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sábado, 13 de novembro de 2010

O Sábio da Venezuela

Ludovico Silva: A POESIA NO MARXISMO E O MARXISMO NA POESIA.

Gilberto Felisberto Vasconcellos

Ludovico Silva imagina Marx sentado no sofá vendo televisão horrorizado diante do superfetichismo da mercadoria. Ouve-se a voz de Marcuse falando que a forma da mercadoria no capitalismo monopolista é avassaladora. O que aí interessa não é o valor de uso, e sim o valor de troca, e muito menos o valor de verdade ou artístico. Então, a mais valia ideológica é o zênite do fetichismo da mercadoria. Neste livro escrito em 1971 (a televisão Globo nasceu 1965), Ludovico adverte os revolucionários latino-americanos sobre a importância da televisão e os fatores subjetivos. Camponês delatou guerrilheiros, operário votou em FHC, pastor da igreja universal é aclamado nas urnas, então o subdesenvolvimento deve ser visto pela condição subjetiva das pessoas moldada pela ideologia da televisão, que difunde a aceitação do subdesenvolvimento como um destino e, ao mesmo tempo, o desenvolvimentismo, ou seja, a possibilidade do capitalismo monopolista trazer o progresso para a maioria da população, sobretudo se esta comprar aparelho de televisão. Em cada país as empresas televisivas são específicas, mas o que Ludovico escreveu aplica-se não apenas à Venezuela, mas a todos os paises latino-americanos.
Glauber Rocha falava que o “Brasil era um país ocupado pelo Imperialismo”, e essa ocupação não se dava por tanques, marines ou aviões de guerra, mas sim pela televisão, que é um exército midiático gringo operado por mãos brasileiras para extrair a mais valia material e os recursos naturais dos trópicos, principalmente agora com o descalabro climático provocado pelo combustível fóssil que está em extinção, portanto o que se divisa neste século XXI é o território do trópico como fornecedor de energia e como o único remédio para a catástrofe climática.
A televisão é bancada pelo latifúndio agronegócio e as multinacionais. Se existe executivo do banco de Boston no banco Central, haverá a ocupação estrangeira na televisão brasileira comprada pelo capital estrangeiro. Não há possibilidade de o sistema televisivo continuar sob o controle do capital nacional. Se a infra-estrutura brasileira está nas mãos das grandes empresas multinacionais (somente as empresas multinacionais dominam o agronegócio), portanto essas empresas podem comprar a rede Globo, Record e outras televisões. Então não será surpreendente se todo sistema televisivo estiver nas mãos do capital estrangeiro, aliás, este já é o proprietário da mais valia ideológica.
Vale ressaltar à acústica que preside o ensaio de Ludovico Silva, e não só esse ensaio, vide, por exemplo, a teoria poética que vai de Homero a Rubem Dario. Ludovico era músico, tocava sanfona, seu pai era músico. Essa sensibilidade ao som fez com que apreendesse com mais argúcia o significado da televisão.

