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sábado, 15 de agosto de 2015

UM CONTO DE REIS


AINDA ASSIM TE AMO MUITO
  Fábio Carvalho


Eclipse ao meio dia. Eu quis amar mais tive medo e quis salvar meu coração, mas o amor sabe um segredo, o medo pode matar o teu coração. No vazio do tempo e do espaço o corpo vibra a vida, conforme definiu via ZappZapp, o garboso olhar em cinemascope do Neville. Iluminando a rua escura no início da noite sem lua, surgem três gerações das belas plásticas Weissmann. Altivas e solares, Selma, Leonora, Isadora e de pé em cima do carrinho de supermercado, comandando o transito, o bendito fruto meu ator chamado Theo com os cabelos cortados. As Banhistas, o filme do quadro que ronda minha cabeça e meus olhos, sinto, está prestes a nascer.  As bacurinhas e a Loló com suas tintas e pinceis darão forma doce e esplendorosa cheia de redondilhas para impressões visuais e sonoras maneiristas.  O segredo do pensamento recôndito é, em geral, libidinoso, e o mais bem guardado é o da mulher. Ingmar Bergman tentou perscrutá-lo, Resnais também (La guerre est finie), Joaquim Pedro idealizou. Assim escreveu com a sagacidade de sempre o cineasta David Neves. Cartas do meu bar. Tenho feito um estudo de observação sobre a imagem que me foi enviada, de uma mulher muito branca com os cabelos negros encaracolados soltos ao vento. Sempre seus olhos estão em mim. Movimento-me de maneira aleatória, por todo meu espaço de visão, seus olhos continuam em mim, quando quebro o compasso como num drible, ela está de costas, mesmo assim seus olhos sorriem para mim.  Convidado pelo jovem compositor e contrafagotista Cláudio Freitas, meu comparsa no escritório de três portas, fui assistir a estreia de sua obra encomendada pela Filarmônica, intitulada Grande Trio Concertante, na nova sala de concertos. Jef e João estavam no balcão. Beligerante, Cláudio compôs para o deleite virtuosístico dos músicos, em três movimentos ininterruptos de grande eloquência, uma obra completamente abstrata que fez minha imaginação voar por vertigens cinematográficas aos meus olhos muito interessantes. Desconfio que reconheci um novo parceiro para minha solidão acompanhada. No dia seguinte montei um filminho sobre o prazer com imagens capturadas pelo celular em três locações diferentes: Belo Horizonte, Ouro Preto e Florianópolis. Eu Sou Um Coletivo foi o nome que dei para essa despretensão pretensiosa. Um dia chego a ser um fidalgo como o Neville e o Cláudio, continuando minha dinastia do Carvalho. Na mesma noite de Sexta Feira, ainda pude ver a soprano carioca Eliane Coelho, num maravilhoso vestido preto tomara que caia, interpretando lindamente Sheherazade de Maurice Ravel e Salomé de Richard Strauss. Realmente uma beleza. Quisera ver os narguilés envoltos em barbas brancas. Amor é liberdade. Quando minha filha loura me ligou da porta das alturas, querendo me ver, confesso, fiquei emocionado, estou precisando de cuidados especiais, sinto o cinema voltando a mim como música, frágil como um homem. Sorte minha, foi que eu tinha um dinheirinho no bolso para oferecer a ela, que nada me pediu, então, ela foi feliz trabalhar em Sete Lagoas com sua turma do jovem cerimonial. Fiquei bem seguro acima do ar comendo restos nessa Quarta Feira, por vezes o céu se abre para possibilidades infinitas, é só você não atrapalhar, um carinho basta pra começar. Vou tentar atrapalhar um pouquinho para não me acomodar, tenho que alimentar a fogueira da minha hiperatividade. Preciso voltar ao mar do meu Rio de Janeiro.  