
inacreditavelmente tocava bem, só faltando o tempo para se esmerar. Joguei no
Galo e no Touro com o Biro-Biro na hora do almoço lá no Bar do Cabral. Chega de
números, vamos aos símbolos. Antes, na noite de ontem, fui a um show que me
pareceu extraordinário. Aconteceu no Vinil, Toninho, Juarez, Beto, uma jovem
orquestra de sopro e o Tiãozinho da Batera. Que coisa, velho. Noutro dia tive
que ir ao minúsculo banheiro com um único mictório apertado entre a pia e a
porta de lata que não se fechava inteiramente. Como o tempo de tirar a água do
joelho foi longo, olhando para o alto, percebi três vassouras dependuradas no
vão da parede, duas de piaçava e uma de pelos. O Galo empatou com o Peixe. Num
jogo de arrebentar com qualquer nervo de aço. Aconteceram gols espíritas e dois
jogadores do Galo quase morreram em campo. Galo Doido Cinematográfica. Era o
nome fantasia que queria dar para minha produtora, meus sócios de araque não
deixaram. Continuo sonhando na mesma fantasia. Hoje, sexta feira dia 19,
aniversário de uma de minhas filhas, telefonei e falei com cada qual, que elas
estavam proibidas de ver o último capítulo da novela. Na seqüência, entre
milhões de outros afazeres todas perguntaram o porquê da proibição. Respondi
com calma para uma por uma, que a proibição era pelo motivo absoluto e claro de
que se todo o mundo ia ver, elas deveriam ser diferentes de todo mundo. Um argumento
incontestável, eu acreditava. Embora de personalidades muito diferenciadas
entre si, como é natural entre irmãs, e de todo meu esforço, imediatamente elas
responderam em uníssono: pai você é muito bobo. E desligaram na minha cara. O
que aparentemente soou muito bem aos meus ouvidos. Ser pai é dominar a arte de
ser desnecessário. Tentei falsear uma compreensão. Claro está que jamais
compreenderei. Fazer o quê. Ganhar dinheiro. Deve ser a minha obrigação. E está
muito difícil. Até tenho pensado em mudar de ramo. Vou dar uma bola até amanhã.
Finalmente choveu. No dia seguinte que era um sábado antes da volta do horário
de verão, pensei em outros rumos. Brasil exportação. O morro não tem vez. Saí
mais uma vez, andando pela rua ao som dos imbecis. O mar não quer te ver chorar
assim, vai me trazer de volta para ti. Eu vou mais sei que posso me guiar. Para
quê fazer cinema depois do imortal Nelson Pereira dos Santos? A pergunta que
não quer calar. A estrada da vida. Outro passarinho me contou que há muito o Toninho
não passa mais o som, nem leva mais seu violão nem sua guitarra, simplesmente
pega o que tiver lá no local do show, afina em frente ao público e toca. Este
despojamento provoca a ira de alguns e a admiração de outros como eu. Aquarela
Brasileira. Ultimamente tenho detestado os pernambucanos, logo eu que também
sou pernambucano da linha direta de Olinda. Agora me sinto mais holandês. Tenho
tocado acordeon de sete claves, um piano de cauda está me esperando lá em Juiz
de Fora. Vai meu lamento vai, contar toda tristeza de viver. Cordão de ouro.
Hoje dia 22, uma segunda santa depois que o Galo ganhou com louvor do tricolor
dos meus amigos, estou em frangalhos, com altivez. Sempre fui meu campeão
moral. Passada a sexta feira dia do aniversário da minha filha, como narrei, à
noite junto com o fim de mais uma novela, ainda teve o evento drástico que meu
cunhado virou um pedaço de bife numa batida de carro na estrada, como muito
facilmente se enxerga, a vida não pára. Continua rara. De novo hoje temos o
chorinho, e tenho ainda que levar o Jakson careca para consertar a tampa do
forno do fogão no meu ex-apartamento. Vamos lá. Nesta terça feira, escapei da
festa de encerramento da Mostra CineBH, foi a justa dosimetria. E agora para
onde vou? Já sei. Felizmente ainda me surpreendo com algumas pessoas.
De onde a gente menos espera
nasce uma amizade. Existem divindades do bem. A fulícula do cinema antigo que
queima e arde no fogo. Vou ver a Maria tomando a brisa, em seguida vou passear.
A atração dos homens. A ponte. Ela pôs na geladeira um caju amigo.
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