Beleza e Revolução
A necessidade vital do ouvido de Ludovico Silva para os brasileiros se educarem, sobretudo os professores universitários, cuja percepção acústica é deplorável. A educação musical e sonora na universidade brasileira é um desastre, então necessitamos dos ensinamentos de Ludovico para combater a surdez estrutural que nos persegue e para pensar a relação entre estética e política, como escreveu em seu livro extraordinário Beleza e Revolução, no qual dialoga com Marx, o Rimbald da economia política. Ludovico tinha ojeriza do economicismo e do pragmatismo supostamente realista que despreza a poesia.
A erradicação do subdesenvolvimento só será feita com socialismo, e nisso ele está sintonizado com o que há de melhor no pensamento de esquerda, Gunder Frank, Ruy Mauro Marini e Darcy Ribeiro. O grande poeta venezuelano escreveu livros e ensaios extraordinários sobre a literatura latinoamericana e do mundo inteiro, grega, latina, francesa, inglesa e norte-americana. O ouvido de Ludovico é a antítese do derrelicto sonoro e ruidoso sob o jugo da televisão, incluindo música popular, pop e sertaneja. A parafernália sonora extraí a mais-valia pelo ouvido para deixá-lo surdo em relação ao subdesenvolvimento. Ludovico foi leitor da escola de Frankfurt, mas não desconfiou da capacidade política do proletariado, não acreditou que tivesse chegado ao fim a missão do proletariado, não compartilhou do pessimismo frankfurtiano a respeito da integração conformista do proletariado na ordem social e industrial.
Embora se distanciasse do pessimismo da escola Frankfurt, concordava que a história do século XX, depois de 1945, não poderia ser entendida sem o aparato televisivo. Ludovico corrigiu Theodor Adorno: a indústria cultural não é cultural, porque a cultura desvela e é libertária, enquanto a ideologia é a essência desta indústria, encobridora, deformadora e falaciosa, portanto o melhor seria dizê-la indústria ideológica, no sentido marxista do vocábulo ideologia, algo que falseia a realidade em função de interesses materiais.
Ludovico traz a prosódia, a oralidade do povo, por isso não está apartado do folclore, escreveu sobre o estilo de Marx, sintonizando-o com Beethoven. Seu livro Letras e Pólvora se destaca pelo som da fala, como se o efeito do som da palavra dissipasse a neblina ideológica. A poesia é concebida como som e símbolo. A poesia também faz revoluções, ele dizia. A beleza é revolucionária; o capitalismo, feiúra. É pelo som da palavra que se poderia escapar da televisão-caverna e do capital monopolista financeiro.

Ócio e Filosofia
Quando reparo a oralidade de seu estilo, estou pensando no folclore tal como foi transfigurado musicalmente por Villa Lobos. É que no ouvido está o olho do povo. É mais ouvindo do que vendo, a produção do som sensibiliza o povo, a musica é a psicologia popular. A função do ouvido está em primeiro plano. Glauber Rocha foi artista da imagem e do som. Quando digo que no ouvido está o olho do povo, lembro o belo verso de Ludovico “si solo mirar el ojo escucha”. É a música na literatura como escreveu em seu livro A Filosofia da Ociosidade: “puede ser que algún músico del pueblo se haya interessado alguna vez por el ritmo encantador de mis frases y mis poemas”.
Ludovico juntou poesia, consciência estética do fazer literário, meta-linguagem informada pelas teorias literárias, falando 7 línguas entre tantas outras lidas, ao mesmo tempo tinha um conhecimento científico da sociedade ditado pelo marxismo, que é ciência da revolução proletária. A América Latina é caracterizada pela claridade dos trópicos, o sol vertical sobre a Venezuela. Ele adorava Mallarmé, a clareza harmoniosa, a melodia nítida, o poeta dos poetas.
Ludovico atribuía um poder imenso às palavras, se não fosse isso não seria poeta, embora soubesse que não é a música nem a poesia o motor da história. A história é movida pela luta de classes. Ele não tinha inibição de falar de si mesmo, de colocar a sua pessoa no estilo, o que não comprometeu em nada a objetividade de seus estudos. Escreveu mais de 10 livros sobre Karl Marx e o conceito de alienação. Conhecia muito a Europa, mas não se pode dizer que tivesse sido um intelectual eurocêntrico. Leu e estudou Marx como um latino-americano. O curioso é que não tematizou a selva, nem conheceu a Amazônia e o Brasil. Autor brasileiro, eu me deparei somente com Darcy Ribeiro, mesmo Villa Lobos não aparece como referencia, assim como não aparece o samba, não aparece o chorinho, não aparece Glauber Rocha, Ludovico se achava parecido com Engels. Eu não o vejo parecido com Engels. Eu o vejo parecido com meu amigo Sergio Santeiro. O poeta-filósofo venezuelano nasceu em 37, três anos mais velho que Glauber nascido em 1939.
Como Ludovico se tornou Ludovico? Como de Luís virou Ludovico? Quando estava na Espanha os amigos dele o chamaram de Ludovico, ai ficou o nome de Ludovico. E, antes disso, ele chegou ao marxismo pelo Sartre, lendo-o em Caracas mas ele não se ligou no Sartre, fala pouco do Sartre, fala bem, mas não foi uma figura nuclear em sua visão de mundo. O que o comoveu foi Marx, décadas estudando-o, tomando seus tragos em Caracas com Marx ao seu lado. Ludovico era afeiçoado ao bebum, escreveu um livro de poesia sobre o vinho, tematizou o álcool o tempo todo, afirmando que o álcool o mataria, o álcool estava levando-o à morte, ora dizia que largou o álcool, ora que não largou, morreu cedo com cinqüenta e poucos anos.

