GUERRA DE CANUDOS
Canudos é a nossa guerra-síntese.
Uma comunidade pobre lutando contra os poderes
locais e as condições difíceis do sertão baiano, liderada por um religioso
carismático, é massacrada pelas forças do governo após o engajamento quase
unânime das elites políticas, das populações urbanas e da imprensa.
Jornais de todo o país, aliados de interesses
políticos e econômicos agrupados com o recente surgimento da República,
começaram a divulgar os “perigos” da existência de uma aglomeração de despossuídos
que desenvolviam atividades de subsistência e se recusavam a reconhecer a
autoridade do novo regime – inclusive se negando a pagar impostos para um
governo no qual definitivamente não confiavam.
Para a “opinião pública” nacional, urbana, branca e
instruída, tratava-se de um bando de miseráveis e fanáticos, mestiços, negros e
índios que não se enquadravam na ordem civilizada que se espalhava a partir do
sudeste desenvolvido.
Canudos devia ser destruído.
E assim foi feito. Os habitantes do arraial, inicialmente
preocupados em sobreviver e rezar, resistiram, atraíram adeptos de outras áreas
do nordeste, organizaram grupos que caçavam soldados da ordem como costumavam
caçar animais em tempos de fome aguda e impuseram derrotas vergonhosas às
forças oficiais. Mas, ao fim, caíram: foram massacrados sem piedade, com tiros
de canhão, incêndio generalizado e degola indiscriminada de prisioneiros
dominados.
Euclides da Cunha, que nunca foi um homem suave, deu
o tom do evento: Canudos foi um crime. Este crime, podemos acrescentar hoje,
foi construído paulatinamente nas páginas de uma imprensa associada aos
interesses dominantes em uma sociedade profundamente desigual.
Sabemos que a História não se repete, às vezes em
farsa e outras vezes em tragédia, mas temos a sensação de que seus capítulos
mais sombrios custam a terminar.
SERPENTÁRIO DE INTRIGAS
Viver demanda muita urticária e pouco siso. Requer
extremos de agonia e muita baba cósmica para entender o serpentário de intrigas
que nos rodeia. A cada esquina um bote sorrateiro de cobra cascavel. Estas até
que são singelas amigas se puder compará-las com as cobras de duas patas que
andam de tocaia, em cada rua ou em cada esquina. Se descuidar, o veneno entra
pela sua jugular e causa morte instantânea.
“Navegar é preciso; viver não é preciso”, já dizia o
poeta italiano Francesco Petrarcha. Esta frase pode ser o cerne do entendimento
humano, adaptada por Fernando Pessoa, poeta lusitano, em determinado trecho:
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é
preciso.” / Quero para mim o espírito desta frase, / transformada a forma para casar
com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. / Não
conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. / Só quero torná-la grande, /
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo / e a minh`alma a lenha desse
fogo”.
O grande dilema humano está na decência de ser
decente ou na penúria de ser um reles bastardo, sem escrúpulos. Se, preciso
for, é capaz de pisar na garganta do amigo para satisfazer seu ego pouco
produtivo e se apequenar no puxa-saquismo para manter o status quo.
A mim me parece que ser o serpentário de intrigas
produz tantos ninhos de cobras que o Butantã ficaria feliz de tê-lo por perto.
Entretanto, o veneno sem modificações mata. E assim, as víboras se disfarçam em
companheiros para inocular o veneno. A alma decente, que nada teme e nem produz
substâncias maléficas, tem sempre o antídoto de reserva.
Ah! que bom seria de nós se não tivéssemos amigos
tão vulneráveis ao desejo de traição? O que seria de nós se não pudéssemos ter
inimigos travestidos de amigos? O que seria da nossa alma se não pudéssemos
reconfortá-la com doses homeopáticas de perdão?
Não bastasse o maldito e eterno patrulhamento
ideológico, vivemos debaixo de nefastas intenções, onde o vale-tudo é a porta
de entrada para a satisfação do ego multifacetado de gente que se esconde até
da própria sombra. Ou de gente tão narcisista, que, dependendo do dia, se olhar
no espelho, dá uma porrada para destruí-lo.
