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quarta-feira, 27 de junho de 2012


PROVA DE AMOR OU CARTAS PARA O AMANHÃ

Já dizia o fado português “...que olhos negros são queixumes de uma tristeza sem fim...”- eu já digo que os olhos negros, que eu conheço, são lumes, estrelas noturnas dos jardins, iluminando, em seus movimentos ziguezagueados, o amanhã alegre da Nina, minha netinha querida. Esta moreninha de espírito forte, filha das artes e do ofício, dormindo ou acordada, está sempre atenta a este novo mundo, repleto de novidades que pra ela se anuncia, navegando sobre ele com distinção pelo primeiro ano de sua longa jornada. Eu a vi  se organizando,  em busca do equilíbrio e do entendimento, dando os seus primeiros passos, achando suas primeiras flexões verbais, no seu olhar doce e cativante e em sua maneira singular de descobrir o seus arredores: cores, casa, botões de luzes, brinquedos. Neste novo espaço, só o gato, injuriado por perder o seu reino, se esconde desconfiado entre cadeiras e poltronas, mas se impõe, pelas afiadas garras, a devida e segura distância da sua nova hospedeira. Os humanos querem abraçá-la, senti-la, desfrutar do seu calor. Eu sinto, todos os dias, a presença dela e me desmancho em pedacinhos românticos de felicidade quando a vejo.  Meu olhar cruza o seu quando os seus bracinhos são abertos no ar para receber o carinho do visitante pegajoso. Uma  vez ela chorou quando eu cheguei e chorou quando fui embora. O meu coração ficou partido em sete pela saudade. Chamo isso de amor e é tão raro amar assim. Só ela me dá esperança em um mundo melhor. Não sei se conseguirei, mas tenho uma vontade danada de dançar com ela a valsa dos quinze anos – valsa? Mas que coisa mais antiga! Ponderou Raquel aos meus ouvidos -  aos 79 anos só se Deus quiser! - Se Ele existir, Ele há de querer! Respondi. Mas se não for possível, caminharei com ela pela praia e, entre uma comilança e outra, falaremos sobre as minhas experiências existenciais, meus causos, meus amigos e amores que tive por entre aquelas mesmas ruas que cortam o velho bairro praieiro onde eu ontem vivi e hoje ela vive. Outro dia, me contou a mãe: - Nina descobriu a lua no céu e se encantou por aquela longínqua bola de luz. Que coisa extraordinária é a descoberta dos signos que nos guiarão por toda a vida. Faltam ainda de cinco a seis anos para ela começar a ler, a ver, a ouvir e a descobrir tudo que o mundo tem ainda guardado para lhe mostrar:  livros, filmes, poesia, fotografias, textos, pinturas e objetos, que estarão aqui  lhe esperando. Você, minha doce criança, só tem que descobrir, durante a vida, todo o legado do saber, que não o tenho para lhe dar, pois ainda procuro essa virtude, esse conhecimento,  que pertence a todos e de quem quer dele usufruir e não a uma só pessoa. Nina te amo para sempre - é o que de melhor lhe posso oferecer.

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