A MAIS VALIA IDEOLÓGICA
Em seu ensaio Sono Insone tematizou a sociedade latino-americana subdesenvolvida e os fatores responsáveis pela continuidade dessa situação deplorável, em que o capital desde o começo nasceu estrangeiro, a sociabilidade foi feita pela produção voltada para o mercado externo. E o que isso tem a ver com a televisão? O que o capital estrangeiro tem a ver com o efeito psico-cultural da televisão na sociedade brasileira agora?
A televisão do capital estrangeiro convence os explorados a aceitarem a exploração imperialista. A mais valia ideológica é a relação colônia-metrópole, por isso Ludovico é o grande autor da teoria marxista da ideologia no Terceiro Mundo. A mais valia material, extraída da força de trabalho, tem sua justificativa na indústria cultural. Assim, a mais valia ideológica opera com o não consciente do psiquismo, por onde se introjeta o subdesenvolvimento. Como é que subdesenvolvimento é introjetado no aparelho psíquico dos colonizados? Nisso entra a televisão, sobre a qual é impossível discorrer com neutralidade axiológica.
Ludovico retomou o conceito de Theodor Adorno sobre indústria cultural, elaborado há quatro décadas. E nessa indústria cultural sobressai a televisão como o suporte psíquico da sociedade, fator fundamental do conformismo e da aceitação do subdesenvolvimento como uma realidade ineliminável.
O estudo da televisão requer uma postura critica e não meramente descritiva, pois a descrição do efeito que exerce um programa na massa da população, sem uma abordagem critica, é mera algaravia fragmentada e superficial. Ludovico rebatizou o conceito de Adorno sobre indústria cultural; na verdade é indústria ideológica, e não indústria cultural, porque a cultura revela a realidade, a ideologia a encobre. Há um abismo entre ideologia e cultura, assim entre crença e ciência. A crença mascara, enquanto que a ciência desoculta, então Ludovico prefere falar em indústria ideológica, a mensagem imaterial justificadora da existência da exploração, tornando-a aceitável pelo povo. Essa mais valia ideológica, imersa na produção material, tem, no entanto uma dimensão não consciente, pré-consciente ou inconsciente, o homem comum presta lealdade ao capital material por intermédio dessa mais valia ideológica produtora de um excedente psíquico.
A televisão pode ser vista como uma terapia repressiva para as massas, é isso que dá aos donos do capital as condições de realizarem simultaneamente a extração da mais valia material e a da mais valia psíquica. A esfera psíquica de cada indivíduo é submetida à televisão para justificar o poder material do capital.
A televisão não pode ser considerada em si mesma, nem é propriamente uma extensão do olho, como dizia Mcluhan. É um olho, corrigiu Ludovico, que nos olha, então esse olho da televisão, esse olho pelo qual nos vemos e somos vistos, é o olho do capital. Esse olho-ouvido nos faz ver e ouvir, nós vemos e ouvimos com olho e ouvido constituídos pelo aparato televisivo. Ludovico assinala que a televisão é como um médium absorvente é uma mercadoria que nos faz ver outras mercadorias. A televisão fala da existência de outras mercadorias. A televisão é uma mercadoria no meio de outras mercadorias como o dinheiro, então ela é uma mercadoria especial no mundo capitalista, porque produz o excedente de trabalho imaterial, cujo beneficiário é o sistema de dominação material. A televisão é a exploração imaterial que torna possível a continuidade da exploração do capital. A televisão está dentro do processo de produção, mas atua como uma exploração imaterial.
Ludovico colocou outra questão essencial: a diferença de uma televisão em país desenvolvido e em país subdesenvolvido. Como é o subdesenvolvimento televisivo? A televisão do subdesenvolvimento – a televisão em um país subdesenvolvido - é a penetração imperialista, a esfera do imperialismo por excelência que justifica a extração da mais valia para os centros metropolitanos. É essa a função primordial da televisão no país subdesenvolvido. Embora em todo lugar a televisão seja a mesma coisa, ela atua como fator decisivo dessa produção material e imaterial na periferia do capitalismo, portanto a rigor é desprovida de qualquer particularidade nacional.

