BRASIL 1
“Quem quiser que se engane. Pois não existirá força
alguma na terra capaz de impedir que o povo brasileiro realize seu destino como
nação livre e independente. Pode dificultá-lo por algum tempo, mas ressurgirão,
logo a seguir, mais forte ainda a sua vontade e sua determinação, sua vocação
de liberdade e justiça social. São direitos fundamentais do povo brasileiro,
destas multidões imensas que cobrem a grandeza de nossa pátria, direitos
inalienáveis, que a esta altura da evolução humana ninguém lhes pode negar”.
Leonel Brizola
BRASIL 2
I. O governo inseguro
Como um povo colonizado durante séculos, sempre
fomos condicionados a nos submeter a um sistema ou a um governante que o
representava. Éditos reais e bulas papais determinavam os rumos e, como sempre,
a inefável Santa Madre Igreja nos incutia falsos valores cristãos, que se
convertiam rapidamente em dogmas de submissão e conformismo.
Quando esta estratégia não se mostrava suficiente,
bastava que aparecesse um comandante militar que ordenaria aos meganhas: ‒
Senta o pau na macacada! E a ordem voltava a reinar no terreiro.
Assim foi no final do século XVIII e XIX, quando
movimentos nacionais como a Revolução dos Alfaiates na Bahia, a Inconfidência
Mineira em Minas Gerais, a Revolução de 1817, a Confederação do Equador, a
Praieira e a Cabanada em Pernambuco, a Cabanagem no Pará, a Guerra dos Farrapos
no Rio Grande do Sul, entre muitos outros, sofreram a mão dura do império
português e da monarquia recém-instalada.
Foi assim ‒ não por acaso ‒ que chegamos ao século
21, quando elegemos pela primeira vez um antigo operário como Presidente da
República. Até então havíamos tido muito poucos governantes com os quais
nos identificamos emocionalmente e que reconhecemos como representativos da
brasilidade. No curto período republicano de pouco mais de um século, somente
poderiam ser lembrados Juscelino Kubitschek e João Goulart e, principalmente,
Getúlio Vargas, chamado de O Pai da Pátria e certamente o maior estadista
brasileiro.
Com a ascensão de Luís Inácio da Silva em 2003,
abriu-se uma porta para a alteração das velhas e arcaicas estruturas sociais do
país porque trazia com ela alguém que emergia dos estratos mais baixos da
nação.
De certa forma, pode-se dizer que os programas da
rede de proteção social implementados pelo novo presidente trouxeram uma
pequena movimentação no sistema de classes. No entanto, esse processo ficou
restrito a um pequena faixa da sociedade e, estimulado por várias linhas de
crédito subsidiado, levou a um aumento do consumo mas não afetou o sistema de
poder, que continua concentrado nas mãos do capital financeiro e nos grandes
oligopólios industriais.
As mais recentes eleições puderam demonstrar de
maneira cabal como as políticas públicas postas em prática pelos governos de
Lula e Dilma Rousseff não alteraram em nada o sistema de distribuição de forças
no nosso Bananão uma vez que todas as elites econômicas do país se perfilaram
com o candidato Aecinho Neves e quase levaram à derrota a candidata da situação
que, pelos benefícios que trouxe aos menos favorecidos em cujas áreas chegou a
ser fragorosamente derrotada, deveria contar com um maior apoio popular.
Ao final, graças a uma mobilização de última hora
num esfacelado Partido dos Trabalhadores e contando com o apoio de setores de esquerda
que continuam desconfiando de seu projeto neoliberal, a candidata à reeleição
conseguiu se sair vitoriosa por uma pequena margem de 3% dos votos válidos em
uma situação que ‒ dado o cenário político de contínuas denúncias de corrupção,
clara falta de governabilidade, evidentes demonstrações de incompetência
administrativa, pouca ou quase nenhuma coordenação política e tendência de uma
deriva à direita, que pode levar à perda de apoio popular ‒ prenuncia um
tempo sinistro para o futuro governo de Dilma Rousseff.
Colocada diante de um dilema hamletiano de ser ou
não ser: de um lado, conservar o mandato que já está em risco ‒ tendo para isto
que abrir mão dos projetos que propôs durante a campanha eleitoral ‒ ou
afrontar o vasto sistema de poder daqueles que manipulam os cordéis da nossa
vida econômica e política ‒ necessitando então buscar o apoio das organizações
sociais, sindicatos e partidos de esquerda, além da maioria da população
brasileira que em geral se mantém distante da política, levando em conta a sua
constante demonização pelos meios de comunicação ‒ , a nossa president(a)
parece estar dando sinais de que começa a optar pelo não ser e passa agora a
lutar pela preservação de um mandato que sequer teve início.
Os próximos dois anos definirão a natureza do
projeto de longo prazo do nosso país: encontrar um caminho próprio, saindo de
forma progressiva da órbita dos Estados Unidos e seu eixo belicoso integrado
pela Europa, Arábia Saudita e Israel ou reassumir a sua posição de capataz do
império ianque, contribuindo para a manutenção de uma ordem colonial que já
perdura por mais de um século.
Sérvulo Siqueira
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