Lembro-me que fui convidado, nos idos de 1975, com outros artistas, para ver um filme na embaixada (consulado) da antiga URSS no Rio, com direito a coquetel de champanhe com caviar. Na mais absoluta formalidade, depois do banquete, fomos todos convidados a entrar na sala, onde seria exibido o mais novo, o mais artístico, o mais importante filme feito sobre a juventude soviética. A historieta era pautada por seqüências novelescas de besteiras sociais, tentando, sem me convencer, justificar, estética e politicamente, naquela época, a sede do consumo desenfreado da sociedade comunista, incentivado por propaganda e deserções, falava-se de tudo que se dizia proibido na cortina de ferro e que o filme, sem nenhuma grandeza, tentava desesperadamente dissipar, sem se aprofundar no assunto, mostrando apenas a sede capitalista da juventude moscovita. No final foi aplaudido pela esquerda festiva ali presente. Lembro-me dizer, saindo pelos portões de ferro da embaixada, revoltado, para a menina-bailarina que me acompanhava: - A utopia do mundo socialista-comunista está ruindo...
O pensamento retrógado que os domina, o desconhecimento da liberdade e da arte na transformação permanente do espírito revolucionário, o amadurecimento do fruto do capital, mercado e consumo, o desejo ativado através desse inocente tipo de audiovisual, cinema dito popular, feito de encomenda por pseudo-artistas burocráticos, devidamente engessados, obteve, neste dia particular do ano de 1975, a sua maior e pessoal vitória.
Pobre Marx, Lenine, Trotsky, Maiakóvski , Eisenstein, tudo que havíamos sonhado, em nome do futuro, para mim, começava a ruir. Tantos erros cometidos! Não conseguia acreditar no que estava vendo e nem tinha palavras para justificar tamanha decepção com aquele cinema de enganos.
Assim o mundo capitalista continua aos trancos e barrancos corrompendo o homem.
Olha que não trago em meus pensamentos nenhuma ideologia, nenhuma verdade absoluta.
Só creio em uma revolução que seja permanente, que esteja ligada a dois princípios: o incentivo a boa arte em todos os aspectos do trabalho humano e o compromisso com a liberdade do homem.
Quero uma revolução pessoal independente dos dogmas partidários e dos movimentos de massa.
Todo grande artista tem que ser um revolucionário.
Fazer arte é saber manejar com maestria os instrumentos que estão disponíveis para a criação.
O mundo socialista soviético tinha os melhores instrumentos, mas não soube manejá-los, não trabalhou com liberdade, burocratizou, engessou, subestimou a livre criação, a grande arte libertária e seus artistas, que na vanguarda da história iniciaram a marcha revolucionária.
Isolando-se o artista revolucionário, eliminando-se, por todos os meios, a sua liberdade criadora, corrompe-se a arte, destrói-se o equilíbrio das forças que fazem a cultura nacional e tudo mais que mantém unido a Polis.
Na foi assim na Alemanha em 1930, quando o todo poderoso Adolfo, resolveu apagar do mapa a “doente” arte moderna?
Destruindo o equilíbrio cultural da Polis, corrompe-se a arte e assim a estupidez, a ignorância, a ignomínia e seus pares, o ódio, a violência e o medo, passam a dominar os sentimentos comuns dos homens.
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