Televisão sem Anestesia
Cosmopolita tal qual o dinheiro, a televisão é um canal do imperialismo, embora possa existir proprietários nativos de televisão. Ludovico trata da aparência e essência, por exemplo: a ideologia não consiste nas opiniões e idéias manifestadas ou divulgadas pela televisão, assim como ela não aparece apenas nas opiniões e tendências expostas pelos partidos políticos. Isso é a aparência, mas a ideologia é produzida aquém e além desta aparência, por isso o conceito de mais valia ideológica trata da parte não consciente.
A ideologia do neocolonialismo está na televisão, mas isso não quer dizer que o sistema educacional e o sistema religioso tenham desaparecido. É que depois do surgimento do aparato tecnológico-eletrônico, do qual resulta a televisão, esses dois elementos - o religioso e o educacional - devem ser vistos em função do papel primordial da televisão. Antes de a pessoa entrar na universidade ou no sindicato, sua infância já foi moldada pela exploração imaterial e psíquica da televisão. Então a televisão é o fator determinante que abrange e incorpora a educação e a religião. A ênfase na dimensão imaterial é diferente quando se fala em navios ou trens que transportam mercadorias, pois a televisão transporta objetos imateriais, idéias, imagens e mensagens.
A televisão comunica a mercadoria, é um fator novo da exploração capitalista. É isso o que há de especifico na comunicação: transportar realidades imateriais. É impossível isolar a televisão do subdesenvolvimento, porque ela o reproduz. Então, a teoria do subdesenvolvimento necessariamente tem que incluir a televisão como objeto de estudo. A televisão é um componente fundamental da estrutura subdesenvolvida da sociedade latino-americana.
Ludovico Silva volta e meia em seus livros citava (e como ele era mestre em citar o pensamento de outros autores) a definição de cultura de Samir Amim: “ a cultura é o modo de organização e de utilização dos valores de uso”. A televisão extrai do trabalhador um excedente psíquico para fazê-lo aceitar a exploração do trabalho como algo natural e, muitas vezes, masoquisticamente desejado. Quanto mais a humanidade se converte em mercadoria, mais a TV se expande como medida do capitalismo, isto é, o modo de organização do valor de troca, seja telenovela ou jogo de futebol. A diversão no capitalismo é o momento do gol no futebol manipulado como o anúncio de automóvel.
A televisão nasceu das entranhas do imperialismo, sua irmã gêmea é a bomba atômica de 1945. Assassinado em 1940, Trotsky não viu o aparecimento da televisão anti-socialista. A televisão é o dólar em ação na mente e no espírito do espectador. A alquimia manipuladora da telenovela ou do futebol é aplaudida unanimemente por todos os partidos políticos depois que se foi Leonel Brizola, o último homem político que considerava a televisão uma serpente do capital monopolista.
O conceito de mais valia nasceu depois de Ludovico muito meditar acerca do vocábulo “ideologia” na obra de Marx, assunto sobre o qual escreveu dezenas de livros, tendo consciência de que o fazia melhor do que qualquer acerto na Europa e Estados Unidos, salvo as exceções como Ernesto Mandel e Maximilien Rubel.
O conceito de mais valia ideológica, que nega a distinção entre infra-estrutura econômica e superestrutura cultural, é de autoria de um poeta, crítico de arte, filósofo, dotado de uma sensibilidade para a linguagem, encarada sob o prisma da totalidade histórica, o que o levou a sincronizar o artista Charles Baudelaire, o poeta da modernidade (quem aliás inventou essa palavra) com Marx, o primeiro a fazer a análise revolucionária da sociedade capitalista em seu livro de 1859: A Crítica da Economia Política. Um não sabia da existência do outro, mas ambos tinham o capitalismo como inimigo em comum Ludovico observa que a poesia chegou com atraso na percepção de que no fundo da miséria humana existe o capital. Essa percepção se deu com o poeta Baudelaire que, não por acaso, se meteu nas barricadas de Paris no século XIX.