Embalada pela versão instrumental do Joe Henderson de O Grande Amor do Vinicius e Tom, a vida pode melhorar muito. Comecei a digitar como o pianista, na nota exata. Você não ter o domínio sobre a própria mão pode ser uma experiência muito agradável. Que coisa meu, diria o Octávio Oitenta. Uma canção pelo ar, uma mulher a cantar, uma cidade a cantar, a sorrir, a cantar, a viver a beleza de amar. Na feitura de qualquer coisa na vida, falo aqui de filmes, os acidentes de percalço são preponderantes. Eu Sou Um Coletivo na sua finalização, não foi diferente: uns óculos foram atirados ao chão, apenas isto provocou o renascimento da minha perna esquerda dos tempos que eu era um craque. Com um chute certeiro, fiz um gol de placa, arremessando-o contra a parede, quebrando-o em mil pedaços. Depois dessa bela jogada, terminamos o grande filminho de sete minutos. Minha garçonete do botequim na região central, onde como um prato feito vez por outra, me revelou que não gosta e tem vergonha do seu nome que é Sol, por acha-lo muito masculino. Só pude lamentar porque acho seu nome lindo.  Seja como for há de vencer o grande amor, que há de ser no coração, como perdão para quem chorou. Sinuoso o sol veio nascendo mais cedo naquela manhã gloriosa de Sábado, depois da madrugada estrelada. Esgueirando-me pelas tangentes, escapei de mais essa noite de sexta e secretamente fiquei ouvindo Björk cantando Insensatez, enquanto observava em plongée, casais transgêneros bailando numa orgia louca. Sem constrangimento algum, atrevo-me a mudar o nome do filme do Godard, de Adeus a Linguagem para A Deusa Linguagem, simplesmente porque prefiro assim. Só uma crise cara de pau. Pois bem, na saída da sessão de A Deusa Linguagem encontro com um jornalista meu conhecido e sua mulher artista plástica, ele me disse que o 3D não agrega nada ao filme. Não entendi o que ele quis dizer com agrega, e sem responder continuei caminhado com eles pelo shopping rumo às escadas rolantes. Na descida a mulher me diz o seguinte: a gente supõe que o 3D é utilizado para aproximar o expectador da cena, da imagem ao ponto de ele se sentir dentro dela, no caso do Godard não surtiu o efeito esperado. Também fiquei sem resposta, nos despedimos, ainda pensando naquela afirmação cheguei à conclusão que ela estava certa, explico: diferente de todos os outros, A Deusa Linguagem provoca pelos enquadramentos, uma visualização dos acontecimentos distanciada, o que te faz não ficar distraído por um mero adorno técnico, um confeito da superfície do espetáculo, evitando o âmago das questões do homem, da vida e do meio como se apresenta. O entretenimento.  Temos  a expressão distanciamento crítico. Ao contrário do que se espera, somos convidados novamente pela nossa entidade superior, a tentar subir mais um degrau, apertar mais alguns parafusos e de alguma forma lutar para transcender nossa medíocre existência.  Talvez o jornalista ao invés de dizer agrega, tenha dito a grega. A ponte liga um homem a outros homens, um lugar a outros lugares, uma vida a outras vidas. Como se vê só tenho falado de coisas boas e ainda posso melhorar. No momento que inflamava meu ouvido direito, os românticos só falavam do coração, podemos entender que o coração é algo, mas não tudo. Existem, além de outros algos, os ouvidos. Harmonia Rosa de Monet.  As Ninfeias em primeiro plano, os fios da trama, o Reino das Fadas de Georges Meliés, a transparência ou a opacidade de corpúsculos em ilusões de filigrana. Ele não pôde fazer de nós humildes. Ele: quem? Ou não soube, ou não quis. Ah Deus. Então fez de nós... humilhados. Ele: quem? Deus. Comecemos pelo começo, a ideia é simples. Oh linguagem. Esta manhã é um sonho. Cada um pode pensar que o sonhador é o outro.

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