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domingo, 30 de agosto de 2015

CINEMA

Radicais e digitais
Orlando Senna

Dois acontecimentos encadeados me levaram, esta semana, a rever a pintura exponencial de Rembrandt e um filme essencial de Joris Ivens. Ou seja, me levaram para a Holanda dos séculos XVII e XX. De Rembrandt, que muita gente boa considera o maior pintor de todos os tempos, fui buscar os autorretratos. Como se sabe, ele fez cerca de 40 retratos de si mesmo, da juventude à velhice, mostrando a mutação da vida, o vendaval do tempo no próprio corpo, principalmente no rosto. É uma autobiografia pictórica e, sendo Rembrandt, realizada com técnica extraordinária, nenhuma autopiedade e sinceridade absoluta. 
Desde muito tempo pessoas juntam os autorretratos de Rembrandt, na ordem em que foram feitos, nesses caderninhos que criam a ilusão de movimento quando folheados em velocidade constante com a ponta do polegar, para ver cinematograficamente a ação do tempo sobre o rosto do pintor. Com o surgimento do próprio cinema essa ilusão foi aperfeiçoada, agora é fácil de fazer no computador: aquilo não é apenas a super detalhada superfície de um rosto em transformação, mais que isso é um espírito cruzando as alegrias e agruras da existência humana, uma alma em ebulição. Em outro dizer, imagens que mostram muito mais do que apenas o que você está vendo.
Do outro holandês, Joris Ivens, o documentarista transbordante que retratou, ou captou, o século XX em 35 filmes, revi Une Histoire de Vent (Uma História do Vento). É o último filme de Ivens, realizado quando tinha 90 anos de idade, em 1988, na China. Ele sempre quis filmar o vento, não apenas na sua materialidade (espalhando sementes e furacões, por exemplo) mas principalmente na sua relação poética com o tempo. Em 1965 ele havia filmado Pour le Mistral, sobre o vento seco e frio que sopra no Mediterrâneo durante o outono. Em 1988 ele escolheu os ventos, no plural, como tema de sua última obra e como impulso para contar sua própria história.
Esperando ou seguindo os ventos, Ivens conta metaforicamente o que fez, o que queria, o que viu, o que entendeu e o que sonhou com sequências de imagens reflexivas, sem limites entre o real e a fantasia. Metaforizou a própria morte, inclusive. Durante a filmagem, ele se sentiu mal e desmaiou. Foi levado às pressas a Paris, hospitalizado e estabilizado. Voltou à China e encenou seu desmaio, montando-o com cenas das providências tomadas pela equipe quando o verdadeiro desmaio aconteceu, e que tinham sido gravadas. A sua queda da cadeira até o chão do deserto chinês está no filme. Outra vez em Paris, ele só teve tempo de terminar a edição e morreu de verdade.
Dos dois acontecimentos encadeados que me levaram a esses autorretratos verticais, realizados por artistas radicais, o primeiro foi uma conversa que tive com os participantes do II Encontro Nacional dos Técnicos de Cinema do Sesc (Serviço Social do Comércio), no Rio de Janeiro, onde falamos sobre as diferenças entre o comportamento humano analógico e o comportamento humano digital. Incluindo hábitos da Hiper Modernidade como as selfies e as pessoas buscando seguidores no Facebook. 
O outro foi uma mensagem de Antonio Mercado, o brasileiro diretor e professor de teatro radicado na Universidade de Coimbra e que gosta de divertir os amigos. A mensagem se intitula “Para as pessoas da minha geração que não compreendem realmente porque existe o Facebook”. Com todo respeito, como gostam de dizer os cronistas, reproduzo para vocês.
“Atualmente, estou tentando fazer amigos fora do Facebook enquanto utilizo os mesmos princípios. Portanto, todo dia eu ando pela rua e digo aos pedestres o que eu comi, como me sinto, o que fiz na noite anterior e o que farei amanhã. E então eu lhes dou fotos de minha família, do meu cachorro e minhas cuidando do jardim e passando o tempo na piscina. E também ouço as suas conversas e lhes digo que os amo. E isto funciona. Eu já tenho três pessoas me seguindo: dois policiais e um psiquiatra.



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