O Sol é do Povo
O que sobressai na bela crítica marxista de Ludovico é a recusa de ver o mundo em prateleiras separadas, por isso conseguiu elaborar com primor o conceito de mais-valia ideológica, valendo-se da filosofia que, segundo Platão, tão citado por ele, é a “ciências das coisas invisíveis”. Em seu livro sobre o poeta venezuelano Vicente Gerbasi, assinala que os “filósofos são meninos sérios”. Ludovico, o poeta-filósofo, em sua Teoria Poética, que vai de Homero a Vicente Gerbasi, sublinha que a obscura caverna descrita por Platão impede a entrada do “sol das idéias”, de modo que a caverna moderna é a televisão, o principal instrumento da industria ideológica do capitalismo, que na latitude subdesenvolvida do mundo tem efeito ainda mais pernicioso, porque na América Latina, como dizia Darcy Ribeiro, a população (antes de ingressar na letra, ou melhor, banida do alfabeto) está submetida ao bombardeiro da televisão deseducadora. Nada pior do que um pobre analfabeto cabeça feita pela televisão.
É possível estabelecer a constelação entre o descenso da consciência da classe operária e a emergência da televisão como produtora de mais-valia ideológica. Com certeza o anti-capitalista Jean Luc Godard estava ciente dessa correlação quando afirmou, tal qual Ludovico a respeito do “sol das idéias”, que o cinema era a luz do pintor Cezane Iluminando a caverna de Platão. No Brasil de hoje (basta observar os candidatos à presidência da República) é pela televisão que se produz, no som e na imagem, isto é, nos meios mentais de produção, a ilusão do desenvolvimentismo que não é senão a máscara do imperialismo norte-americano dentro de casa.
A televisão na América Latina é uma agência local de interesses estrangeiros. Não só econômicos, mas de ordem cultural, quer dizer, é uma agência de interesses estrangeiros com estereótipos culturais. Ludovico se vale da metodologia de Adorno, segundo a qual a televisão, quer como aparelho emissor quer como receptor, lida com o inconsciente, por isso é que a pesquisa empírica sobre o público baseada em pergunta e resposta, é falha porque o significado da televisão está em se apossar do inconsciente das pessoas, daí o conceito de mais valia ideológica.
A mensagem da telenovela é a seguinte: a miséria capitalista é inevitável, portanto o remédio é aceitá-la, daí o conformismo que aparece na telenovela, todas as telenovelas são rigorosamente iguais. A grande contribuição conceitual de Ludovico é mostrar que o produtor, o receptor da televisão, é um produtor de mais valia ideológica com a adesão não consciente ao sistema de exploração.
Este ensaio notável, sono-insone, traduzido para o português, dá em sonho-insônia, paradoxo que ele tomou de um texto de Adorno sobre a televisão, a quem homenageia no ano da morte do pensador alemão em 1971. Mas Ludovico vai além de Adorno quando aborda do ponto de vista histórico as coisas, os olhos, e os ouvidos, baseando-se na escola de Frankfurt, como ele mesmo diz, sublinhando a história no objeto apreendido e no órgão que o apreende. Ludovico neste ensaio pergunta (parecido nesse aspecto com Jean Luc Godard) o que é ver e ouvir na era da televisão? O que é o olho numa sociedade cujo olhar é feito pela televisão? E o que isso implica na maneira de entender a sociedade? Responde a essas questões com a teoria do subdesenvolvimento capitalista latino-americano. É isso o que o diferencia de outros autoes que teorizaram subdesenvolvimento capitalista como Gunder Frank, Jorge