UM SONHO QUE TIVE COM VOCÊ
Jose Luiz Vieira
Bicho! Que sonho eu tive essa noite com você...
Estávamos nós dois em uma casa que dava de frente
pra um morro íngreme e sem fim que acabava no céu de tão alto.
Era um lugar estranhíssimo quando de repente eu
comecei a ver rolar uns torrões de terra, como no início de uma avalanche, mas
era tudo em câmera lenta... Pareciam flocos de terra rolando.
A coisa foi ficando crítica, mas ao mesmo tempo era
tudo tão lento que parecia inofensivo até que um torrão te acertou na cabeça,
mas nada te aconteceu de grave, apenas ficamos mais apreensivos com o que
poderia ocorrer e acabamos abandonando a casa.
Passou um tempo e eu não me lembro de o que
aconteceu logo após sairmos.
Sei que fui dar uma volta e andando no meio de um areal
comecei a reparar que no céu as nuvens formavam nítidas figuras femininas, mas
nada muito realista. Então resolvi fotografar com meu celular pra te mostrar
porque estavam interessantes, mas quanto mais eu fotografava mais nítida iam
ficando e começavam e se colorir e a se movimentarem como se estivessem vivas.
De repente milhões de figuras se formaram no céu: hipopótamos que corriam pelo
céu e iam descendo em direção ao areal, mas não corriam com os pés no chão,
flutuavam sobre a areia em direção ao mar.
Um ônibus passou e eu adentrei na intenção se sair
logo dali porque já estava meio assustado com tudo aquilo e também queria logo
te mostrar as fotos...
No meio do caminho percebi que o ônibus ia para um
lugar estranho e saltei dele depressa. Mas ao descer vi uma sacola no chão,
peguei-a porque resolvi levá-la também até você.
Passou um longo tempo e nos encontramos não sei
onde. Era outro apartamento. Cheguei com ansiedade que me é característica,
louco pra te mostrar as fotos e fomos tentar vê-las no celular...
As fotos haviam se tornado vídeos - não sei como, e
começamos a enlouquecer assistindo, porque tudo era muito colorido e as figuras
louquíssimas... Mulheres extravagantes, hipopótamos voadores, etc.
Então depois de um tempo você me perguntou que sacola
era aquela que estava comigo. Não soube te responder, apenas disse que estava
na rua e a peguei ao descer do ônibus.
Vamos ver o que tem aqui dentro! Eu disse colocando
a mão dentro da sacola. Lá de dentro saíram várias fotos de pessoas as quais
nenhuma eu conhecia e você, para meu espanto, conhecia todas. Havia uma foto de
um cara que parecia muito com o teu pai, mas não era exatamente ele, apenas
lembrava.
Depois de vermos as fotos você me perguntou o que
mais havia ali dentro e eu, sem saber te responder, coloquei a mão pra
averiguar... Saiu lá de dentro um objeto enorme sem a menor função prática,
apenas decorativa, mas muito antigo e lindo feito de madeira e vidro. Eu
percebendo que você se encantou com objeto logo disse "eu achei e é meu!
Mas também não sabia o que fazer com aquilo e você novamente me perguntou: - O
que mais tem ai? Fui eu novamente colocar a mão na sacola e saiu outro objeto e
mais outros eram todos lindos e pareciam coisas de outras épocas feitas por
outras culturas... eram utensílios que não sabíamos pra que servia ...mas a
gente ficava maluco ao vê-los porque eram lindos ...e não sabíamos como aquilo
tudo saía da sacola que era de papelão e pequena...
Não me lembro de mais nada...
REFLEXÕES DE JABUTICABA
Contei
meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que
já vivi até agora.
Sinto-me
como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras ela chupou
displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não
tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde
desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. (...)
Meu
tempo tornou-se escasso para debater rótulos: quero a essência, minha alma tem
pressa...
Sem
muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana;
que sabe rir dos seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera
eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos
marginalizados e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar
perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem
fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena"
(Rubem Alves, 1933-2014)
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