O PAU BRASIL
Armando Alexandre dos
Santos
Contrariamente ao que muita
gente pensa, não foram os portugueses que praticamente extinguiram o pau-brasil
da nossa mata atlântica. Nem foram eles que praticamente extinguiram essa mata.
Os portugueses sempre tiveram uma preocupação preservacionista muito grande,
com relação à natureza do Brasil. Foram, nessa matéria, verdadeiros precursores
do moderno ambientalismo, numa época em que ninguém, absolutamente ninguém,
tinha essa preocupação.
Os franceses levavam o
pau-brasil, pagavam aos índios no sistema clássico dos espelhinhos e
lantejoulas e voltavam para sua terra sem maiores preocupações ou escrúpulos de
consciência.
Os portugueses, entretanto,
agiam de forma bem diversa. Transcrevo trecho muito elucidativo a respeito, de
artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo” de 17-1-2007, pelo Prof. Evaristo
Eduardo de Miranda, doutor em Ecologia e chefe geral da Embrapa Monitoramento
por Satélite: “Na maioria dos países, a defesa
da natureza é fenômeno recente. No Brasil, vem de
longa data. Desde o Século XVI, as Ordenações Manuelinas e Filipinas
estabeleceram regras e limites para exploração de terras, águas e vegetação.
Havia listas de árvores reais, protegidas por lei, o que deu origem à expressão
madeira-de-lei. O Regimento do Pau Brasil, de 1600,
estabeleceu o direito de uso sobre as árvores e não sobre as terras. As áreas
consideradas reservas florestais da Coroa, não podiam ser destinadas à
agricultura. Essa legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de pau-brasil até 1875, quando
entrou no mercado a anilina. Ao contrário do que muitos pensam e propagam, a
exploração racional do pau-brasil manteve boa parte da Mata Atlântica até o
final do Século XIX e não foi a causa do seu desmatamento,
fato bem posterior”.
Numa conferência a que assisti,
no Rio de Janeiro, o Prof. Miranda esclareceu que, quando o pau-brasil deixou
de ser explorado, em 1875, com certeza havia mais árvores de pau-brasil em
nosso território do que em 1500, porque se plantara mais do que se abatera.
Sei que essa idéia surpreende,
porque vai na contra-mão do que todos imaginam e repetem, mas essa é a
realidade.
No mesmo estudo, Miranda aponta
outros documentos legais portugueses que revelam a preocupação ambiental. Em
1760, por exemplo, um alvará do rei D. José I procurou proteger os manguezais.
Ainda no século XVIII, em 1797, várias cartas-régias do Príncipe Regente D.
João (depois, rei D. João VI) consolidaram leis ambientais referentes às matas
da costa. Foram, ainda, instituídos os Juízes Conservadores, encarregados de
julgar e aplicar as penas em casos de atentados à vegetação. Eram severas as
penas aplicadas aos infratores: multa, prisão, degredo e até, em caso de
incêndios dolosos de florestas, pena de morte. Foi, ainda, promulgado um
Regimento de Cortes de Madeira. No Império, a monarquia brasileira manteve essa
mesma política preservacionista, conforme documenta Miranda em seu artigo,
sustentando documentadamente que a política florestal adotada pelos Reis de Portugal
e pelos Imperadores do Brasil conseguiu preservar a cobertura vegetal
brasileira até à proclamação da República. Foi já no atual regime, mais
precisamente ao longo do século XX, que se deu o triste fenômeno do
desmatamento.
Vejo, com pasmo, a desinibição
com que norte-americanos e europeus falam da nossa Amazônia como“patrimônio mundial”…
Logo eles, que devastaram suas próprias florestas enquanto nós preservávamos
muito das nossas! A esse respeito, passo novamente a palavra ao Prof. Miranda: “Há oito mil anos o Brasil
possuía 9,8% das florestas mundiais. Hoje, o país detém 28,3%. Dos 64 milhões
de km2 de florestas existentes antes da expansão demográfica e tecnológica dos
humanos, restam menos de 15,5 milhões, cerca de 24%. Mais de 75% das florestas primárias já desapareceram. Com exceção de parte das
Américas, todos continentes desmataram, e muito, segundo estudo da Embrapa
Monitoramento por Satélite sobre a evolução das florestas mundiais. A Europa,
sem a Rússia, detinha mais de 7% das florestas do
planeta e hoje tem apenas 0,1%. A África possuía quase 11% e agora tem 3,4%. A
Ásia já deteve quase um quarto das florestas mundiais (23,6%), agora possui
5,5% e segue desmatando. No sentido inverso, a América do Sul que detinha 18,2%
das florestas, agora detém 41,4% e o grande
responsável por esses remanescentes, cuja representatividade cresce ano a ano,
é o Brasil”.
Assim sendo, apesar da
devastação que nós próprios fizemos ao longo do século XX, o Brasil ainda pode
ser considerado um bom exemplo mundial em matéria de preservação. Justamente o
Brasil, agora tão acusado pelos verdadeiros campeões do desmatamento!
Quis recolher aqui essas
informações porque são pouco divulgadas e têm o maior interesse. Recomendo
vivamente que se leia na íntegra o próprio texto de Miranda, muito atual,
aliás, neste momento em que nossa Amazônia é cobiçada por estrangeiros.
Armando
Alexandre dos Santos é historiador, jornalista e diretor da
Revista da Academia Piracicabana de Letras.
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