Abelardo Ramos, Ruy Mauro Marini e Darcy Ribeiro. É o destaque dado à função desempenhada pela televisão no subdesenvolvimento, ou seja, a ideologia televisiva do subdesenvolvimento como responsável pela miséria e o atraso, nesse aspecto sendo mais importante do que a religião e a educação. Ele percebeu a televisão como fator ideológico no inicio da década de 70. Algo parecido foi feito por Glauber Rocha, que, aliás, não se encontrou com Ludovico, sendo três anos mais novo que o ensaísta venezuelano. Eles poderiam ter se encontrado: Glauber, o Marx; Ludovico, o Engels, pois Ludovico gostava de dizer que ele era parecido com Engels. Embora Glauber e Ludovico não tivessem se encontrado, eles tematizaram a ideologia do subdesenvolvimento. A Motion Pictures começou nos anos 50 com JK, portanto converteu-se em um fator essencial nos rumos da história do Brasil.
Glauber pensou a comunicação e a história. Não que a história fosse feita pela comunicação, mas sem a comunicação é impossível entender os rumos da história do Brasil. A televisão, segundo Ludovico, é o principal instrumento para produzir e perpetuar o capitalismo monopolista. A cabeça do colonizado é feita pela televisão que hipnotiza a população. Ludovico trata de três elementos fundamentais: subdesenvolvimento, televisão e ideologia. A televisão é por onde se faz a ofensiva psíquica do imperialismo. Escreveu isso em 1971, paralelamente a Glauber Rocha, o que enseja algumas reflexões, sobretudo agora durante a Copa do mundo. O que é pensar o futebol do ponto de vista do valor de troca, isto é, o futebol como mercadoria? Afinal, não existe futebol como uma esfera separada da televisão, a televisão é futebol, a televisão faz com que o esporte exista na sociedade contemporânea, eu diria até que cada gol é a celebração da televisão como mercadoria e aparato de domínio. Por isso eu compartilho da tese de Glauber Rocha e Oswald de Andrade, segundo a qual o futebol é uma alienação perpetrada pela indústria ideológica na sociedade brasileira, sem mencionar o meu saudoso amigo José Róiz: esporte mata.
A televisão é a ideologia do futebol ou o futebol é a ideologia da televisão? É impossível imaginar um Maracanã chamado Karl Marx, um Morumbi chamado Engels, ou um Mineirão chamado Lênin ou Trotsky. O fetichismo do chute na bola é o equivalente universal do dinheiro no atual capitalismo. Capitalismo vídeofinanceiro, eu o batizei em meu livro O Príncipe da Moeda. Haja mercadoria, haverá fetichismo, então por que somos levados à supertição de que a bola na rede é momento lúdico e não valor de troca? Por intermédio da televisão, quem faz o gol é o capital. Os trocadores de passe no campo são os trocadores de valor, que aliás o que nós somos no sistema capitalista de produção de mercadorias, pois existimos como portadores de valores que se trocam entre si. Isso não ocorre apenas quando determinado atleta faz anuncio comercial na televisão: compre isso e converta-se na minha pessoa de sucesso. É isso o intercâmbio da pessoa (mercadoria) do jogador com o produto reificado. O campo de futebol é o mercado de proprietários privados.
Glauber Rocha dizia que Pelé chutava a cabeça do povo brasileiro. O futebol é contra o socialismo. O futebol satisfaz as demandas mundiais do mercado capitalista. Nada mais do que isso.

*Gilberto Felisberto Vasconcellos é Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.
E-mail: gilbertovasconcellos@yahoo.com.br

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