PROVA DE AMOR OU CARTAS PARA O AMANHÃ
Já dizia o fado português “...que olhos negros são queixumes
de uma tristeza sem fim...”- eu já digo que os olhos negros, que eu conheço,
são lumes, estrelas noturnas dos jardins, iluminando, em seus movimentos
ziguezagueados, o amanhã alegre da Nina, minha netinha querida. Esta moreninha
de espírito forte, filha das artes e do ofício, dormindo ou acordada, está sempre
atenta a este novo mundo, repleto de novidades que pra ela se anuncia, navegando
sobre ele com distinção pelo primeiro ano de sua longa jornada. Eu a vi se organizando, em busca do equilíbrio e do entendimento, dando os seus primeiros
passos, achando suas primeiras flexões verbais, no seu olhar doce e cativante e
em sua maneira singular de descobrir o seus arredores: cores, casa, botões de
luzes, brinquedos. Neste novo espaço, só o gato, injuriado por perder o seu
reino, se esconde desconfiado entre cadeiras e poltronas, mas se impõe, pelas
afiadas garras, a devida e segura distância da sua nova hospedeira. Os humanos
querem abraçá-la, senti-la, desfrutar do seu calor. Eu sinto, todos os dias, a
presença dela e me desmancho em pedacinhos românticos de felicidade quando a
vejo. Meu olhar cruza o seu quando os seus
bracinhos são abertos no ar para receber o carinho do visitante pegajoso. Uma vez ela chorou quando eu cheguei e chorou
quando fui embora. O meu coração ficou partido em sete pela saudade. Chamo isso
de amor e é tão raro amar assim. Só ela me dá esperança em um mundo melhor. Não
sei se conseguirei, mas tenho uma vontade danada de dançar com ela a valsa dos
quinze anos – valsa? Mas que coisa mais antiga! Ponderou Raquel aos meus ouvidos
- aos 79 anos só se Deus quiser! - Se
Ele existir, Ele há de querer! Respondi. Mas se não for possível, caminharei
com ela pela praia e, entre uma comilança e outra, falaremos sobre as minhas
experiências existenciais, meus causos, meus amigos e amores que tive por
entre aquelas mesmas ruas que cortam o velho bairro praieiro onde eu ontem vivi
e hoje ela vive. Outro dia, me contou a mãe: - Nina descobriu a lua no céu e se
encantou por aquela longínqua bola de luz. Que coisa extraordinária é a
descoberta dos signos que nos guiarão por toda a vida. Faltam ainda de cinco a
seis anos para ela começar a ler, a ver, a ouvir e a descobrir tudo que o mundo
tem ainda guardado para lhe mostrar:
livros, filmes, poesia, fotografias, textos, pinturas e objetos, que
estarão aqui lhe esperando. Você, minha doce criança, só tem
que descobrir, durante a vida, todo o legado do saber, que não o tenho para lhe dar, pois ainda procuro essa
virtude, esse conhecimento, que pertence a
todos e de quem quer dele usufruir e não a uma só pessoa. Nina te amo para sempre - é o que de melhor lhe posso oferecer.
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